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A opção de ascender o comércio ao foco único da política externa removeu o Brasil do papel de destaque que vinha exercendo na política internacional

Por Pedro P. Bocca(*), na Carta Capital

O tradicional discurso brasileiro na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, proferido por Michel Temer na terça-feira 25, teve tom de balanço do período e marca o último aparecimento do ex-vice-presidente na AGNU. O balanço apresentado, porém, se mostra descolado da realidade da política externa brasileira dos últimos anos.

Ao iniciar seu discurso apontando a necessidade de um sistema internacional que responda a três tendências – isolacionismo, intolerância e unilateralismo – Temer, por cinismo ou desconhecimento, parece ignorar que a política externa brasileira pós-impeachment contribuiu de maneira atuante para o crescimento destas tendências.

Ao destruir a estratégia diplomática da chamada Política Externa Ativa e Altiva dos governos petistas, Temer – que entregou o Ministério das Relações Exteriores para o PSDB, inicialmente com José Serra e atualmente com Aloysio Nunes – iniciou o desmonte de uma estrutura político-diplomática de relações bilaterais e regionais com o Sul global, profunda integração regional com os países vizinhos e ampliação de acordos estratégicos nos espaços multilaterais.

A opção de ascender as relações comerciais ao foco único da política externa removeu o Brasil do papel de destaque que vinha exercendo na política internacional e contribuiu de forma definitiva para o isolamento de países parceiros que tinham no Brasil um aliado poderoso para a solução de controvérsias e negociações internacionais.

Ainda que Temer tenha sancionado – com vetos – a Lei de Migrações (13.445/2017), que representa em linhas gerais um importante avanço no tema da integração de migrantes no país na contramão do debate candente na maior parte dos países desenvolvidos sobre o tema, a postura do Brasil em relação aos temas humanitários e conflitos internacionais tem se alinhado ao das potências internacionais.

Da Venezuela à Síria, a diplomacia do governo Temer reforça posições que buscam evitar o diálogo, a resolução pacífica de conflitos e a criação de um ambiente de tolerância e concertação no cenário multilateral.

O desmonte da política externa estruturada nas relações Sul-Sul também reforça a retomada de uma preferência estratégica do Brasil pelo alinhamento automático aos Estados Unidos em temas e negociações internacionais. Enquanto nos últimos anos o Brasil foi protagonista na iniciativa da constituição de um sistema multipolar (que tem nos BRICS e na CELAC as principais referências deste projeto), o Brasil de Temer busca ressuscitar um unilateralismo arcaico – em parte frustrado pelo desdém da administração Trump pela América Latina até o momento.

Temer, portanto, pede respostas a tendências reforçadas por sua própria administração, em um discurso cujo conteúdo pouco se relaciona com a doutrina defendida pelo núcleo duro de seu governo. Mais do que isso, se apropria de logros dos governos anteriores para criar uma ilusão de eficiência e continuidade de sua política externa, construindo um discurso desalinhado da ação fomentada por seus aliados internos e sua política externa.

Ironicamente, o fechamento do discurso é marcado pela valorização do processo eleitoral em curso no país e pela valorização da democracia brasileira e de seu próprio período à frente do governo. “O país que entregarei a quem o povo brasileiro venha a eleger é melhor do que aquele que recebi”. Talvez para um pequeno setor que opera no país (e para uma ampla gama de interessados internacionais) esta frase seja verdadeira.

Temer prefere ignorar que foi peça chave na criação da instabilidade política e econômica que culminou com a queda de Dilma Rousseff, sua ascensão ilegítima ao cargo, e a realização de mudanças internas e externas e reformas que o levam a ter o governo mais reprovado da Nova República.

Temer, porém, está certo ao afirmar que deixa o governo ao final de 2018 e que o Brasil terá um novo Congresso e um novo Executivo a partir de 1º de janeiro. A eleição mais importante da história recente do país é também uma disputa sobre o papel do Brasil no mundo. E, neste contexto, há duas visões distintas sobre o papel do Brasil nas candidaturas postulantes à eleição presidencial de outubro.

Por um lado, as candidaturas que reforçam a prioridade na abertura econômica, o alinhamento com as potências e o abandono da integração regional e das relações com países em desenvolvimento. Esta ideia, de continuidade da política externa do governo Temer e do rebaixamento da política externa à pauta secundária, é visível nos programas de governo de Geraldo Alckmin (PSDB) e de Jair Bolsonaro (PSL), cujo programa de governo dedica apenas uma página ao tema).

De outro, estão candidaturas que defendem o fortalecimento do Brasil no sistema internacional e a retomada de uma política externa independente, que recoloque o país no papel de protagonista do Sul global, uma liderança regional e um agente importante da multipolaridade global. Tanto Fernando Haddad (PT), quanto Ciro Gomes (PDT), acenaram positivamente ao ex-ministro Celso Amorim – principal formulador da Política Externa Altiva e Ativa – ao debaterem o tema na hipótese de um futuro governo.

É cada vez mais necessário pautar o tema da Política Externa na agenda eleitoral, pois ele reflete não apenas a visão de mundo do país, mas igualmente a sua capacidade de incidir nas relações de poder globais. É notória a perda de prestígio do Brasil no cenário internacional nos últimos anos, fruto da ilegitimidade do governo atual e suas escolhas equivocadas.

O debate sobre desenvolvimento, democracia e independência, tão pujante nas eleições deste ano, relaciona-se diretamente às possibilidade de atuação internacional do Brasil, que se encontra em uma encruzilhada decisiva: voltar permanentemente aos tempos de irrelevância no tabuleiro internacional, ou retomar a defesa de um projeto de fortalecimento do Sul global, da integração regional e do desenvolvimento multipolar do sistema internacional.

O Brasil, em sua condição de liderança regional e importante ator político e econômico mundial, deve ser consciente de seu papel no mundo, especialmente em uma conjuntura internacional complexa como a atual.

Os votos de milhões de brasileiras e brasileiros em outubro terão consequências nas relações internacionais e incidirão nesta conjuntura de forma decisiva. As respostas brasileiras aos desafios impostos pelo isolacionismo, a intolerância e o unilateralismo não serão dadas através de discursos demagógicos, mas nas urnas por seus cidadãos e cidadãs.

(*) Mestre em Relações Internacionais e membro do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GR-RI

(Foto: UN Photo/Cia Pak)

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