Skip to content Skip to sidebar Skip to footer

No último dia 29, durante sua 33ª sessão, o Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU aprovou importante resolução que trata da segurança de comunicadores no mundo inteiro. O documento estabelece a mais abrangente agenda já pactuada entre os Estados-membros do organismo no sentido de combater a impunidade e os ataques contra comunicadores.

Leia a resolução (em inglês)

O CDH da ONU (Foto: Artigo 19)
O CDH da ONU (Foto: Artigo 19)

Pela primeira vez na história, o CDH conclamou os Estados-membros a soltarem comunicadores detidos arbitrariamente, a reformarem leis restritivas que obstruam o exercício da comunicação social, e a não interferirem no uso de criptografia e de ferramentas digitais que possibilitem o anonimato. O Conselho chamou atenção ainda para a ocorrência de ataques contra mulheres comunicadoras, o fechamento forçado de veículos de mídia e o direito de comunicadores de não revelar suas fontes.

A resolução adotada pelo CDH também busca garantir uma maior complementaridade entre as agências da ONU e os mecanismos encarregados de assegurar a segurança de comunicadores, elemento que será um indicador chave para se medir o Objetivo 16 da Agenda para o Desenvolvimento Sustentável.

“A violência contra comunicadores e a impunidade em crimes contra essas pessoas permanece um dos principais desafios para a liberdade de expressão no mundo”, disse Thomas Hughes, diretor-executivo-global da ARTIGO 19. “Este é um compromisso claro que os Estados assumiram para garantir que esses crimes não terminem impunes e para impedir que eles sigam ocorrendo.”

Hughes acrescenta: “Ao cobrar a imediata liberdade para todos os comunicadores detidos de forma arbitrária, e ainda a revogação de leis restritivas no setor, os Estados estão enviando uma mensagem clara de que o exercício da comunicação social não é um crime. Os compromissos firmados para a proteção da segurança de comunicadores no ambiente digital, incluindo a proteção de suas fontes, mostram que os Estados estão finalmente reconhecendo a necessidade de se agir sobre o amplo e crescente espectro de ameaças a comunicadores e à liberdade de expressão.”

A resolução aprovada no CDH é fruto de iniciativa da Áustria em conjunto com o Brasil, França, Grécia, Marrocos, Catar e Tunísia, e foi adotada por consenso por todos os 47 Estados que compõem o organismo. Até o momento, mais de 87 Estados subscreveram oficialmente a resolução como coapoiadores, demonstrando um apoio significativo ao documento.

Apesar de alguns esforços, a situação da segurança de comunicadores na maior parte do mundo não tem apresentado melhoras nos últimos anos. Em 2015, a Unesco registrou 114 assassinatos de comunicadores, blogueiros e trabalhadores da mídia em todas as regiões do planeta. O organismo fez ainda um alerta de que a impunidade é uma tendência predominante nesses crimes, informando que registrou  condenações em apenas 10% dos casos. O número de assassinatos, no entanto, é só a ponta do iceberg, já que os episódios de tortura, desaparecimento forçado, ameaça e intimidação têm acontecido em uma quantidade ainda maior.

“Ao fazer seu trabalho, sobretudo em circunstâncias perigosas, os comunicadores defendem o direito do público de se informar, e são, portanto, defensores de direitos humanos”, afirma Hughes, que também lembra da importância da atuação dos Estados: “Para cada comunicador assassinado ou agredido, um número incontável de outros comunicadores se sentem intimidados e acabam incorrendo na autocensura, o que faz com que sociedades inteiras fiquem desprovidas de informações importantes. É fundamental que os Estados ajam para pôr um fim a essa situação trágica.”

Ações em nível nacional

A resolução reitera, de forma enfática, compromissos já firmados pelo CDH sobre a segurança de comunicadores (Resolução 27/5 HRC, setembro de 2014), incluindo medidas concretas nos âmbitos das políticas públicas e jurídico que ainda não foram implementadas efetivamente em países onde a impunidade é mais endêmica. Entre os compromissos que os Estados devem se ater estão:

  • A condenação pública, inequívoca e sistemática da violência e ataques contra comunicadores;
  • A garantia da realização de investigações imparciais, rápidas, completas, independentes e efetivas que também visem trazer à justiça os mentores de crimes contra comunicadores, e ainda garantir reparações apropriadas às vítimas e suas famílias;
  • A criação de unidades especiais de investigação e de promotorias especializadas, a adoção de protocolos e métodos investigativos e acusatórios específicos e a capacitação de atores-chave que atuem em processos acusatórios e investigativos;
  • A coleta sistemática de dados para subsidiar a elaboração de políticas públicas para a segurança de comunicadores; e
  • O estabelecimento de mecanismos de proteção de comunicadores, incluindo sistemas de alerta e de ações rápidas de resposta

Diante da adoção da resolução no CDH, o embaixador Thomas Hajnoczi, representante permanente da Áustria no organismo, fez um alerta de que as resoluções da ONU podem significar pouco “a menos que elas sejam acompanhadas por ações em nível nacional que garantam a implementação efetiva” dos compromissos que elas trazem. Após a adoção da resolução, Hajnoczi afirmou aos representantes dos Estados na ONU que “acabar com a impunidade em crimes contra comunicadores requisitará vontade política e recursos adequados”.

Com este objetivo em mente, todos os nove escritórios da Artigo 19 espalhados pelo mundo estão trabalhando lado a lado com parceiros locais e internacionais para promover a resolução e assegurar a criação de mecanismos de segurança efetivos e de ambientes jurídicos seguros em diversos países no sentido de garantir a livre atuação de comunicadores.

A Artigo 19 também tem manifestado preocupação em relação a alguns países específicos, como no caso do México, em que a criação de novas estruturas institucionais e de novos protocolos, por si próprios, não têm sido suficientes para melhorar a segurança de comunicadores, apesar dos notáveis esforços para se aplicar padrões internacionais da área. Outro alvo de preocupação é o Brasil, cuja segurança de comunicadores sociais continua deteriorando-se e a ausência de políticas públicas voltadas ao tema deixa o cenário ainda mais preocupante.

Padrões internacionais inovadores

A nova resolução é mais detalhada que as anteriores no sentido de reconhecer que a segurança de comunicadores não pode ser garantida sem um sistema abrangente que proteja o direito à liberdade de opinião e expressão, e também outros direitos relativos, como o direito à privacidade.

Para que um sistema como esse seja possível, é necessário um ambiente político e jurídico no qual o trabalho e a independência de comunicadores sejam valorizados e respeitados, especialmente nos casos em que o trabalho desses profissionais critiquem interesses de pessoas poderosas, revelem fatos ilícitos, denunciem violações de direitos humanos ou expressem pontos de vista de minorias políticas da sociedade.

Liberdade a comunicadores detidos e reformas de leis restritivas

A nova resolução determina ainda que os Estados coloquem em liberdade, de maneira imediata e incondicional, todos os comunicadores que estejam detidos arbitrariamente.

Prisões e detenções arbitrárias são uma preocupação prioritária para a segurança de comunicadores. A Unesco estima que ao menos 221 casos desse tipo ocorreram pelo mundo apenas em 2014, sendo que 120 casos foram registrados na Somália pela ONU entre janeiro de 2014 e julho de 2016. Na Turquia, ao menos 88 comunicadores foram presos de forma arbitrária desde que novos poderes foram estabelecidos após a tentativa fracassada de golpe de Estado em junho de 2016, elevando o número estimado de comunicadores presos para 121, com a maioria deles presos sob a acusação de terrorismo. No Irã, ao menos 32 comunicadores estão na prisão.

A nova resolução adotada pelo CDH também apela aos Estados para revisar e, onde for necessário, reformar leis que impeçam que comunicadores realizem seus trabalhos de forma independente e sem interferências, garantindo especificamente que medidas de contra-terrorismo, de segurança nacional ou de manutenção da ordem pública cumpram com as leis internacionais e não sejam usadas de maneira arbitrária para deter ou prender comunicadores.

Há algum tempo, a Artigo 19 tem defendido no CDH que comunicadores não podem confiar sua segurança a autoridades que usem de leis restritivas para colocá-los na prisão. A resolução, assim, reconhece que para se garantir a segurança de comunicadores é necessário o desmantelamento dos aparatos legais de censura, o que implica na revogação de leis que preveem o crime de “insulto” e os “crimes contra a honra”. Alguns exemplos desse tipo de legislação são as normas que protegem de maneira excessiva autoridades públicas e que criminalizam o “extremismo”, a “disseminação de notícias falsas”, a blasfêmia e os atentados contra a ordem pública. Em muitos casos, essas leis são usadas de forma abusiva para se restringir a liberdade de expressão.

Segurança digital: criptografia, anonimato e proteção de fontes

A nova resolução também é bastante incisiva no aspecto relativo à segurança digital, deixando claro que a confiabilidade de ferramentas tecnológicas e a confidencialidade nas comunicações são um elemento-chave para que comunicadores e suas fontes de informação estejam seguros. O documento reconhece também que as ferramentas que possibilitam o anonimato e a criptografia são vitais para o trabalho de comunicadores, e conclama aos Estados que:

  • Não interfiram no uso de ferramentas digitais para o anonimato ou criptografia;
  • Protejam, em forma de lei e na prática, a confidenciabilidade das fontes de comunicadores; e
  • Assegurem que qualquer exceção para a proteção da confidencialidade das fontes de comunicadores seja limitada e claramente definida em marcos nacionais legais, e que essa exceção só possa ser aplicada mediante autorização judicial

Todos os novos elementos contidos na resolução que tratam da segurança digital de comunicadores, sobretudo aqueles sobre anonimato, criptografia e a proteção de fontes, advêm diretamente dos padrões estipulados pela Relatoria Especial para a Liberdade de Opinião e Expressão da ONU, que recentemente publicou relatório sobre o tema.

Segurança de mulheres comunicadoras

A nova resolução condena de maneira específica os ataques contra mulheres comunicadoras, incluindo todos os atos de discriminação e violência motivados por questões sexuais e de gênero, e reconhecendo que a intimidação e o assédio contra mulheres comunicadores ocorrem tanto on-line quanto off-line. Com isso, a resolução enfatiza a necessidade de uma abordagem de gênero em qualquer medida elaborada e implementada pelos Estados que visem a segurança de comunicadores.

O ponto reflete as preocupações sobre as crescentes ameaças à segurança de mulheres comunicadoras na internet já expostas pela representante para a Liberdade da Mídia na Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), Dunja Mijatović.

Eleições, protestos e fechamentos forçados de veículos de mídia

Assim como ações diplomáticas no passado, a resolução adotada pelo CDH apela aos Estados a darem atenção específica à segurança de comunicadores que cobrem protestos e eleições.

O relatório de 2012 da Relatoria para a Liberdade de Opinião e Expressão da ONU, endereçado ao CDH, tratou da liberdade da mídia no contexto de eleições, expressando preocupação com o fato de que ataques contra comunicadores aumentam durante esse período. Já a Relatoria para a Liberdade de Reunião Pacífica e a Relatoria para Execuções Sumárias, Arbitrárias e Extrajudiciais publicaram em março deste ano relatório que trazem recomendações no sentido de garantir a segurança de comunicadores que reportam sobre protestos.

A nova resolução também condena de forma inequívoca os ataques e os fechamentos forçados de escritórios de veículos de mídia e de comunicadores. Este ponto possui uma relevância particular no contexto digital, no qual o bloqueio a veículos de mídiaon-line pode isolar comunicadores de seu público.

Sejam aplicadas com base em decisões judiciais ou não, toda medida que incorre no fechamento de veículos de mídia on-line ou off-line é uma violação desproporcional do direito à liberdade de expressão à luz da lei internacional.

Próximos passos

A resolução adotada pelo CDH determina que o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACODH) prepare um relatório analisando a efetividade dos atuais mecanismos internacionais e regionais de prevenção, proteção, monitoramento e de recebimento de denúncias relacionados à segurança de comunicadores. O relatório deverá ser apresentado durante a 39ª sessão do Conselho de Direitos Humanos em setembro de 2018.

A cooperação consistente entre os mecanismos e as agências da ONU será essencial para garantir que os compromissos firmados no CDH sejam implementados e que os Estados que não os cumprirem sejam responsabilizados. A tarefa exigirá a aplicação dos chamados “procedimentos especiais” e da Revisão Periódica Universal, além da atuação da Unesco, da ACODH e de órgãos de tratado em conjunto com organismos regionais, dentro de um contexto de busca do cumprimento do Objetivo 16 da Agenda para o Desenvolvimento Sustentável de 2030.

O Dia Internacional pelo Fim da Impunidade de Crimes contra comunicadores, celebrado no dia 2 de novembro, é uma boa oportunidade para que Estados demonstrem vontade política e destinem recursos necessários para a garantia da segurança de comunicadores e o fim da impunidade nesses crimes. Nessa sentido, a nova resolução do CDH pode servir como uma boa base para o planejamento e execução de ações de Estados em nível nacional.

Fonte: Artigo 19

What's your reaction?
0Sorrindo0Lol0Ual0Amei0Triste0Bravo

Deixe um comentário

Acesse o banco de Práticas Alternativas

Conheça experiências reais que unem a justiça social, radicalização da democracia e harmonia com o meio ambiente

Encontre o Observatório nas redes sociais
Assine e acompanhe o Observatório da Sociedade Civil

    Realização

    Apoio

    Apoio

    Apoio

    Apoio

    Copyright © 2024. Todos os direitos reservados à Abong.