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Governador une Meio Ambiente e Infraestrutura, removendo ‘dificuldades’ para prosseguir com obras que enfrentam resistência popular: ‘o órgão que licencia a obra está subordinado à mesma secretaria que a promove’

Por Cida de Oliveira, da Rede Brasil Atual 

A iniciativa do governador de São Paulo João Doria (PSDB) de fundir temas tão antagônicos como meio ambiente e infraestrutura, que resultou na criação da Secretaria Estadual da Infraestrutura e Meio Ambiente, não surpreendeu os movimentos socioambientais no estado. Mais que isso, a política já esperada de privilegiar obras, em detrimento da preservação ambiental, com o desmonte dos órgãos responsáveis pelo licenciamento de projetos de empreendimentos e pela fiscalização de crimes ambientais, não deverá ser implementada com facilidade. Os ativistas prometem ao secretário da nova pasta, Marcos Penido, organização e resistência.

Na avaliação do coletivo que luta contra a instalação da cava subaquática – um imenso buraco cavado próximo a Cubatão que está recebendo sedimentos contaminados, retirados de um dos canais do canal Piaçaguera, próximo ao Porto de Santos, que será alargado –, a extinta pasta do meio ambiente não exercia protagonismo na preservação ambiental. “Ninguém lembra de um projeto, ação ou programa do governo do Estado de São Paulo na área ambiental. As poucas conquistas são resultado de muita pressão da sociedade civil e dos ambientalistas”, afirma Leandro Silva de Araújo, um dos coordenadores do movimento contra a obra com potencial de contaminação de peixes e prejuízos à saúde de moradores da região.

Para o ativista, Doria demonstrou maior traquejo político que o presidente Jair Bolsonaro (PSL), que chegou a anunciar a fusão do Ministério do Meio Ambiente com o da Agricultura,dominada por ruralistas, e por isso foi criticado pela opinião pública internacional. “O governador promove uma fusão e assim minimiza a reação popular, subjugando a temática ambiental à da infraestrutura. A frase ‘os lucros são privados e os prejuízos são socializados’ nunca foi tão significativa”.

O coletivo entende que a cava subaquática, por si só, é uma prova de que o interesse privado tem se sobressaído aos interesses coletivos e do meio ambiente, na medida em que prejudica um ecossistema tão sensível quanto o manguezal e as comunidades caiçaras de pescadores artesanais.

Cíntia Prado, da coordenação do movimento, destaca que a abertura da cava subaquática, paralisada em alguns momentos pela Justiça, “teve aval da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e coloca abaixo da linha d’água e a metros de distância do canal de navegação do porto de Cubatão resíduos altamente tóxicos, sem nenhum tratamento”. E que uma tentativa de instalação de CPI para investigar os posicionamentos minimamente contraditórios da instituição não contou com apoio de parte dos deputados estaduais da última gestão, “especialmente os de centro direita”.

No entanto, “frente aos ataques que deverão ser mais evidentes, constantes e agressivos”, segundo ele, “haverá ainda mais luta e engajamento. Mas a história nos mostra que, nada como uma crise para nos fazer descobrir a força e união que precisamos ter.”

fusão secretarias desmonte políticas ambientais em SP
Página de associação de pescadores nas redes sociais mostra as bordas da cava subaquática em construção em Cubatão

Novas armas

O desmonte dos órgãos ambientais responsáveis por licenciar empreendimentos e fiscalizar crimes ambientais também não pegou de surpresa Plínio Melo, presidente da ONG Mongue, de Peruíbe, no litoral sul. O que causa espanto, segundo ele, é a fusão não estar sendo questionada por grandes ONGs e por institutos que atuam no setor.

Os moradores do município convivem permanentemente com o fantasma da construção de uma mega usina termelétrica na região que tem a maior parte de seu território dentro de área de preservação e terra indígena. O projeto ilegal, no centro de uma disputa jurídica sem fim, trará impactos ambientais ao oceano, à fauna e à vegetação. Um dos produtos da queima de gás para geração de eletricidade é a chuva ácida.

“Marcos Penido, o novo secretário, presidiu a CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) entre 2011 e 2016. Foi nesta época que o BID (Banco Interamericano) injetou muitos milhões de dólares para ação conjunta com a Secretaria de Meio Ambiente para retirada de moradores dos bairros Cota, na Serra do Mar, e regularização fundiária de Unidades de Conservação. Mesmo com muito dinheiro, a CDHU e a então Secretaria Estadual de Meio Ambiente desenvolveram a política do “cobertor curto”. Isto é, moradores retirados do Bairro Cota foram levados para conjuntos habitacionais de outros municípios, sem nenhuma perspectiva de renda, favorecendo novas ocupações. Assim, já sabemos como será a ‘nova’ política”.

Melo afirma que o “mesmo inimigo, com suas ‘novas’ armas”, continuará sendo combatido. No entanto, ele acredita que o projeto da Termelétrica previsto para Peruíbe deverá ser retomado quando for conveniente. A questão ambiental é secundária para muitos. Falo isso com a constatação de que muitos que lutaram contra a termoelétrica, apesar das ameaças de Bolsonaro de reduzir a atuação e até extinguir o MMA votaram a favor desta política ao elegê-lo”.

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Projeto de megausina termelétrica para Peruíbe prevê porto para recebimento do gás que será queimado. Chuva ácida está entre os impactos previstos

Tragédia anunciada

A fusão trouxe muita preocupação ao coletivo que organiza o Movimento Popular Salve o Rio Itapanhaú, em Bertioga. O rio está na mira de um projeto do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) que pretende desviar parte de sua água para distribuir na região metropolitana. Os moradores defendem projetos que resolvam a crise hídrica sem causar danos ambientais.

“São órgãos incompatíveis. Certamente, os licenciamentos ambientais estarão profundamente comprometidos, já que o órgão que licencia a obra está subordinado à mesma secretaria que a promove. Entendemos que o governo do estado pretende facilitar os licenciamentos de forma completamente irresponsável”, afirma Carlos Eduardo de Castro, o Kadu, que integra o movimento.

Na avaliação do coletivo, colocar a pasta do Meio Ambiente, a companhia ambiental Cetesb, a Cesp e a Sabesp na mesma secretaria é tragédia anunciada. “Como gerir órgãos licenciadores e fiscalizadores na mesma pasta daqueles que solicitam as licenças e são fiscalizados? Que ética é essa que permeia as ações do governo? Como ficará a Cetesb? Usando uma expressão popular, é colocar a raposa para tomar conta do galinheiro”.

Para os ativistas, a fusão das secretarias em si não deverá acelerar o andamento de obras como a transposição do Itapanhaú. E sim políticas de âmbito federal. Kadu lembra que a MP do Saneamento, que foi reeditada no apagar das luzes do governo de Michel Temer, deve embasar um plano nacional de segurança hídrica que o Ministério do Desenvolvimento Regional anunciou lançar até março.

“Serão 114 obras de R$ 25 bilhões, que irá contemplar obras já previstas pelos estados. Talvez esta notícia seja ainda mais relevante para a aceleração dessas obras que a própria fusão. No entanto, se entendermos tudo como um grande pacote, e se considerarmos a falta de sensibilidade dos governos e estes novos setores sobre a conservação do meio ambiente e a preservação dos direitos das comunidades envolvidas, entendemos que deva haver uma aceleração nesses processos. Além disso, a Cetesb sempre foi subserviente às demandas da Sabesp. Agora ficará mais fácil o articular os processos”.

Na boca da baleia

O secretário de Meio Ambiente de Guarujá, na Baixada Santista, Sidnei Aranha, classifica como “balaio de gatos” as duas secretarias juntas, porque ambas que disputam interesses diferentes. Para dar um exemplo, ele cita os diferentes posicionamentos da Cetesb e da Sabesp para a questão dos emissários submarinos.

“A Cetesb entende que os emissários do litoral como um todo não atendem resoluções mínimas para tratamento de esgoto ao tratar de maneira parcial e inadequada. É colocar cocô na boca da baleia. Já a Sabesp diz que o tratamento que dá é adequado. Com a fusão, as duas empresas estão vinculadas à mesma secretaria. Qual será o posicionamento do secretário? O de que botar emissário submarino é coisa pré-histórica, que contamina o estuário como tem comprovado pesquisas da Unifesp em Santos? Esse super secretário terá de responder a várias questões”, diz Aranha.

Outro questionamento do gestor é referente ao licenciamento de grandes obras, autorizado pelos conselhos estaduais do Meio Ambiente (Consema) e o de Saneamento e Recursos Hídricos, que ainda julgam em último recurso multas ambientais.

“Dentro do saneamento ambiental há questões como o lixo, esgoto, drenagem de água pluvial. Como um único secretário vai decidir sobre a transposição das águas do Itapanhaú, de interesse da Sabesp, que trará um impacto ambiental enorme a unidades de conservação do Guarujá e Bertioga? Em última análise, quem licenciaria é a extinta secretaria, por meio de sua agência ambiental, a Cetesb. É tão antagônico o secretário ser o mesmo que faz a obra e que vai licenciar e fiscalizar, exercendo o controle ambiental. Via de regra estamos voltando ao direito penal medieval. Reformulado pelo Marquês Beccaria em 1782, o acusador era quem fazia prova e julgava”.

Para Aranha, o sistema ambiental vive “um retrocesso danado”. Havia uma discussão para a divisão na Secretaria do Meio Ambiente para atender as especificidades das demandas de cada município. Tanto que foi criado um fórum permanente de secretários de meio ambiente no litoral.

“Fundir as secretárias com argumento de economia é uma tolice sem tamanho, porque a secretaria do meio ambiente é porta de entrada de recursos com compensações ambientais, todas as multas podem virar compensações ambientais, para o processamento de licenciamento há cobranças de taxas. Um retrocesso achar que um único secretário vai cuidar de assuntos totalmente conflitantes. Questões ambientais não são de interesse de governo, mas da humanidade”.

Ele critica ainda “um sistema de desconstrução das políticas públicas de proteção ambiental” sob o argumento do desenvolvimento do país. A China, conforme aponta, elegeu a questão ambiental como preponderante. E grandes mercados, como a União Europeia, não compram produtos que não tenham origem adequada. “Tanto que o presidente Bolsonaro teve de voltar atrás de sua decisão de fundir o ministério do Meio Ambiente. Houve pressão internacional. É um erro crasso do atual governador para atender empresas que ainda não se adaptaram”.

No entanto, o secretário não acredita que a fusão trará facilidades para empreendimentos de grande impacto ambiental. “Apesar da vontade dos governantes, há um movimento ambientalista muito forte no Brasil. Penso que em um momento de crise como agora, de retrocessos, os movimentos serão protagonistas, contando com o Ministério Público, que tem a maioria de seus quadros comprometida com os interesses da sociedade. Não vai ter essa coisa de direita e esquerda. As pessoas sabem que, quando o assunto é saúde e bem estar, inclusive para os animais, proteção da flora, as pessoas vão se unir. E a defesa ambiental será o fio condutor para o fim dessa polaridade.”

(Foto: Movimento não à transposição do Itapanhaú)

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