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Neste Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino, peço licença para compartilhar uma história palestina (e alviverde) no vilarejo de Bil’in, a 12 quilômetros de Ramallah

Por Pedro Bocca, na Rede Brasil Atual

No dia 29 de novembro de 1947 a Organização das Nações Unidas (ONU) firmou o Plano de Partilha da Palestina, dividindo o território, então colônia britânica, e abrindo caminho para a fundação do Estado de Israel, que se consolidaria no ano seguinte, condenando o povo palestino à ocupação ilegal de Israel em seu território, milhões de refugiados, e um incontável número de violações aos Direitos Humanos. Neste Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino, peço licença para compartilhar uma história que tem voltado à minha cabeça nos últimos dias.

Estive na Palestina por duas vezes. Na primeira delas, em 2011, visitei o vilarejo de Bil’in, um pequeno povoado a 12 quilômetros de Ramallah. A cidade é famosa pelos protestos contra a construção do chamado “Muro da Vergonha”, em que Israel separa fisicamente as terras palestinas, controlando a circulação de pessoas, mantimentos e recursos. Na cidade, há um centro cultural, com uma exposição de fotos e vídeos da luta deste povo contra a ocupação ilegal de suas terras.

Uma das fotos que vi me chamou a atenção. Tratava-se de um palestino, chamado Bassem Abu-Rahma, que havia sido assassinado pelo exército israelense durante uma manifestação pacífica em frente ao muro. Uma cena, lamentavelmente, um tanto quanto comum em terras palestinas. É difícil explicar, e tende a soar simplista, mas quando estamos longe de situações aterrorizantes como esta, sem a convivência diária com a morte e a guerra, pessoas como Bassem passam por nossas mentes como dados e não como vidas (segundo a ONU, desde 1947 mais de 100 mil palestinos foram assassinados pelo Estado de Israel, que também causou a migração forçada de mais de um milhão de pessoas, refugiados espalhados por todo o mundo).

Aquela foto, brutal, triste e revoltante, me provocou também um estranho sentimento de identificação: Bassem foi assassinado enquanto vestia uma camisa da Sociedade Esportiva Palmeiras. Estava eu, do outro lado do mundo, deparando com a cena de uma liderança comunitária palestina covardemente assassinada trajando a camisa do clube que amo e que é parte fundamental da minha própria construção enquanto indivíduo e meu papel na minha própria comunidade. As imagens deste triste acontecimento ganharam o mundo em 2012 quando fizeram parte do premiado documentário “Cinco Câmeras Quebradas”, indicado ao Oscar de melhor documentário daquele ano, que retrata a luta diária do povo local contra os abusos do exército ocupante e das milícias. Naquele dia prometi que regressaria à Palestina. E que não esqueceria do que vi em Bil’in.

Em 2013 regressei à Palestina. Novamente em Bil’in, desta vez para uma ocasião alegre, participei do Festival da Azeitona, uma festa tradicional que marca o início da colheita das olivas – principal elemento da economia palestina e importante símbolo cultural. O Festival, por se tratar de um evento de integração da comunidade, acaba também sendo o espaço para a homenagem aos mártires daquela luta, a memória dos que foram e a unidade dos que seguem em resistência. Para minha surpresa, no Festival de 2013, Bassem seria o homenageado. Naquela noite, fui chamado ao palco do festival, de onde pude entregar para as mãos da família do mártir “palmeirense” uma camisa do Verdão, a mesma que vesti na Arena Barueri na final e em toda a campanha da Copa do Brasil do ano anterior.

Ao descer do palco, fui cercado por muitas crianças, que tiravam fotos e gritavam o nome do Palmeiras. Uma delas, vestia uma camisa verde, familiar. Ao me aproximar, fui surpreendentemente abordado em português, pelo pai da criança. Emad Burnat, pai do pequeno palmeirense, justamente o diretor do filme “Cinco Câmeras Quebradas”, que mostrou o sofrimento da família de Bassem ao mundo.

Cartaz Palestina
Bassem Abu-Rahma foi assassinado em 2009

Casado com uma brasileira (nascida em uma comunidade de palestinos refugiados no Rio Grande do Sul, e torcedora do Internacional), Emad me mostrou animado as fotos de sua última viagem ao Brasil, na divulgação do documentário. Uma boa parte das imagens era dedicada à visita de Emad e seu filho Gibreel ao Pacaembu, onde acompanharam uma das partidas do Palmeiras em seu longo calvário de segunda divisão em 2013. Enquanto mentalmente ofendia os responsáveis pelo descenso, disse a ele que era uma pena que eles haviam conhecido o Palmeiras justamente neste momento. A resposta foi simples: “Pelo menos nós vimos o Palmeiras jogar”.

Emad me contou que foi ele quem deu a camisa do Palmeiras a Bassem. Ao acompanhar sua esposa ao Brasil e uma viagem anterior, a família trouxe camisas de diversos clubes para presentear os amigos – os palestinos são apaixonados por futebol, em especial o futebol brasileiro. Após a morte de Bassem, porém, os pedidos se tornaram únicos: “queremos uma do Palmeiras!”.

Hoje, enquanto a ferida ainda cicatriza, o vilarejo de Bil’in – agora mundialmente famoso graças ao trabalho de Emad – recebe turistas e ativistas de todo o mundo, que vem ali conhecer sua história de resistência. Não raro deparam com pessoas vestindo uma camisa verde e branca, de um certo clube brasileiro de raízes italianas. Há hoje uma vila palestrina na Palestina, onde o Palmeiras os ajuda a lembrarem de sua própria história e de seus heróis.

Em tempos de “futebol-mercado”, é importante lembrar que o outro lado da moeda ainda vive. Este outro lado, o do “futebol-vida”, ainda nos mostra que a paixão, a solidariedade e a união, se não movem montanhas, ao menos criam laços, histórias e nos ajudam a resistir aos mais terríveis inimigos. A dureza dos prélios enfrentados em campo pelo Palmeiras nem de longe se compara aos anos de opressão sofridos pelo povo palestino. Mas, talvez, em um tempo onde as notícias vindas do Brasil são tão trágicas à causa palestina, o décimo título brasileiro confirmado pelo Palmeiras no último domingo tenha levado a um pequeno povoado, do outro lado do mundo, um tiquinho de alegria, de lembrança, de esperança. É pouco. Mas até que a grande vitória desse povo chegue (e vai chegar!), qualquer sorriso conta.

(Foto: Reprodução)

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