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Projeto impulsionado por Eduardo Cunha atropela debate social da reforma política e perpetua influência do poder econômico nas eleições. Mudança cobrada pelos movimentos sociais é outra

Cunha confabula com Renan Calheiros: a contrarreforma mantém o peso do personalismo na disputa política/ MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL
Cunha confabula com Renan Calheiros: a contrarreforma mantém o peso do personalismo na disputa política/ MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

O debate sobre a reforma política no país, que vinha ganhando força para envolver amplas camadas da sociedade, foi atropelado pela Câmara dos Deputados. No final de maio, graças a manobras do presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em desrespeito a acordo de lideranças, prevaleceu a constitucionalização do financiamento de campanha pelas empresas, com apoio de 330 parlamentares (o mínimo necessário para aprovação é de três quintos, ou 308 votos).

O processo ocorreu menos de 24 horas depois de a proposta ter sido rejeitada, ao não atingir esse patamar mínimo de votos favoráveis. Cunha não engoliu a derrota, pressionou os pequenos, articulou com os grandes e fatiou a discussão do financiamento. O resultado foi que 66 deputados mudaram seus votos em favor da Proposta de Emenda à Constituição 182 – apelidada PEC da Corrupção pelos movimentos sociais, que consideram o fim do dinheiro de empresas em campanhas eleitorais ponto de partida para o enfrentamento da corrupção na política.

A votação, que ainda exige um segundo turno, aconteceu em clima tenso, com as bancadas do PT, PCdoB, PSB e Psol inconformadas com a manobra de Cunha. Mas as tensões em torno da reforma passaram a permear todo o debate e tramitação da matéria, desde que Cunha desqualificou o trabalho do relator da comissão especial que discutia o projeto, Marcelo Castro (PMDB-PI), tirou a votação da comissão e levou-a direto para o plenário.

O encaminhamento prático de uma reforma política vinha sendo discutido desde o final de 2013, após a onda de protestos que sacudiu o país. Na ocasião, a presidenta Dilma Rousseff defendeu uma Constituinte exclusiva, com objetivo de reconstruir um sistema político-eleitoral capaz de devolver a representatividade perdida pela política tradicional. O PMDB reagiu: o vice-presidente, Michel Temer, desconstruiu a proposta de Constituinte exclusiva, e na Câmara o então presidente, Henrique Alves (PMDB-RN), determinou a formação de uma comissão especial encarregada de elaborar um projeto de reforma. Essa comissão escolheu como relator o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), que acabou não sendo reeleito no ano passado. Com a mudança de legislatura, Cunha designou Marcelo Castro para a relatoria e prometeu concretizar a votação a toque de caixa.

O texto, porém, passou longe de contemplar instrumentos considerados essenciais pelos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e entidades do meio jurídico que há anos se debruçam sobre essa pauta. “Essa proposta representa uma contrarreforma, é um retrocesso nos costumes políticos do nosso país”, diz o advogado Marcello Lavenère Machado, representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) na Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas – mobilização que representa 113 entidades em favor de uma mudança que contemple o fim da corrupção e que estimule os partidos a expor claramente seus projetos, de modo a fortalecer ideias, em vez de personalizar o poder associado à capacidade de arrecadação.

“O que pretendemos é que a reforma aperfeiçoe a democracia e faça avançar a moralidade das eleições, progredir a integridade da vontade do eleitor”, afirma Lavenère. “Essa ideia de constitucionalizar o financiamento está na contramão da história. Até os depoentes que são investigados nas CPIs declaram que o dinheiro desses escândalos que estamos vendo está associado ao financiamento eleitoral”, alerta.

Operação Gilmar

Segundo o presidente da Comissão de Reforma Política do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, os deputados conservadores querem constitucionalizar o financiamento de campanha por empresas para influenciar uma virada de mesa no Supremo Tribunal Federal (STF). Ali, a OAB argumenta em ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4.650) que o financiamento empresarial contraria o texto da Constituição segundo o qual “todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”. Para a OAB, o dinheiro de grandes empresas tira do povo o poder maior de eleger seus representantes.

A ação já obteve votos favoráveis de seis dos 11 ministros do STF, mas Gilmar Mendes pediu vista e parou o processo há mais de um ano. “Agora, eles (os deputados) querem colocar isso no corpo da Constituição – o financiamento empresarial –, e aí vão pedir a perda do objeto da ação do Supremo”, afirma Britto.

O poder econômico nas eleições cresce em curva exponencial, graças à inspiração neoliberal da legislação que regulamenta o tema: a Lei dos Partidos (nº 9.096), de 1995, a Lei das Eleições (nº 9.504), de 1997, e a reforma eleitoral de 2006. Um estudo da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, de autoria de Ana Luiza Backes e Luiz Henrique Vogel, mostra que em 2002 as campanhas dos candidatos ao Legislativo federal gastaram R$ 189,6 milhões, valor que em 2010 chegou a R$ 908,2 milhões, alta de 379%. As campanhas presidenciais também não fogem à regra da lógica do capital: de R$ 94 milhões em 2002 se multiplicaram para R$ 590 milhões em 2010.

Em 2010, segundo o mesmo estudo, 75% dos recursos de campanha tiveram origem nas doações de empresas. Outro dado que mostra o poder crescente das doações de empresas em campanhas é que cada eleito, em 2010, gastou cerca de 12 vezes mais do que aqueles não se elegeram. O resultado é um prejuízo para a representatividade do Congresso.

“Os eleitos ficam quatro anos para pagar o financiamento, digamos assim. Como não conseguem, acabam refinanciando (suas dívidas) para ficar mais quatro anos se eleitos, e isso vai fazendo com que não exista uma característica de um mandato para a sociedade. Prejudica o fortalecimento das políticas públicas, sociais e de atendimento aos interesses da maioria dos eleitores”, afirma o presidente da CUT, Vagner Freitas. “Os eleitos acabam tendo de dar satisfação a seus financiadores, e isso contribui demais para a corrupção.”

Para o sindicalista, o fim do financiamento empresarial criaria condições de igualdade nas disputas. “As ideias e propostas dos candidatos e dos partidos teriam mais força ante o peso do poder econômico nas eleições”, avalia. “Acho essencial para a democracia a superação do individualismo e do personalismo para qualificar a escolha de representantes. E os conservadores e grupos empresariais que hoje têm grande influência sobre as bancadas no Congresso são os principais interessados em que nada mude.”

A “contrarreforma” apressada por Eduardo Cunha na Câmara também mantém o peso do personalismo na disputa política. Ao lado do financiamento privado, esse é o segundo ponto crucial do projeto. O chamado distritão, previsto no relatório e rejeitado em primeira votação em plenário, adota somente um sistema majoritário para eleger quem tem recursos para captar individualmente mais votos em estados e municípios, piorando em vez de aprimorar o atual sistema, que é proporcional – os votos são primeiro contabilizados para os partidos ou coligações, e os candidatos mais votados dessas legendas é que serão os eleitos.

“O distritão termina com o conceito de um partido político que busca através de um grupo de candidatos uma determinada votação. Você torna os deputados totalmente autônomos, cada um fará sua campanha e será dono de seu mandato; isso dificulta a governabilidade enormemente, e o poder de renovação do sistema político tende a zero”, avalia o deputado Henrique Fontana (PT-RS). “O sistema agrava o personalismo, que é um problema da política brasileira e enfraquece os partidos.” Fontana ressalta que o modelo, de tão atrasado, só é adotado em dois países no mundo: Afeganistão e Jordânia.

O deputado Chico Alencar (Psol-RJ), líder da bancada, define a hipótese como grande ameaça à democracia: “Atende pela alcunha de ‘distritão’ e se apresenta, indevidamente, como se fora uma reforma política (…) Ao contrário, o ‘distritão’ vai provocar o agravamento superlativo de todas as distorções do nosso sistema eleitoral. Na realidade, como o casuísmo e a pequena política sempre andaram juntos, o surto atual não passa de uma espécie de apoteose do casuísmo”, escreveu em sua página na internet.

Lista e paridade de gênero

O professor de Ciência Política Marcus Ianoni, da Universidade Federal Fluminense (UFF), organizou um livro sobre o tema da reforma política, para ser apresentado no 5º Congresso Nacional do PT, neste mês de junho. O trabalho reuniu artigos de 23 autores baseados em propostas colhidas entre setores progressistas da sociedade. O trabalho, intituladoReforma Política Democrática – Temas, Atores e Desafios, contempla ideias apoiadas pela Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas.

Uma delas defende o sistema eleitoral por lista pré-ordenada, também rejeitada pela Câmara em primeiro turno, que permitiria manter o sistema de proporcionalidade e daria maior peso no processo aos partidos e às propostas de seus candidatos. Seria um caminho para “desfulanizar” a política. “Pelos dados de uma pesquisa que fiz, a representação proporcional de lista é adotada em 70 países, dos quais 57 usam listas pré-ordenadas. Na maioria dos países em que há representação proporcional, a lista é fechada ou flexível”, afirma Ianoni. “Esse tipo de lista flexível funciona em vários países da Europa, como Dinamarca, Suécia, Holanda, Bélgica, e a maior parte dos que têm lista pré-ordenada adota o modelo flexível. Tanto que em função disso um colega meu, especialista em sistema eleitoral, defende a lista fechada, mas devido à nossa tradição personalista ele acha que a lista flexível pode ser um pouco mais simpática.”

O texto votado na Câmara deixa ainda de lado a reivindicação por paridade de gênero. No dia 20 de maio, as 51 deputadas e 13 senadoras do Congresso Nacional divulgaram documento contestando a reforma política nos moldes em que foi discutida. Sem a garantia das cotas de gênero, de pelo menos 30% das vagas em todas as esferas do Legislativo (federal, estaduais e municipais), o bloco feminino se recusará a votar qualquer reforma.

Também nesse dia, movimentos em favor da reforma democrática entregaram ao presidente da Casa 650 mil assinaturas para um projeto de lei de iniciativa popular que assegure os três pontos essenciais: o fim do financiamento por empresas, o sistema eleitoral em lista pré-ordenada (garantindo a proporcionalidade e a representação das minorias) e a paridade de gênero. Mas, para que o projeto possa entrar no Congresso são necessárias 1,5 milhão de assinaturas.

Entre outros pontos, o projeto da Câmara quer o fim da reeleição para cargos executivos, mandatos de cinco anos e coincidência do calendário eleitoral para todos os cargos, do Legislativo e Executivo. Essa mudança de regra é vista pelo professor Ianoni como casuísmo, já que tira dos gestores que têm sua administração aprovada pela população o direito de exercer mais um mandato e não altera o essencial: o peso do dinheiro nas campanhas.

Fonte: Rede Brasil Atual, por Helder Lima

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