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Para a psicanalista Carmen de Oliveira, jovens estão decepcionados com a forma atual de se fazer política, mas isso não quer dizer que estejam desinteressados

Por João Vitor Santos, Revista IHU On-line

Apesar do engajamento dos jovens nas manifestações de Junho de 2013 e nas ocupações das escolas nos últimos anos, “a desconfiança da política institucional está particularmente acentuada entre os jovens neste momento”, diz Carmen de Oliveira à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por e-mail. Esse tipo de reação, frisa, não significa que os jovens estão desinteressados pela política. Ao contrário, analisa, “eles estão decepcionados com esta forma de fazer política, apontam as suas imperfeições e distorções e isto é bom para a democracia”. Além disso, menciona, “o cansaço em relação aos partidos e políticos não é sinal de esgotamento da política. Foi o desencanto que levou os jovens às ruas em Nova YorkParisTúnisCairo e outros lugares em outros momentos. Eles dizem as mesmas coisas: ‘Não acreditamos mais’, ‘Como fomos capazes de acreditar no que agora desmorona?’”.

Carmen também comenta a atuação dos jovens nas redes sociais e avalia que o uso das redes como meio de debate não é ruim, mas “o que preocupa é justamente a constituição de ‘bolhas virtuais’ que nem poderiam ser chamadas de redes, pois não agenciam conexões abertas e acentradas”, adverte.

No dia de hoje, 04-10-2018, Carmen de Oliveira estará no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, ministrando a palestra “As juventudes e o cenário eleitoral brasileiro. Possibilidades e limites”, às 17h30min, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros – IHU.

Carmen de Oliveira (Foto: Reprodução/Facebook)

Carmen de Oliveira é graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, com especialização em Saúde Pública pela Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul, mestrado em Psicologia Clínica pela PUCRS e doutorado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como tem observado a participação dos jovens no debate acerca do atual cenário eleitoral brasileiro?

Carmen de Oliveira – A nova geração de eleitores tem algumas peculiaridades. Certamente não se trata da mesma juventude da primeira década dos anos 2000, tampouco é o mesmo cenário eleitoral. Estes novos eleitores cresceram sob governos petistas, se acostumaram com uma certa calmaria econômica e melhor acesso a bens e serviços, aprenderam a discutir liberdades individuais sem travas, além de serem nativos digitais com participação ativa na revolução das redes sociais.

Nos últimos anos, esses jovens também protagonizaram várias mobilizações sociais marcantes, tais como a reivindicação pelo passe livre e a ocupação das escolas, que despertaram uma certa euforia política pelas possibilidades de deslocamento da apatia e do individualismo.

Estes motivos já nos fariam supor que haveria uma maior participação da juventude neste processo eleitoral no sentido de incidência na escolha sobre o projeto de país para os próximos anos. No entanto, a desconfiança da política institucional está particularmente acentuada entre os jovens neste momento. Esta é a primeira eleição majoritária pós-impeachment, em meio a uma insatisfação generalizada e uma polarização que leva a um descrédito sobre as possibilidades de construção de projetos coletivos para o futuro.

Contudo, não visualizo estas reações como sinais de que os jovens estão desinteressados da política. Eles estão decepcionados com esta forma de fazer política, apontam as suas imperfeições e distorções e isto é bom para a democracia. O cansaço em relação aos partidos e políticos não é sinal de esgotamento da política. Foi o desencanto que levou recentemente os jovens às ruas em Nova York, Paris, Tunísia, Cairo, Atenas. Eles dizem as mesmas coisas: “Não acreditamos mais”, “Como fomos capazes de acreditar no que agora desmorona? ”.

Não considero que são revoltas erráticas ou separadas, muito embora a maioria dos jovens brasileiros talvez ignore ou não perceba as conexões entre si dessa onda de levantes que se comunicam de maneira quase imperceptível. Não vivemos, portanto, uma crise brasileira, mas uma crise generalizada do modelo econômico, do modo de governar e das democracias. Dar-se conta disto pode significar para os jovens eleitores o peso de sair do atordoamento e de se colocar em um outro nível de responsabilidade diante das urnas.

IHU On-Line – Podemos afirmar que os jovens estão mais engajados no debate eleitoral de 2018 se comparado com algumas eleições passadas? Por quê?

Carmen de Oliveira – A resposta poderia ser negativa se levarmos em conta o número de adolescentes entre 16 e 17 anos que se registrou no sistema eleitoral para fazer uso do voto facultativo. Segundo dados do Supremo Tribunal Eleitoral esse número caiu 14,5% em relação a 2014 (ano da última eleição majoritária) embora na população geral tenha crescido 3,14%. Essa queda não pode ser explicada pela curva demográfica observada na faixa etária pois é o dobro do que se observou no mesmo período. No RS a redução foi maior, em torno de 20%. No Amazonas o número de adolescentes cadastrados diminuiu pela metade. E em Minas Gerais o número registrado desses eleitores foi o menor nos últimos 29 anos, com uma queda de 73% em relação a 1989.

Mas o engajamento no debate eleitoral não pode ser medido apenas por este indicador. Se levarmos em conta que os jovens utilizam as redes sociais como o principal espaço público para a informação e discussão de ideias veremos que eles estão muito ativos neste processo.

IHU On-Line – Qual o peso das redes sociais no engajamento dos jovens no debate político? E até que ponto eles rompem com a “bolha virtual” e empreendem suas ações políticas no mundo não-virtual?

Carmen de Oliveira –

Não vejo como problema que a principal esfera pública para o debate entre os jovens sejam as redes sociais. O que preocupa é justamente a constituição de “bolhas virtuais” que nem poderiam ser chamadas de redes pois não agenciam conexões abertas e a-centradas. Seu nucleamento se dá por algoritmos, determinando uma partilha mínima para além do território configurado, ou seja, um compartilhamento entre iguais.

Também é equivocado afirmar que existe maior privacidade e liberdade de expressão nas redes sociais. Vivemos a era do ouro da comunicação intermediada por poucas empresas e que decidem o que vemos ou não. A construção do ambiente virtual segmentado por algoritmos vicia as pessoas em radicalismo, alertam os especialistas. Por outro lado, o exército virtual em torno de fake news, hackers, perfis falsos e bots (robôs) é um recurso conhecido de manipulação da opinião pública. Uma investigação recente realizada pela BBC Brasil identificou este tipo de ações no processo eleitoral de 2014.

A principal estratégia que vem sendo usada é o que chamamos de “comportamento de manada”, expressão usada em referência ao comportamento de animais que se unem para se proteger de um predador. No caso da juventude haveria maior suscetibilidade a este tipo de agenciamento pois este ciclo vital se caracteriza por uma maior demanda ao reconhecimento do outro e também de identificação com pessoas ou grupos vistos como referências.

Voltando às “bolhas”. No plano “real” também se observa que a juventude está sitiada em muros invisíveis, que a separa em guetos voluntários (como os condomínios das elites) e guetos involuntários (como os bairros “destinados” à periferia empobrecida). Na medida em que os diferentes mundos não são mais partilháveis o reconhecimento do outro não se dá mais pelo convívio direto, mas por meio de representações, ou seja, por imagens pré-configuradas quase sempre forjadas em estigmas. Do desconhecimento à indiferença e da indiferença à intolerância são apenas alguns passos a mais que nos levam ao caminho da barbárie social.

Por isto, as manifestações que convocam a presença de jovens e velhos rebeldes de diferentes matizes nas ruas e praças podem ser vistas como um sinal promissor pelas possibilidades de derrubar as barreiras de geração e de reconquistar de maneira coletiva e pacífica os territórios urbanos demarcados por uma lógica privatista. Não sabemos ainda até que ponto tais experimentações podem ressignificar o cotidiano de cada um de nós, mas sem dúvidas abrem caminho para o contraponto ao extremismo conservador diante de um caldo ameaçador de fascismo político.

IHU On-Line – Pesquisas apontam que os jovens estão em grande número entre os eleitores de Jair Bolsonaro. De que forma a senhora explica esse fenômeno?

Carmen de Oliveira –

Quando analisamos os resultados das pesquisas eleitorais por segmentos (sexo, idade, escolaridade, região por exemplo) temos que levar em conta os limites metodológicos de se trabalhar com uma fração ainda menor da amostra. Nestes casos, a margem de erro pode ser bem superior. Levando em conta estas limitações pode-se supor duas situações: Bolsonaro tem uma proporção acentuada de eleitores jovens, mas também eles produzem um dos maiores percentuais de rejeição a esse candidato.

Alguns especialistas atribuem esta preferência pela sedução dos jovens a um discurso de contestação do status quo e que vem de encontro a demandas desta faixa etária em seu desejo de autoafirmação. Como esta geração viveu no clima majoritariamente progressista, estar ao lado do conservadorismo seria uma forma de protesto. Nesta perspectiva, temas como descriminalização do aborto e casamento LGBT, seriam do interesse de um “establishment” de esquerda. Outro fator seria a “repaginada” dos conservadores, trazendo à cena os anti-heróis jovens do MBL, como Kim e Holiday. Este movimento agenciou uma geração que habita a infoesfera, nutrindo-se do que alguns especialistas chamam de “memeficação da política”, que facilitaria a adesão a fórmulas fáceis e populistas disseminadas por youtubers que transformam a complexidade do real em sátiras que dificultam a diferenciação entre o que é sério e o que é brincadeira. Desta forma, os jovens interpretam os comentários fascistas de Bolsonaro como piadas de um palhaço.

Além disso, a juventude poderia estar seduzida pelo seu comportamento outsider, como quando afirma que não faz parte da política tradicional, cuja imagem é de corrupção. Ele também daria mostras de ser contra o chamado “establishment” quando desdenha, por exemplo, poderosas instituições midiáticas e econômicas do país. Não é à toa que Bolsonaro é chamado de “mito” pois encarna a sociabilidade juvenil transgressora.

Outro tipo de argumentação relaciona o fato de que Bolsonaro é um dos principais atores políticos nas redes sociais – e que parte de sua força entre os jovens é porque ele não só utiliza as redes sociais, como conhece a linguagem que viraliza, usa frases curtas de efeito apelativo, cria polêmica, fala o que pensa, como “um performer”.

Sem desconsiderar tais argumentos, entendo que eles são ainda insuficientes para dar conta da compreensão da forte emergência da retórica fascista no Brasil contemporâneo. Como psicanalista, é inevitável colocar em análise um outro ângulo deste cenário.

Guattari chamou a atenção para quatro situações envolvendo a figura de Hitler e que aumentaram seu poder de afetar as massas: um certo estilo plebeu, que lhe assegurava um passaporte entre diferentes segmentos populares; um certo estilo veterano de guerra, que lhe dava condições de aproximação do estado-maior militar; um oportunismo de negociante, mesclando jogo de cintura e debilidade, o que lhe favorecia na negociação com as elites, deixando-os crer que poderiam controlá-lo; e, por fim, o que Guattari sinalizou como essencial, “um delírio racista, uma energia paranóica louca, que o colocava no diapasão da pulsão de morte coletivo que havia exalado dos ossários da Primeira Guerra Mundial”.

Como o psicanalista francês ressalvou, esta é uma descrição “demasiado esquemática”, mas que permite problematizar algumas condições locais do que ele denominou de “irresistível ascensão” de Hitler. É evidente que esta engrenagem totalitária não é um problema biográfico ou datado historicamente. O nazismo, fascismo e as ditaduras não foram apenas maus momentos da nossa história.

A micropolítica que produziu tais circunstâncias nos diz respeito, tanto aqui e agora como sempre estiveram presentes no interior dos grupelhos, das famílias, nas escolas, nas relações de trabalho, em nossos corpos etc. Esta mesma micropolítica engendra o racismo, a misoginia, a homofobia e outras formas de intolerância que suprem com vantagens os campos de concentração e os fornos crematórios. Por isto, é demasiadamente simplista a palavra de ordem: “fascistas não passarão”. Eles não só já passaram, como passam sem parar.

Mais uma vez, Guattari nos alerta de que o fascismo passa através da mais fina malha e encontra sua energia no coração de cada um de nós. Ele se nutre do medo. Como aconselhava o economista americano Milton Friedman: “Se querem impor uma mudança, desencadeiem uma crise”. Dito de outra maneira, a crise é desencadeada com o objetivo de introduzir o remédio – desestabilizar para estabilizar. É assim que na vivencia de uma insegurança existencial crônica e a impressão de que não contam com ninguém os sujeitos amedrontados demandam a ordem.

A recente cena de “manifestantes” enrolados na bandeira do Brasil, de joelhos e mãos na cabeça, pedindo uma intervenção militar é a imagem que condensa esses elementos. Os sujeitos atordoados e enfraquecidos se tornam intolerantes com tudo o que supostamente coloca em risco esta estabilidade. Tudo o que é estranho passa a ser ameaçador e visto como inimigo da ordem social e é isto que torna justificável a exclusão do outro. Não, as massas não foram enganadas, disse Wilhelm Reich no começo do século XX, elas desejaram o fascismo.

Portanto, o que nos cabe, é recusar a fórmula totalitária, seja qual for, porque a história tem demonstrado que o remédio se mostrou mais perigoso do que o próprio mal.

IHU On-Line – A campanha eleitoral de 2018 vem sendo marcada, entre outros fatores, pelo ódio e os ataques contra quem discorda do “seu” posicionamento, seja ele qual for. Como vê a atuação dos jovens nesse ambiente de intolerância e como esses sentimentos podem reverberar na vida em sociedade?

Carmen de Oliveira –

É importante compreender melhor os movimentos de rebelião que implicam na negação do outro, como podemos constatar no “Fora Dilma”, “Fora Temer”, no “anti-petismo” ou no “#elenão”. Na Argentina, o desejo de supressão foi ainda mais radical: “Que se vayan todos! ”. Será que nada parece nos unificar a não ser o ódio em comum?

Estamos enredados no jogo da culpabilização, entre a exigência de um mea culpa e a acusação ao outro: minha culpa, tua culpa. Esta é a trama do ressentimento que, segundo Nietzsche, é uma herança da tradição metafísica. É uma forma arcaica de lidar com o mal-estar diante do desabamento de mundo e da perda de ancoragem: se algo ruiu, alguém é o culpado. Em ambas situações – quando o ressentimento se volta contra o sujeito ou quando é dirigido ao outro- o sujeito ressentido fica paralisado ao perceber que o mundo tal como ele é não deveria ser, ou de que o mundo tal qual ele deveria ser não existe. Nietzsche alerta de que isto pode levar ao fim do otimismo ou ao refúgio na crença e na veneração. Para ele, são faces da mesma moeda do niilismo, são sintomas do adoecimento da vontade.

Por isto, ele nos fala que a mutação não pode emergir do ódio do malogrado e do enjeitado ou do veneno do ressentido mas deve ser a consequência necessária de uma vontade afirmativa. Como refere Zizek, saber contra quem se luta é um começo, mas não basta saber o que não se quer, é preciso saber o que se quer. Ou seja, este tipo de protesto pela negação ao outro é insuficiente para uma pactuação sólida e de maior alcance. Em tempos de incerteza, os debates abertos precisam de respostas concretas: que tipo de organização social queremos? De que tipo de novos líderes precisamos? E que tipo de institucionalidade seria necessária para sustentar este pacto social?

IHU On-Line – Quais os desafios para a formação de jovens eleitores conscientes, preocupados com o seu futuro, mas também com as questões sociais e coletivas?

Carmen de Oliveira – O TSE, juntamente com os Tribunais Regionais Eleitorais, desenvolve programas de informação em escolas municipais, estaduais e federais, atingindo atuais e futuros eleitores. São realizadas palestras e rodas de conversa, com apresentação de vídeos educativos e distribuição de cartilhas.

Tais iniciativas são necessárias, mas insuficientes, em especial porque são focais e datadas. Precisamos pensar a formação para a cidadania como parte do percurso formativo e não como algo secundário ou que deva ser impedido pois é visto como perigoso para a sociedade, como no caso daqueles que apregoam uma Escola sem Partido.

As mordaças nunca construíram a autonomia, cuja operação psíquica é considerada pela psicanalise como a principal tarefa na adolescência e juventude. As mordaças nunca fortaleceram a democracia tampouco impediram que as ideias circulassem. Ainda bem, pois como sinaliza Vladimir Safatle, precisamos da circulação de ideias para confrontar as pseudo certezas que limitam a produtividade do pensamento e, desta forma, sair das palavras de ordem, reconstruir problemas e recolocar hipóteses na mesa. Talvez seja isto que mais desperte o temor para aqueles acostumados a selecionar alternativas já postas à mesa.

IHU On-Line – No mundo todo fala-se num esgotamento da esquerda e na necessidade de reinvenção de uma outra esquerda. O jovem militante de esquerda também sofre esse esgotamento? E em que medida tem se mantido ativo e disposto a pensar numa “nova esquerda”

Carmen de Oliveira –

Destacaria duas questões. Em primeiro lugar, a constatação de que a geopolítica em tempos de globalização nos leva a reposicionar o locus das lutas. Há um deslizamento progressivo do campo social para o territorial. Isto é o que o Comitê Invisível denomina de “habitar plenamente”, isto é, criar a consistência do local, fazer existir o cotidiano dos territórios, inventar formas de viver, produzir o comum, tomar conta dos mundos que edificamos. Este tipo de ação política envolve a “tomada do inconsciente” para a emergência de “revoluções moleculares” no plano individual e no campo social, como diriam Deleuze e Guattari. A produção de novas subjetividades exige um tempo mais longo.

Outro ponto de virada na forma de fazer política pode ser definido da seguinte forma: nenhum “céu social” acima de nossas cabeças, nenhuma miragem de horizonte, nenhum viver para o amanhã. O que existem são os “nós”, o conjunto de ramificações que se conectam e se recompõem sem parar. Hoje, por exemplo, se fala muito em interseccionalidades, no encontro de diferentes interesses relacionados a gênero, classe, raça, geracional, origens geográficas e profissionais etc, onde unificação é operada transversalmente e não pela verticalidade. Portanto, a força estratégica dos novos coletivos não estaria garantida pela filiação, hierarquia ou disciplina, mas pela potência do contágio, da alegria que emana dessa experimentação conjunta, da densidade de afeto e delicadeza que sustentam a disposição a agir. Não se trata, portanto, de uma ruptura com a ideia de organização ou até mesmo de representação política. Trata-se sim de um questionamento radical dos movimentos de massa decididos de forma centralizada em torno de objetivos padronizados, como na velha forma militarizada de organização. O movimento #elenão e as manifestações do dia 29 são expressões deste tipo de ação política: 50 tons de democracia.

Não são pontos de viragem fácil pois, como alerta o Comitê Invisível, nunca faltam burocratas na esquerda que saibam o que fazer com a potência de nossos movimentos, isto é, como fazer dela um meio para o seu fim. Também subsiste a degeneração dos coletivos em vanguardas, grupelhos ensismemados ou “seitas. ” Superar estas formas de fazer política é uma tarefa difícil, mas imediata.

Mas já temos algumas pistas destas mutações. Sinais, fortes sinais, de que as novas gerações já demonstraram que tem um papel importante para o rejuvenescimento da política.

IHU On-Line – Quais são, na sua avaliação, as demandas dos jovens brasileiros hoje?

Carmen de Oliveira – O período pós-impeachment, em que vigorou a política neoliberal austericida do Estado mínimo, produziu demandas que afetam a juventude a médio e longo prazo, tais como o congelamento de investimentos na educação pública, a perspectiva de trabalho precarizado e a insegurança sobre a aposentadoria. A esses problemas se somam aqueles que já eram pesadelos sem o devido enfrentamento, como no caso do genocídio da juventude negra, da alta evasão escolar, da juvenilização da AIDS e do sistema penitenciário.

Apesar dos impactos na vida dos jovens e de suas famílias bem como o previsível ônus a ser gerado para o Estado na assistência a tais problemas, estas questões estão praticamente invisíveis na retórica dos candidatos e até mesmo nos seus programas de governo. Nestes casos, os jovens aparecem mais como marketing das campanhas eleitorais do que como prioridades.

É interessante observar que os partidos que apoiaram as diretrizes do governo Temer sinalizadas no documento denominado de Ponte para o Futuro são os mesmos que aprovaram o congelamento dos recursos para as políticas sociais, evidenciando posições distintas para duas diferentes juventudes. Tal medida assegurou a travessia na “ponte para o futuro” dos jovens bem-nascidos, enquanto a parcela da juventude brasileira marcada como “refugo social” se viu jogada para fora, abandonada à própria sorte diante da alta vulnerabilidade.

São vidas desperdiçadas, termo usado por Baumann para designar as parcelas da população vistas como “deslocadas”, “inaptas” ou “indesejáveis”. Para esta “geração desperdiçada” a “ponte para o futuro” se transformou em uma pinguela precária, jogando a maioria a um limbo visto como irreversível, em um cenário em que prevalecem a perda de postos de trabalho, o índice recorde de pessoas trabalhando sem carteira assinada e um mercado de trabalho com uma alta taxa de rotatividade, salários miseráveis e uma competição feroz diante de poucas vagas e de altas exigência.

Neste contexto, restam muitas interrogações: Em que medida é possível uma produção do comum entre as diferentes juventudes no país? A resposta dada nas urnas pelos jovens, mas também por todos nós irá priorizar as demandas da juventude e enfrentar os problemas de uma “geração desperdiçada”? Seremos capazes de desinflar o niilismo e superar as tentações totalitárias que nos dividem e enfraquecem as possibilidades de construção de um novo pacto social?

(Foto: Danilo Ramos/ RBA)

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