Skip to content Skip to sidebar Skip to footer

Livro lançado na segunda-feira (20) detalha episódio ocorrido em agosto de 1995, quando pelo menos 12 pessoas morreram em uma fazenda em Rondônia, no “interior do interior do Brasil”

Num processo que vem dos anos 1970, a floresta é queimada para dar espaço aos bois. E reforma agrária se resolve à bala/ GERARDO LAZZARI/RBA
Num processo que vem dos anos 1970, a floresta é queimada para dar espaço aos bois. E reforma agrária se resolve à bala/ GERARDO LAZZARI/RBA

São Paulo – Correu muito sangue no dia 9 de agosto de 1995 em Corumbiara, Rondônia, “no interior do interior do Brasil”, como já definiu o jornalista João Peres, que na segunda-feira (20) apresenta o livro Corumbiara, Caso Enterrado (Editora Elefante). O lançamento será a partir das 19h, no Ateliê do Gervásio (Rua Conselheiro Ramalho, 945, Bela Vista, região central de São Paulo). Com reportagem fotográfica de Gerardo Lazzari, a obra trata de um episódio emblemático do país, mas como quase sempre esquecido nas desmemórias brasileiras.

Na madrugada daquele 9 de agosto, a Polícia Militar, por ordem judicial, entrou no acampamento que trabalhadores sem-terra haviam organizado desde 15 de julho na fazenda Santa Elina – uma propriedade de 18 mil hectares, uma imensidão dentro da imensidão da Região Norte. “Onde sobram exploração e fome, sobra gente disposta a ocupar”, escreve o autor no primeiro capítulo. Morreram pelo menos 12 pessoas, sendo nove posseiros, dois policiais e um não identificado, de acordo com o Ministério Público. Ainda hoje o número exato causa divergência, assim como o julgamento provoca polêmica.

Foram quatro anos de trabalho extenso desde que o repórter conheceu um dos personagens do caso, Claudemir Gilberto Ramos, um sem-terra condenado pelo episódio. “O foragido da injustiça”, como se apresentou quando se conheceram, um encontro nervoso. “Por que os sem-terra foram condenados? Por que um aceitou o veredicto e o outro, não? Por que, entre tantos réus possíveis, Claudemir foi escolhido? São muitas pontas soltas”, diz Peres. “É hora de andar por Rondônia.” Nesse tempo, ele andou por muitas terras, falou com muitas gentes, de trabalhadores a promotores, de militantes a policiais.

Na obra, entende-se que a ditadura está na origem do que se tornaria Corumbiara, entre tantas outras zonas de conflito. “Sem o convite do regime para que pobres e latifundiários se encontrassem em uma terra de baixa presença institucional, os fatos da Santa Elina jamais teriam ocorrido”, diz a Editora Elefante no texto de apresentação. Um dos personagens do livro vem daquele período: ganhou do governo militar uma área de 43 mil hectares, um quarto do município de São Paulo, foi alvo de operações de combate ao trabalho escravo e se tornou suspeito de presentear um policial envolvido na operação da Santa Elina.

Ligando os pontos

Medo e angústia tomavam conta de Claudemir em sua vida na clandestinidade. Foi nessa condição que um ativista sindical, atuando como intermediário para que ele pudesse começar a tornar pública a sua história, apresentou o sem-terra à reportagem da Rede Brasil Atual. Em abril de 2011, o caso foi tema de reportagem na Revista do Brasil, a partir de entrevista do trabalhador ao site da RBA, onde Peres então trabalhava, e àTVT.

Foi o início de um longo trabalho de reconstituição da história do Brasil, com os pés em uma região mais falada do que conhecida, mais esquecida do que pensada. Jornalista com passagens por várias redações, João Peres atualmente é sócio-diretor na Agência Página Três e editor no blog Nota de Rodapé. O fotógrafo Gerardo Lazzari, argentino radicado no Brasil, é também colaborador frequente da RBA e da Revista do Brasil.

Na entrevista – a primeira desde aquela época –, Claudemir contou que não sabia quando foi a última vez que viu as filhas e a mãe. Na visão da Organização dos Estados Americanos (OEA), o episódio representa um erro cometido pelo Brasil devido às execuções realizadas por policiais e ao júri repleto de inconsistências.

“A tensão que acompanha jornalistas em apurações sobre questões agrárias na Amazônia é grande. No geral, vai-se a locais com baixa presença institucional do Estado e com uma cultura de violência e justiçamento. O Brasil é um dos países com piores índices de assassinato de profissionais de imprensa, segundo ranking elaborado anualmente pela organização Repórteres Sem Fronteiras”, diz o autor em texto na Agência Pública. Segundo ele, acompanhar um caso ocorrido em uma frente de desmatamento para iniciar a apuração que desaguaria no livro “não foi uma decisão prudente”.

Talvez não, mas a história brasileira ganha mais uma contribuição. “João Peres ouviu testemunhas de todos os lados, consultou documentos, reconstituiu a tragédia. Em suma, desenterrou a história”, comenta o jornalista Mário Magalhães, em seu blog.

“Há um certo esquecimento sobre o caso de Corumbiara. A questão agrária no Brasil como um todo perdeu muita força nestas duas primeiras décadas do século 21. Ainda assim, o grau de ignorância sobre os fatos ocorridos na Santa Elina parece mais profundo, se considerarmos o tamanho da questão em número de mortos e de perguntas não respondidas”, afirma João Peres em entrevista ao site Amazônia Real.

“O que pude concluir é que há alguns motivos para que isso ocorra. Um problema central reside no fato de os sem-terra que ocuparam a fazenda não pertencerem a nenhum movimento organizado. Depois do caso, eles receberam vários convites, é claro, mas à época estavam desconectados de qualquer instituição com mais peso. É diferente de Eldorado do Carajás, em que o MST teve alguma força para construir sua narrativa por meio de trabalhos acadêmicos e jornalísticos”, acrescenta o autor. Ele destaca ainda a distância de Corumbiara, inclusive em relação à capital de Rondônia, e as dificuldades do jornalismo atual, em termos de custos, para realizar reportagens de fôlego. O livro supera essas barreiras.

“O local onde ocorreu o conflito só não virou um prédio porque está no meio do mato. Só não virou pasto porque não foi necessário. Só não virou soja porque é inclinado. Aqui escorreu sangue. Faz tempo. Já lavou. Hoje é mato até a cintura, picando as mãos, ajudando a esquecer. Poderia ser um pedaço de ex-floresta como qualquer outro, mas está tudo aqui: o morro de onde os sem-terra atiraram e morreram, o córrego que serviu como divisa natural do acampamento e por onde muitos escaparam, o espaço onde ficavam as barracas.”

Fonte: Rede Brasil Atual

What's your reaction?
0Sorrindo0Lol0Ual0Amei0Triste0Bravo

Deixe um comentário

Acesse o banco de Práticas Alternativas

Conheça experiências reais que unem a justiça social, radicalização da democracia e harmonia com o meio ambiente

Encontre o Observatório nas redes sociais
Assine e acompanhe o Observatório da Sociedade Civil

    Realização

    Apoio

    Apoio

    Apoio

    Apoio

    Copyright © 2024. Todos os direitos reservados à Abong.