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Crescem movimentos sociais de migrantes que se unem para enfrentar desafios em São Paulo. Marcha por direitos acontece todo ano na cidade

Foto: William Santos
Foto: William Santos

Neste domingo, 7 de dezembro, como parte do calendário de luta internacional, migrantes, refugiados e refugiadas irão marchar na cidade de São Paulo, em um trajeto que vai da Praça da República até a Praça da Sé. Sob o lema “basta de violência contra @s imigrantes” pretendem realizar no trajeto a reivindicação de direitos específicos, através de diversas bandeiras de luta – uma nova Lei de migração, trabalho decente, direito ao voto, educação, saúde sem discriminação-, e, com isto, também, realizar protesto por uma cidadania plena.

Visibilizar a violência é estratégico, atualmente. O lema-síntese expressa a complexidade e conformidade da realidade da vida da população em São Paulo. Trata de um conjunto extenso de violações que fazem com que migrantes e refugiados vivam sob uma condição de quase não cidadania. O lema, portanto, vem para visibilizar quais direitos possuem, mas não são assegurados, pelo Estado e a sociedade brasileira. Portanto, a violência é entendida como difusa e descentralizada, sendo materializada no Estado (ou em sua ausência ou em sua presença repressora), na xenofobia, nas relações de gênero, etc.

Neste sentido, dois fatos novos já se apresentam na organização desta edição da marcha. Ambos levantam questões mais profundas sobre tais violências sofridas e as condições de vida contemporâneas destas populações.

O primeiro se refere à frente de mulheres migrantes que estará a frente da marcha, liderando a caminhada. E o segundo a presença de refugiados e refugiadas de países africanos e do Haiti, bem como de latino-americanos, em ocupações para sem-teto na cidade.

Por que marcham?

O Dia Internacional do Imigrante foi estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 18 de dezembro de 2000, sendo que no mesmo dia, no ano de 1990, havia sido estabelecida a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias.

Em 2006 o Fórum Social das Migrações realizado em Madrid (Espanha) declarou a necessidade de que os movimentos sociais do mundo realizassem neste dia 18 uma marcha – como parte do dia mundial de luta – pelos direitos dos migrantes. Segundo Paulo Illes – atual Coordenador da pasta de Coordenadoria de Políticas para Migrantes da Secretaria de Direitos Humanos – ao encerramento do fórum em setembro de 2006 organizações e migrantes procuraram realizar a marcha em São Paulo.

Cartaz da oitava edição da Marcha

Cartaz da oitava edição da Marcha

A primeira marcha foi realizada na Praça Kantuta local que só atualmente foi reconhecido como patrimônio dos imigrantes bolivianos na cidade. À época também era disputada pelos mesmos como um direito, já que os bolivianos haviam sido expulsos de outra praça na mesma região por moradores locais. Outro espaço recentemente reconhecido como de patrimônio dos bolivianos em São Paulo é a Rua Coimbra, localizada próximo ao metrô Bresser, e que concentra um grande comércio.

A marcha portanto busca visibilizar a realidade migratória. È um protesto que procura, por um lado, levantar questões e bandeiras reivindicativas dos migrantes, e que buscam dialogar diretamente com as suas realidades, e, de outro lado, que busca promover um debate e diálogo com a população acerca da realidade que toca a ambos lados, buscando a resolução de problemas comuns. Se antes os imigrantes levantavam a bandeira de uma nova anistia (concedida em 2009), atualmente querem o direito ao voto para munícipe e uma nova Lei migratória. Desta forma, sob a bandeira “basta de violência”, estão inseridos discursos e práticas que visam a materialização de direitos.

Desde 2007 o principal órgão a convocar a organização da Marcha é o Centro de Apoio ao Migrante (CAMI), mas esta não é a única organização responsável por construí-la. Grupos folclóricos, como Aquarela Paraguaia, de extensão das universidades, como Educar para o Mundo, de convergência das culturas e contra a violência, como Warmis, espaços de acolhimento para jovens imigrantes, como o projeto Sí Yo Puedo, associações esportivas, Organizações Não-Governamentais, militantes acadêmicos e sindicatos, dentre outros, participam da construção da marcha.

Valores universais

No ano passado, segundo esta e outras associações, os imigrantes marcharam, sobretudo, para demonstrar o desejo que tinham de vir ao Brasil, exercendo desta maneira um direito. Essa ideia de cidadania que ultrapassa fronteiras tem suas origens na própria mobilidade humana, datada mais longinquamente que o tratado de Westfália, que instituiu a ideia de Estado-nação. Desta forma, a 7ª marcha, ocorrida em 2013, reivindicou uma lei de migração mais justa e humana, baseada em valores universais e no respeito à dignidade da pessoa humana.

Dos motivadores destes desejos de mudança permanecem, certamente, as pautas relativas as oportunidades de trabalho. No entanto, há outras motivações, como as oportunidades de estudos, de residência, de bem-viver e principalmente do exercício da liberdade de migrar e se estabelecer em outro país direito que é exercido de forma precária também por brasileiros e brasileiras em outros territórios, devido a ideia de Estado-nação apontada.

Os migrantes e refugiados denunciam que a sociedade brasileira e a Lei que a organiza restringem entrada no território nacional, contrariando sua própria constituição. Conforme o manifesto da 7ª Marcha em base ao artigo 5ª da constituição de 1988: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Embora esta realidade pareça estar em processo de mudança a restrição aos direitos de imigrantes e refugiados é preponderante. Até a elaboração e efetivação de uma nova Lei de Migração o documento oficial que regularizará a entrada e permanência de migrantes e refugiados é o Estatuto do estrangeiro – Lei 6.815 de 1980 que data da ditadura militar.

Preconceito e xenofobia

Este estatuto, na prática, acaba sendo um impeditivo para o exercício do direito ao deslocamento pelo território brasileiro e ainda tem o efeito ideológico de representar os migrantes enquanto um caso de ordem nacional problemas de segurança públicacriminalizando essa população, relegando-a, portanto, á subalternidade e ainda sendo potencial para condizer com práticas de xenofobia, preconceito e racismo, como vem ocorrendo nos últimos anos. Também proíbe a liberdade de organização e participação política, um elemento básico do exercício da cidadania em países democráticos, já que não permite, por exemplo, que migrantes e refugiados possam (na prática) eleger candidatos, participar regularmente e criar sindicatos, partidos políticos, dentre outras associações políticas comunitárias, midiáticas de classe, etc.

Foto: Patrícia Villen

Foto: Patrícia Villen

A denúncia da vulnerabilidade derivada da condição de não cidadania e restrição de direitos, em conjunto com outras denúncias, é o escopo da marcha deste ano. O fato de os migrantes estarem sujeito as desigualdades econômicas regionais, ou a conflitos internos as nações de origem, que lhes impõe migrar, complementa-se com a exploração do trabalho na sociedade de chegada, aprofundada por questões como a barreira de idioma, não acesso a informação, desconhecimento das diferenças culturais, condições de escravidão (alimentado pela irregularidade formal que por sua vez se configura devido a burocracia que mais desestimula a regulamentação e altas taxas para solicitar documentos de registro, sujeitando os migrantes as relações de poder e dominação pessoal), tráfico de pessoas, assédio moral, bullyng e outras discriminações no ambiente escolar, agregado a não regularização migratória.

Atualmente, porém, tramita no Ministério da Justiça uma Comissão de Especialistas sob a portaria nº 2.162/2013 formado por lideranças políticas, instituições internacionais, parlamentares, representantes do poder público e acadêmicos com a finalidade de elaborar e apresentarAnteprojeto de Lei de Migrações e Promoção dos Direitos dos Migrantes no Brasil após anos de pressão dos movimentos sociais para substituir o Estatuto, agora com base nos direitos humanos. Este projeto de Lei considerou as recomendações proposta pela COMIGRAR – Conferência Internacional ocorrida em São Paulo em maio deste ano e que significou uma consulta pública sem caráter deliberativo onde se reuniram vários órgãos, associações, entidades, instituições, especialistas, migrantes, pesquisadores, etc interessados e atuantes no tema.

Organização crescente

Embora a adesão da maior parte de imigrantes e dos refugiados na organização da marcha ainda seja diminuta, se comparada com a quantidade de pessoas na condição de imigrante e\ou refugiada na cidade de São Paulo, e a população local conheça pouco sobre a realidade migratória (bem como grande parte dos movimentos sociais, partidos, sindicatos, associações culturais e etc), é preciso trazer à tona que as diversas organizações autônomas, ligadas ás Pastorais ou ao poder público vêm crescendo.

Estas organizações tomaram para si a responsabilidade de, por um lado, lutar direitos dessas populações, através de práticas de atendimento jurídico, recebimento de moradia e promoção de práticas de socialização, cultura e educação, para citar alguns casos. De outro lado (e alguns casos), as organizações buscam fazer com que os imigrantes tenham autonomia em sua trajetória. O trajeto e as reivindicações da marcha, por exemplo, foram decididos por algumas destas organizações em diversas reuniões nos dois meses, as quais, devido aos atendimentos que fazem aos migrantes e refugiados, têm pleno conhecimento de grande parte da realidade migratória e de refúgio no país, tão discutidos ultimamente.

* Trecho de artigo escrito para a Repórter Brasil, por Katiuscia Galhera, doutoranda em Ciência Política na UNICAMP, e Willians de Jesus Santos, mestrando em sociologia na UNICAMP.Clique aqui para ler a versão completa.

Fonte: Repórter Brasil

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