Por: Felipe Betim / Via: El País Brasil
Entidades e ativistas buscam contato com os EUA com a mensagem de que presidente não é confiável nem mudará atitude com relação à Amazônia. “Precisamos preparar o país para a retomada agenda ambiental no pós-Bolsonaro”, diz Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
Ambientalistas, lideranças indígenas e entidades que atuam na defesa da Amazônia abriram uma ofensiva contra o presidente Jair Bolsonaro nas últimas semanas. De olho na Cúpula do Clima promovida pelos EUA, que reunirá nesta quarta e quinta-feira 40 países, entre eles o Brasil, a sociedade se mobiliza para convencer a comunidade internacional, em especial a Casa Branca de Joe Biden, de que o Governo brasileiro não é confiável na hora de negociar um plano de redução do desmatamento da Amazônia. Bolsonaro entra pela porta dos fundos da cúpula, isolado politicamente dentro e fora do país. Com a volta dos EUA nas negociações do clima e o anúncio de metas ambiciosas para reduzir pela metade a emissão de gases causadores do efeito estufa até 2030, o Brasil chega ao debate como uma espécie de pária do meio ambiente.
Mas, com a inédita atenção mundial que a degradação da Amazônia vem recebendo, entidades também acreditam que existe um “espaço com grande potencial” para uma relação com outros atores, e não somente o Governo federal, explica Virgilio Viana, superintendente geral da Fundação Amazônia Sustentável. “Há grandes fundações privadas norte-americanas, há o engajamento do setor empresarial, os governadores… Podem acontecer outras coisas em muitas outras esferas de relacionamento”, afirma Viana. Para ele, a cúpula desta semana ganha especial importância porque nunca a Amazônia teve um peso tão relevante nas relações entre Brasil e EUA. Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede de 60 organizações da sociedade civil, segue na mesma direção: “O Governo norte-americano pode combater o desmatamento através de suas agências de fomento, a partir de projetos com governadores, comunidades indígenas e universidades. Ele pode abraçar projetos sem colocar dinheiro nas mãos do Governo federal”.
A mais recente mobilização dos ambientalistas começou como uma reação à notícia de que Biden negociava a portas fechadas um acordo com Bolsonaro para a redução do desmatamento da Amazônia, conforme se aproximava a Cúpula do Clima. Na última semana, o presidente brasileiro enviou a Biden uma carta com a promessa de zerar o desmatamento ilegal até 2030. Para isso, destacou a necessidade de “recursos vultuosos e políticas públicas abrangentes”. O ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, vem enfatizando a necessidade ao menos 1 bilhão de dólares (5,6 bilhões de reais) por um período de 12 meses para que o país se comprometa com a redução de até 40% do desmatamento. A resposta da sociedade civil veio através de cartas e manifestos ao Governo norte-americano e reuniões de entidades e outras autoridades brasileiras com embaixadores. Em suma, buscam passar a mensagem de que Bolsonaro não é confiável e é preciso reduzir ao máximo os danos ao meio ambiente enquanto ele permanece na Presidência.
“Temos um Governo que nos últimos 28 meses promove todos os dias atos de destruição ambiental. Não vai ser uma carta ao Biden e três minutos de discurso que vai desfazer esse legado”, argumenta Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede de 60 organizações de defesa do meio ambiente. “O que precisamos fazer é preparar o país para a retomada da agenda ambiental no pós-Bolsonaro”, acrescenta. Para que isso aconteça, é preciso, em primeiro lugar, desfazer os decretos de Bolsonaro que favorecem o desmatamento da Amazônia. “Isso para voltar ao que tínhamos em 2018, para depois pensarmos numa agenda positiva”.
A percepção geral é a de que o Brasil será coadjuvante na Cúpula do Clima, correndo o risco de ficar isolado. “O país deve ficar no canto da sala vendo os adultos conversarem no palco principal. O Governo Bolsonaro é um exemplo do que não se pode fazer no meio ambiente, ele não vai entregar uma solução”, explica Astrini. O pano de fundo é o importante aumento do desmatamento e dos incêndios florestais em 2019 e 2020. A maior floresta tropical do mundo também registrou em 2021 o pior mês de março dos últimos 10 anos, segundo um levantamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
“Mais de 90% desse desmatamento é ilegal, não tem nada a ver com a produção agrícola. Então, zerar o desmatamento significa combater crime organizado no mercado da terra”, explica o cientista Carlos Nobre. Nesta terça-feira, servidores do Ibama divulgaram uma carta endereçada ao presidente do órgão, Eduardo Bim, ressaltando que suas ações de fiscalização estão paralisadas após Salles alterar as regras para multas ambientais, que agora só podem ser aplicadas após passarem pela análise de um supervisor —o que “inviabiliza” o combate ao desmatamento na Amazônia.
De acordo com André Guimarães, diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), os números do desmatamento refletem essa negligência do Governo com relação ao tema. “A cúpula é uma grande notícia para o planeta, mas o Brasil não está preparado para essa discussão. Estamos entrando pela porta dos fundos”, afirma. “Vamos mais uma vez perder a oportunidade de estar dentro do debate, com propostas concretas, e liderando essa discussão, como ocorreu em anos passados”.
No início das negociações entre Bolsonaro e Biden, mais de 200 organizações escreveram uma carta ao presidente norte-americano cobrando transparência. “Não é razoável esperar que as soluções para a Amazônia e seus povos venham de negociações feitas a portas fechadas com seu pior inimigo”, afirma um trecho da carta. Na última semana, o cacique Raoni Metuktire, líder do povo Kayapó e uma das maiores lideranças indígenas do pais, fez uma importante fala endereçada a Biden. “Sempre lutei pela floresta e os presidentes anteriores me ouviram. Espero que me escute também. Somente este presidente está contra mim. Se esse presidente ruim falar algo pro senhor, ignore-o e diga: Raoni já falou comigo”, afirmou. Na segunda-feira passada, o embaixador norte-americano no Brasil, Todd Chapman, se reuniu com integrantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que também havia solicitado a abertura de um canal direto com os EUA, a pedido de Biden. A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns (Comissão Arns) também divulgou um manifesto no último 16 de abril alertando sobre os retrocessos alimentados pelo Governo Bolsonaro.
Paralelamente, governadores de 23 Estados enviaram uma carta a Biden na qual se colocam como atores capazes de contribuir com a solução para o desmatamento da Amazônia caso tenham acesso aos recursos necessários. “Nossos Estados possuem fundos e mecanismos criados especialmente para responder à emergência climática, disponíveis para aplicação segura e transparente de recursos internacionais, garantindo resultados rápidos e verificáveis”, afirmou o documento. Parlamentares de oposição também se uniram à pressão contra Bolsonaro e assinaram uma carta, junto com mais de 60 organizações da sociedade civil, em defesa da Amazônia e contra a negociação com Bolsonaro a portas fechadas. Alguns deles participaram nesta segunda-feira, 19 de abril, de uma reunião com os embaixadores dos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Noruega e da União Europeia.
Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal (STF) lançou no último dia 10 de abril o Observatório do Meio Ambiente do Poder Judiciário, um fórum interdisciplinar para promover o diálogo entre o Judiciário e a sociedade civil. “Precisamos tratar com urgência da Amazônia. O Brasil pode prestar um grande serviço à humanidade e a si próprio propondo um novo modelo de desenvolvimento que se baseie na bioeconomia da floresta e na geração de produtos de alto valor agregado, com base em sua enorme biodiversidade”, afirmou o ministro Luís Roberto Barroso, relator de processos ligados às questões indígena, climática e ambiental, em entrevista ao jornal O Globo.
Bolsonaro busca desde o início de seu mandato enfraquecer o Ibama e retirar sua independência no combate ao desmatamento. Em seu lugar, o Governo pretende fortalecer uma força nacional de segurança ambiental subordinada ao Ministério do Meio Ambiente. “Esse foi um dos pontos de negociação com os EUA. Bolsonaro quer uma espécie de milícia oficial para substituir o Ibama e que dirija quais operações vão acontecer, como quando, contra quem e de que maneira”, explica.
Virgilio Viana, da Fundação Amazônia Sustentável, afirma que “o buraco é mais embaixo” quando o assunto é zerar o desmatamento na Amazônia e vê como improvável uma “metamorfose” do Governo Bolsonaro. Isso implicaria, segundo afirma, “em uma ruptura com a base do bolsonarismo, formada pelo agronegócio ligado à grilagem e à extração ilegal de madeira”. Os especialistas não descartam a implementação de sanções econômicas ao Brasil. “O cenário já está desenhado. A gente vem recebendo críticas, ameaças de boicote e desinvestimento. Não é algo que vai começar com a cúpula, isso já vem acontecendo. Com o realinhamento das nações mais emissoras para atingirem metas, vamos ficar excluídos do debate e as críticas ao Brasil tendem a aumentar nos próximos anos”, explica Guimarães, do IPAM.