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‘Debates eleitorais sobre a questão urbana não dialogam com demanda das ruas’

Em mais uma de suas entrevistas quanto à ausência ou distorção de grandes temas nacionais no debate eleitoral, conversamos com Guilherme Boulos, para falar de políticas urbanas e de moradia e da abordagem dos candidatos sobre elas. O balanço que o coordenador do MTST faz não é nada alentador.

Foto: Mauro Donato (Diário Centro do Mundo)
Foto: Mauro Donato (Diário Centro do Mundo)

A entrevista é de Valéria Nader e Gabriel Brito, publicada pelo jornal Correio da Cidadania, 26-09-2014.

“Não há nenhuma proposta inovadora colocada em pauta. É o seguinte: política urbana é tomar lado. Hoje, quem controla a política urbana no país é o capital privado, as grandes construtoras, incorporadoras, empreiteiras. É essa gente que faz a verdadeira gestão do planejamento urbano da cidade, de acordo com seus interesses de lucros e rentabilidade. Enquanto tal lógica não for sanada, o problema da moradia não será seriamente enfrentado”, afirmou.

Em sua visão, o debate, ao menos entre as candidaturas dominantes, está colocado “à direita”. “Estão criticando o Minha Casa Minha Vida, mas não pelo que tem de ruim, mas pelo que tem de bom, que é o subsídio”, comentou.

Boulos reconhece o avanço do governo em investir grandes somas num programa habitacional, mas bate na tecla, a partir dos próprios dados oficiais, de que tal iniciativa não poderá prosperar enquanto for pautada pelas grandes empreiteiras que, na prática, são a voz de comando  na política habitacional.

“Não basta fazer 1,7 milhão moradias, como fez a Minha Casa Minha Vida desde 2009, com o Lula e a Dilma. Porque, a cada moradia que se constrói, são produzidos novos sem teto, na mesma proporção, pois não há política urbana que enfrente a especulação”, resumiu.

Eis a entrevista.

Após as massivas manifestações de 2013, catalisadas pelo tema do transporte público gratuito, os movimentos relacionados à moradia e mobilidade urbana adquiriram dimensão em todo país, com uma leva de ocupações urbanas, inclusive por ocasião da Copa do Mundo. Qual a sua opinião sobre a abordagem que têm recebido estes temas nos debates pré-eleitorais, especialmente aquele travado pelas grandes candidaturas presidenciais?

No que se refere às três principais candidaturas, o debate sobre a questão urbana é extremamente rebaixado. Não se vê, na prática, nenhuma proposta expressiva que represente aquilo que ocorreu em junho de 2013 e nas mobilizações em relação aos temas de moradia neste ano. A discussão no campo da moradia se limita ao Minha Casa Minha Vida, ou seja, se vai continuar ou vai acabar o programa habitacional. O governo está fazendo a discussão do tema “pela direita”. O Minha Casa Minha Vida é um programa muito limitado. Nós temos críticas bastante sérias a este programa, como expressamos nos últimos meses de mobilização.

Estão agora criticando o Minha Casa Minha Vida, mas não pelo que tem de ruim, mas pelo que tem de bom, que é o subsídio. O debate se dá em torno de diminuir ou não o subsídio, uma discussão atrasadíssima. O subsídio é uma conquista da política de moradia e da política urbana. Não se faz política urbana focada em direitos sociais sem subsídio. Isso vale para o campo da moradia, do transporte, da saúde, enfim, o conjunto dos investimentos sociais.

É preciso entender que o subsídio não é um gasto. O subsídio é um investimento para garantir direito social.

Considera que alguma das candidaturas mais ideológicas e progressistas, ainda que com sua abrangência bem menor, têm conseguido trazer o tema à tona, de forma a fazê-lo reverberar?

Acho que sim. A candidatura da Luciana Genro, em particular, incorporou o seu programa de governo ao seu discurso público, tanto em debates como em entrevistas. Em suas alusões, aparecem muitas vezes as nossas propostas em relação aos temas de reforma urbana e da moradia, no sentido de fortalecer a gestão direta em detrimento do programa sugerido pelas empreiteiras, como ocorre na prática. Sugere partir para uma política nacional de desapropriação, regulamentação federal do Estatuto das Cidades, combate à especulação imobiliária como ponto zero para uma política urbana mais democrática… Neste sentido, nós vemos na candidatura da Luciana uma tentativa de levantar tais pontos.

E os candidatos aos governos de estados que abrigam cidades onde o problema se apresenta de forma mais proeminente, como São Paulo, BH e Rio, com dezenas de ocupações e reintegrações de posse em andamento: como pensa que as principais forças eleitorais, no âmbito estadual, vêm debatendo o tema das ocupações urbanas?

Eu tenho acompanhado o debate mais em São Paulo, onde fico. E o que tenho visto é o mesmo nível rebaixado da campanha federal. Não há, de fato, nenhuma proposta inovadora colocada em pauta. É o seguinte: política urbana é tomar lado. Hoje, quem controla a política urbana no país é o capital privado, as grandes construtoras, incorporadoras, empreiteiras. É essa gente que faz a verdadeira gestão do planejamento urbano da cidade, de acordo com seus interesses de lucros e rentabilidade.

Se, de fato, se quer construir uma política urbana onde os mais pobres participem, para reverter o processo de segregação, exclusão, no qual o pobre é jogado para cada vez mais longe, em locais com menos infraestruturas, menos serviços públicos, é preciso enfrentar o capital imobiliário. Quem o fizer terá de se valer de mecanismos para retomar as terras ao poder público, porque a base da política urbana é a terra. Hoje, a terra está na mão do mercado. É preciso construir mecanismos mais eficazes de regulação do mercado imobiliário.

O mercado imobiliário é uma festa, fazem o que querem. É oferta e procura e pronto. Ao controlar as câmaras municipais, e inclusive parte dos Executivos, conseguem aprovar as leis e as exceções que eles bem entendem. Portanto, uma outrapolítica urbana, popular e democrática para o país de hoje, necessariamente passa por enfrentar os donos da cidade: o setor imobiliário.

O que poderia dizer sobre o grande problema da moradia e mobilidade na cidade de São Paulo, dos movimentos que têm enfrentado essa situação e da postura do governo do estado e da prefeitura diante desse cenário?

O governo do Estado de São Paulo teve historicamente a CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) como política habitacional. E a CDHU fracassou em seu empenho. A CDHU também manteve toda a lógica de construção por empreiteiras, de moradias de má qualidade e com prestações altas. Muitas vezes, as famílias não conseguem terminar de pagar uma habitação.

Outro fator é que se constrói exclusivamente nas periferias. E a política habitacional do governo do estado, na realidade, acaba adquirindo uma maior visibilidade na hora do despejo, quando manda a polícia militar desalojar de forma violenta milhares e milhares de famílias, como ocorreu no Pinheirinho, em São José dos Campos. E como ocorre semanalmente, às vezes diariamente, aqui na capital e na região metropolitana.

Na prefeitura, nós vemos que, a partir de certo momento, o prefeito Haddad fez um esforço maior de dialogar com os movimentos e compreender as reais necessidades de abrir uma parte de seu programa para a gestão direta dos empreendimentos, tal como propomos. Mas há ainda um buraco na política habitacional do governo Haddad, no qual ela se encontra com o governo estadual, pelo fato de não ter construído alternativas para o despejo, um problema urgente.

Lembre o que nós vimos na semana passada, em São Paulo, naquele despejo violentíssimo que depois se tornou uma verdadeira guerra no centro da cidade. Isso não foi um fato isolado, como querem nos fazer crer. Está acontecendo frequentemente. Não aparecem para o público as famílias desalojadas, agredidas, violentadas, enfim, tendo negado seu direito à moradia.

Portanto, a prefeitura de São Paulo e o governo estadual, infelizmente, não têm se disposto a construir uma alternativa para o problema do despejo. Uma alternativa emergencial que dê conta de enfrentá-lo. Há um exemplo muito concreto: a ocupação Chico Mendes, num terreno municipal da região do Morumbi. Duas mil famílias ocuparam o terreno, numa expressão clara do combate à segregação territorial. E a prefeitura pediu liminar de reintegração de posse e não se dispôs a fazer uma negociação mais efetiva.

Correio da Cidadania: Como a direção e movimentos de ocupação urbana ligados ao MTST têm lidado com esta conjuntura pré-eleitoral? Existe algum pensamento tático e/ou estratégico de modo a que se aproveite este momento para expandir a conscientização do público em geral sobre o grave problema urbano de moradia e mobilidade?

Não achamos que as eleições sejam um momento de politização. Normalmente, com o nível de campanha eleitoral que se faz, com o marketing predominando sobre qualquer debate político real, achamos que acaba sendo um momento de despolitização.

O movimento, no momento eleitoral, pretende fazer as mesmas mobilizações que tem feito nos últimos meses e nos últimos anos, denunciando e tornando o problema mais público. Mas não vemos que haja uma abertura, de fato, para um debate político no processo eleitoral. Ao contrário, é mais difícil fazer tal debate porque estamos diante de um ambiente em que predomina a maquiagem.

Correio da Cidadania: E como definiria, em linhas gerais, o grande problema da habitação no Brasil de hoje e a postura que assumida pelos governos Lula/Dilma?

O problema de habitação no Brasil é um barril de pólvora. Se nós pensarmos hoje o que são as nossas grandes cidades, pautadas pela segregação, pelos muros sociais e com o comando da especulação imobiliária, vamos ver que aquele problema da mobilidade, que explodiu em junho de 2013, é crônico. Mas, no último período, o tema do direito à moradia está no foco da nossa avaliação, a partir do que têm sido os índices abusivos de reajuste de alugueis. A políticahabitacional não pode ser estritamente uma política habitacional. Ela tem de estar congregada com a política urbana. Essa é a questão que nós criticamos diretamente nos governos do PT.

Não basta fazer 1,7 milhão moradias, como fez a Minha Casa Minha Vida desde 2009, com o Lula e a Dilma. Sabe o que aconteceu? Fizeram 1,7 milhão moradias e o déficit habitacional do país aumentou. Era de 5,3 milhões de famílias em 2008, e hoje é de 5,8 milhões. Portanto, na prática, enxuga gelo. É isso que nós temos denunciado já há algum tempo.

Por quê? Porque, a cada moradia que se constrói, são produzidos novos sem teto, na mesma proporção, pois não há política urbana que enfrente a especulação. Um dos critérios do déficit habitacional medido pelo IBGE, um debate no qual o MTST está participando, é o ônus excessivo com o aluguel. Ou seja, quando a família compromete mais de 30% da renda com aluguel. Esse item explodiu nos últimos anos, porque não há um controle da especulação imobiliária.

Assim, não basta construir novas habitações. Claro que construir novas habitações é importante. Ter subsídio é importantíssimo. Temos de reconhecer que essa foi uma conquista do governo nos últimos anos. No entanto, o programa está direcionado para favorecer as empreiteiras. Elas foram as grandes gestoras do programa, as moradias construídas são de baixa qualidade, de tamanho minúsculo, em regiões absolutamente periféricas, e não há uma política urbana de enfrentamento à especulação imobiliária e ao capital imobiliário.

Por isso, o problema habitacional tem se agravado. Vivemos hoje uma contradição: temos um programa habitacional federal que não existia na década passada, com investimento pesado, mas que, ao mesmo tempo, não diminui o problema habitacional. Na verdade, o problema habitacional está se agravando, o déficit aumentando e isso tem a ver, como já salientado, com a falta de política urbana que enfrente a especulação imobiliária.

Quem cria sem teto é a lógica do capital imobiliário. Enquanto tal lógica não for sanada, o problema da moradia não será seriamente enfrentado.

Correio da Cidadania: Como dirigente e membro do MTST, tem algum palpite sobre os resultados eleitorais que poderiam ser mais negativos, ou mais positivos, para as lutas que vêm sendo travadas?

Como coloquei aqui nessas argumentações, nós somos críticos ao governo Dilma. Temos críticas diretas ao governo Dilma e ao governo do PT. Porém, o mais trágico é que o debate eleitoral está pautado pela direita. Os dois outros candidatos mais votados, o Aécio Neves e a Marina Silva, não estão criticando o governo do PT por não ter feito as reformas estruturais, por não ter enfrentado de forma mais direta o capital. Estão criticando o governo do PT por, supostamente, ter feito tal enfrentamento!

A política econômica neoliberal é defendida abertamente pelo Aécio Neves, já que seu ministro da Fazenda seria oArmínio Fraga. Não precisa dizer mais nada. A Marina Silva, quando bota a turminha dela lá pra defender a autonomia do Banco Central, tripé macroeconômico, redução das metas de inflação e, ao mesmo tempo, dizer que vai aprofundar os programas sociais, mostra que não tem o menor cabimento.

Portanto, infelizmente, as eleições estão sendo pautadas pela direita. Com raras exceções, como a Luciana Genro, que coloca um debate mais à esquerda. Mas, pela lógica do sistema político brasileiro, com financiamento privado de campanha e desigualdade do espaço eleitoral para o debate, tal discurso acaba não tendo eco. Acaba prevalecendo o discurso que pauta o debate eleitoral pela direita. Um grande problema para nós.

Fonte: IHU – Instituto Humanitas Usinos

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