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Panorama da Mídia Especial: matéria erra ao afirmar que governo tem poder de fechar ONGs

Análise sobre a matéria “Brasil fecha mais de 700 ONGs alvo de investigação em 2013”, publicada pelo portal IG no dia 3 de fevereiro

Uma reportagem publicada nesta segunda-feira (3) pelo portal iG traz informações incorretas a respeito das relações entre Organizações da Sociedade Civil (OSC) e o governo federal. Além disso, o uso de termos pejorativos a respeito das ONGs ajuda a perpetuar preconceitos contra o setor, prejudicando entidades essenciais para o fortalecimento da democracia no Brasil.

A matéria parte de uma premissa incorreta: o governo federal não tem o poder para “fechar” ONGs. As organizações são criadas pela organização coletiva da sociedade e protegidas pelo Artigo 5º da Constituição Federal de 1988, que garante o direito de livre associação e prevê que “as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado”. O fechamento de organizações nascidas da atuação livre de cidadãos brasileiros seria uma intervenção arbitrária do governo, incompatível com o Estado Democrático de Direito vigente no Brasil.

O Ministério da Justiça (MJ) não tem atribuição ou poderes para fechar uma ONG ou qualquer outra entidade associativa. Ele é, no entanto, responsável pela certificação das ONGs como entidades de Utilidade Pública Federal (UPF) ou Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Para ser certificada, uma organização precisa cumprir certos requisitos definidos em lei e solicitar o registro de seu nome ao MJ no Cadastro Nacional de Entidades (CNES). Não existe obrigação de uma entidade em se registrar. Antes, se a ONG cumpre os requisitos, é dever do MJ segundo a lei conferir a titulação.

As ONGs precisam atualizar seu cadastro anualmente, o que lhes permite a emissão de uma certidão de regularidade. Caso não cumpra esse requisito, a OSCIP não perde sua titulação: ela apenas não tem sua certidão renovada e, com isso, não consegue acessar recursos públicos e não proporcionam incentivo fiscal para empresas doadoras. A entidade pode perder seu título mediante processo administrativo, caso seja comprovada irregularidade.

A reportagem afirma também que o “aperto” contra as ONGs teria como objetivo “reduzir a participação das entidades na execução de serviços públicos”. O trecho revela desconhecimento sobre o funcionamento de editais e convênios, uma vez que são os próprios governos que solicitam os serviços das organizações. Se o governo quiser “reduzir a participação” basta não abrir edital. Da mesma forma, a titulação como OSCIP ou UPF não é necessária para a maioria dos processos estabelecidos pelos governos, que pedem que a entidade comprove a capacidade e experiência para o objetivo do edital.

Além de erros factuais, é possível perceber na matéria a escolha por expressões e termos que induzem no leitor uma visão negativa sobre as ONGs, sem nenhum fato que sustente essa visão. A matéria abre falando que o governo está “enfrentando o poder invisível” das ONGs, mas não traz nenhum fato ou exemplo que corrobore esse suposto poder ou explique porque ele deve ser combatido.

Em outro trecho, afirma que 580 mil ONGs “proliferam pelo país, beliscando recursos de estados e municípios”. Além de uma generalização que prejudica o conjunto das organizações, o uso de termos como “proliferam” e “beliscando” implica um juízo de valor negativo. O número de entidades, apresentado sem indicação da fonte, não encontra respaldo nas pesquisas mais reconhecidas sobre o tema. Segundo dados da pesquisa FASFIL 2010 (As Fundações Privadas e Associações Sem Fins Lucrativos no Brasil), resultado de parceria entre IBGE e Ipea, existem perto de 290 mil entidades sem fins lucrativos no país. Cabe lembrar ainda que a categorização utilizada pela FASFIL inclui outros tipos de entidades privadas sem fins lucrativos além das ONGs, como fundações de pesquisa e hospitais filantrópicos (clique aqui para acessar a íntegra da pesquisa).

O texto afirma, novamente sem citar a fonte da informação, que o conjunto das ONGs recebia em 2010 perto de R$ 14 bilhões de repasses federais. Mais uma vez, a informação contradiz estudos referenciais a respeito do tema: segundo pesquisa do IPEA, o governo federal celebrou convênios da ordem de R$ 2,92 bilhões com entidades sem fins lucrativos em 2010. Um panorama abrangente dos modelos de financiamento das ONGs brasileiras pode ser encontrado na reportagem especial O Dinheiro das ONGs, lançada pelo Observatório da Sociedade Civil (clique aqui para acessar o PDF).

ONGs estrangeiras e ambientalistas receberam grande atenção do texto, sempre com um viés crítico. O texto cita “sucessivas denúncias de corrupção e ingerência” de ONGs internacionais em regiões como a Amazônia. Em outro momento, afirma haver “fartura” de denúncias.

No entanto, nenhum caso concreto é citado e a referência mais específica sobre tais acusações fala em “supostas aquisições de terra, intromissão em questões indígenas na Amazônia e na prestação de serviços relacionados ao meio ambiente”, temas que foram debatidos em uma Comissão Parlamentar de Inquérito sem levar a condenações ou instauração de inquérito policial. Além disso, a visão desconsidera a capacidade de autonomia e organização política das próprias comunidades locais e indígenas da Amazônia (leia artigo a respeito do tema).

Principal palco de debates da sociedade, a imprensa é fundamental para o fortalecimento da democracia. Até por isso, da mesma forma que vigia outros atores sociais, precisa estar sempre no foco dos diversos segmentos da sociedade. A intenção do Observatório da Sociedade Civil nesta análise é contribuir para o esclarecimento da população, com o objetivo último de promover um ambiente favorável para a atuação das Organizações da Sociedade Civil no país. Acreditamos que o fortalecimento do direito de livre associação e participação política dos cidadãos é tão importante para a construção da democracia brasileira quanto a garantia da liberdade de imprensa.

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