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‘Estamos vendo um distanciamento muito grande nos três últimos anos do governo em relação a sociedade civil organizada’, diz a assistente Márcia Moussallem

Por Paula Bonfatti, analista de Comunicação e Marketing da Viração(*)

A sociedade civil organizada vem respondendo de diferentes maneiras aos retrocessos no campo dos direitos sociais que acometeu o Brasil nos últimos anos. Articulações em rede, cooperações e novas formas de mobilização social e de recursos surgem, enquanto o papel do estado no fortalecimento do terceiro setor passa a ser secundário e muitas vezes antagonista.

Confira a entrevista sobre o atual cenário político e econômico brasileiro e seus impactos no terceiro setor com Márcia Moussallem, socióloga, assistente social, mestre e doutora em serviço social, políticas sociais e movimentos sociais pela PUC-SP.

1- Na sua avaliação, qual é o papel do governo para com a sociedade civil organizada? Como isso tem se dado no Brasil?

Primeiro, temos que pensar que a sociedade civil organizada é um todo. São as associações, fundações, movimentos populares, coletivos […]. O papel do governo com relação a essa sociedade civil organizada deveria ser de compartilhamento, deveria ser de parceria, deveria ser como atores em conjunto que lutam por direitos, por uma sociedade mais justa. Porém, o que estamos vendo é que é esse governo, o estado de um modo geral, perante a sociedade civil organizada, não é nada disso. Pelo contrário, é corte de verba nos projetos sociais, como temos visto aqui em São Paulo, uma repressão contra os movimentos sociais muito grande… Ou seja, estamos vendo um distanciamento muito grande nos três últimos anos do governo em relação a sociedade civil organizada. [O governo] é um ator esquecido, um ator que vem tolindo os projetos, as ações e o campo de luta da sociedade civil organizada. Então, infelizmente, vemos um retrocesso com relação a essa visão mais compartilhada do governo, o estado de uma forma geral, com a sociedade civil. O que é lamentável, porque cada um tem o seu papel. A sociedade civil organizada é a sociedade civil no ponto de vista da cidadania ativa, um estado presente no campo das políticas públicas é um estado próximo da sociedade civil. Então, ver a demanda da sociedade civil, ver a demanda das associações, ver a demanda dos movimentos populares, que é o campo dos direitos e a defesa da cidadania […] é um papel do governo que infelizmente ofuscou, foi esquecido nesses últimos 3, 4 anos, pós golpe contra a presidenta Dilma, o que é lamentável.

2- De que forma a crise econômica e política no Brasil impacta as organizações da sociedade civil?

Impacta negativamente, tanto do ponto de vista econômico, como político. A gente vive uma crise econômica sem precedentes e isso afeta a gestão das organizações, a questão salarial dos funcionários, da captação de recursos, […], do desemprego, as organização estão demitindo pois não estão dando conta… A questão da sustentabilidade enfraquece muito. E a crise política obviamente é a perda dos direitos, esses projetos conservadores no Congresso Nacional e mais as medidas do governo Temer afetam diretamente. Porque as organizações do terceiro setor trabalham na defesa dos direitos da criança, do adolescente, do meio ambiente, dos indígenas, das mulheres, dos negros, e obviamente as pautas conservadoras afetam as organizações porque até então o estado é um parceiro do terceiro setor, dessas organizações […]. [A crise política e econômica] Só não têm impacto nas organizações que ainda promovem a filantropia e o assistencialismo. Essas organizações que fazem assistencialismo não têm compromisso nenhum no campo da defesa de direitos, porém nas organizações comprometidas, […] isso tem um efeito muito grande. Porque o terceiro setor faz parte da sociedade civil e a sociedade civil é atingida diretamente pelas as questões econômicas e políticas, que vão desde os arrochos, a questão do desemprego, até as pautas conservadoras que incluem diferentes indivíduos. Isso afeta obviamente as ações e programas do terceiro setor.

3- Como você avalia o papel da sociedade civil organizada na luta por um país democrático e contra a perda de direitos?

A gente vê um movimento de organizações frente a toda essa conjuntura de retrocesso social, político, enfim, em todos os campos, a gente vê uma parte dessas organizações reagindo, lutando, formando grupos de trabalho, fóruns de discussão. Por exemplo, um dos projetos que voltou a tona agora é a redução da maioridade penal, então têm fóruns de organizações que trabalham com crianças e adolescentes se articulando e pressionando o governo contra essas pautas. Não somente isso, mas organizações também no campo dos direitos indígenas, dos direitos quilombolas e direitos das mulheres. Então o papel da sociedade civil hoje, e sempre deveria e deve ser, é de articulação, de pressão, intervenção nesse campo. O terceiro setor tem que sair ou um pouco do seu umbigo, das suas micro realidades, micro organizações, as questões somente da gestão, da sustentabilidade, e ir pro campo da luta, porque isso afeta diretamente todas as suas ações. E o papel [do terceiro setor] tem que ser um papel ativista, um papel de articular, de pressionar melhorias, projetos, em prol da sociedade civil. Porém, nem todas as organizações pensam e atuam dessa forma, porque muitas acham que isso é papel dos movimentos sociais, dos movimentos populares e dos coletivos. Elas acham que elas têm que cuidar da gestão e de seus projetos, na verdade não são seus projetos, são projetos da sociedade civil. O terceiro setor é um ator dentro desse campo e no campo da luta por direitos e por um país mais democrático, a sociedade civil organizada tem um papel fundamental, ainda mais em tempos de perda de direitos. A sociedade civil tem sim que articular, sair de dentro da sua casinha e pressionar, como algumas estão fazendo.

4- Hoje, muitas organizações enfrentam desafios para captar recursos. Isso pode ser também reflexo do momento político e econômico que estamos vivendo? O que isso representa?

Piorou muito a captação de recursos frente a crise econômica e política do país […], a conjuntura afeta a todos inclusive a sustentabilidade dessas organizações. Porém, esse não é um fato novo… a captação de recursos sempre foi um problemas pras organizações de uma forma geral no Brasil. Pela ausência de capacitação, de formação e muito amadorismo nesse campo da captação ou mobilização de recursos. Amadorismo no sentido de não saber como captar, ou depender somente de uma fonte, por exemplo o estado. Muitas organizações dependem 100% do estado, imagine na atual conjuntura de afastamento do estado nas questões sociais e da perda de direitos, o que acontece com essas organizações? Elas estão fechando. Então captação de recursos significa uma intervenção mais sistemática, mais profissional. Organizar uma área de captação de recursos, diversificas as fontes, parceiros, metodologias, campanhas. Então eu diria que esse sempre foi um desafio. As organizações investirem de forma séria numa captação de recursos mais profissional e não amadora […]. Isso sempre foi um desafio, como pensar a captação e a sustentabilidade a médio e longo prazo, não a curto prazo. […] Muitas organizações não se prepararam pra essa crise econômica, principalmente as organizações de pequeno e médio porte […]. Agora é a hora das organizações fazerem uma auto crítica, uma auto reflexão, que não é porque é terceiro setor que não devemos ser mais profissionais; adotar uma sistematização séria e profissional no campo de captação de recursos não quer dizer que vai virar empresa privada ou que vai acabar com a missão, destruir a causa, pelo contrário, é fortalecer, se preparar, ter uma gestão mais profissional, mais sustentável, e em tempos de crise obviamente ter um preparo maior para poder levar as atividades e projetos adiante […].

(*) A Viração é integrante da Cardume – Comunicação em Defesa de Direitos, rede que reúne organizações e movimentos da sociedade civil para ações articuladas de comunicação que potencializem a promoção e defesa de direitos e bens comuns.

(Foto: ASA Brasil)
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