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Por Mauri Cruz

A entrada em vigor, no próximo dia 27 de julho de 2015, da Lei Federal 13.019/2014 que regulamenta a transferência voluntária de recursos públicos as organizações da sociedade civil tem causado grande alvoroço, dúvidas e até uma certa ansiedade nas próprias organizações sociais e nos gestores públicos, em especial, das pequenas e médias cidades.

É até natural algum grau de confusão visto que a nova lei está regulamentando uma prática secular brasileira e por isso, já incorporada aos costumes dos atores públicos e sociais. Apesar disto, é importante que se diga que, apesar desta prática ter nascido junto com o Brasil em meados de 1500, até os dias de hoje não havia um ordenamento jurídico próprio permitindo as mais variadas formas, dinâmicas e, principalmente, interpretações.

Neste sentido, a entrada em vigor da Lei 13019/2014 precisa ser encarada como um novo marco nas relações entre o estado brasileiro e as organizações da sociedade civil organizada. Um marco fundamental e, de certa forma, tardio, visto que, desde a década de 1990, com o enxugamento do aparelho do estado, muitas funções públicas foram delegadas as OSCs, sem contudo, seguida da preocupação de garantir-lhes viabilidade econômica para estas atividades e segurança jurídica para seus gestores.

Para a Abong, que participou como protagonista através da Plataforma de Organizações Sociais pelo Marco Regulatório, é fundamental reconhecer que a aprovação pelo Congresso Nacional e a sanção desta lei é uma vitória da sociedade civil brasileira que, se cumpridas as normas e procedimentos determinados na nova ordem jurídica, deixarão de estar à mercê dos governos e seus interesses imediatos. A Lei 13019/2014 era uma peça essencial que faltava par consolidar a democracia brasileira através do fortalecimento das organizações sociais de forma permanente e duradoura.

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Feito este reconhecimento, urge enfrentar o desafio de sua implementação e da interpretação, quiçá uniforme, dos seus dispositivos. Visando atender a vários pedidos de prefeitos, secretários municipais e de dirigentes de organizações da sociedade civil é que resolvi produzir este documento com alguns comentários referentes a aplicação e regulamentação da Lei 13.019/2014 como segue.

A primeira questão que surge é sobre a abrangência da lei. Não há dúvida de que é uma norma nacional (art. 1o) que deve ser seguida por todos os órgãos públicos da união, estados e municípios no que tange a repasse voluntários de recursos públicos e inicia a sua vigência a partir do dia 27 de julho de 2015, data a partir da qual não será mais possível a celebração dos antigos convênios entre órgãos públicos e organizações da sociedade civil;

Outra preocupação diz respeito a transição em relação aos atuais convênios. O artigo 83 determina que os atuais convênios seguem vigentes e tendo como base legal a legislação anterior até o término de seu prazo, permitida, portanto, a prorrogação dos mesmos se prevista no próprio termo. O mesmo artigo permite, também, que sejam aproveitados os novos mecanismos para sua execução dos antigos convênios, desde que em benefício dos objetivos da parceria. Já o parágrafo primeiro deste artigo veda a continuidade dos atuais convênios caso tenha ocorrido a sua prorrogação posteriormente ao dia 27 de janeiro de 2014.

Mas, afinal o que muda com a nova lei? A nova norma estabelece novos procedimentos para a contratualização entre o poder público e as organizações da sociedade civil nas parcerias para realização de políticas públicas e sociais. As principais mudanças são a forma de escolha das entidades que antes, era de livre indicação do gestor público e passa a ser, obrigatoriamente, por chamamento público. Outra mudança importante é quanto ao objetivo da parceria que tem como foco a atividade-fim do projeto e não o simples cumprimento de medidas administrativas e burocráticas. Neste sentido, a nova norma ampliou de forma explícita quais despesas podem ser objeto da parceria, em especial, as despesas com recursos humanos, encargos sociais e até mesmo as despesas indiretas, que antes não aceitas pela natureza dos convênios. Os processos de prestação de contas também foram simplificado e agora a Administração Municipal tem prazo para conclui-lo.

E quem poderá ter acesso a estes recursos? A nova lei amplia a possibilidade de participação para toda a Organização da Sociedade Civil, independente de titulação, que tenha comprovação de funcionamento a mais de 03 (três) anos, não tenha nenhum diretor com vínculo com governos ou partidos políticos ou condenado por improbidade administrativa. Também é vedada a participação de organizações como clubes esportivos, associações de profissionais e partidos políticos. Há uma preocupação de que grandes organizações possam vir ocupar os espaços de entidades locais. Ora, o Chamamento Público não é uma modalidade de concorrência ou disputa entre projetos ou entidades e sim uma seleção pública das melhores proposta de execução das políticas sociais visando seu resultado final. Havendo mais de uma organização social apta e com igual capacidade de execução deve-se buscar a realização das ações na modalidade de redes prevista na própria lei (art. 25) fortalecendo os laços e fomentando as parcerias entre as organizações. Visando evitar o surgimento de organizações estranhas as comunidades a lei prioriza a atuação em redes e o próprio edital de chamamento público pode dar peso nos critérios de seleção aquelas organizações de comprovem vínculo com as comunidades e conhecimento da realidade local;

Uma grande preocupação tem disso trazida à tona, por parte das organizações participantes dos sistemas únicos de políticas sociais. É importante que se diga que a Lei 13.019/2014 não alterou nem revogou as competências dos sistemas públicos de educação, saúde, assistência social ou de proteção a criança e adolescente. Os conselhos setoriais, suas competências e todos os critérios e mecanismos existentes em lei permanecem válidos. O papel deliberativo dos Conselhos de Educação, Conselho de Saúde, Conselho de Assistência Social e Conselho da Criança e Adolescente continuam válidos, isto significa que as políticas de cada área continuará sendo coordenada e operacionalizada por estes órgãos colegiados. O que muda é a forma de escolha das OSCs parceiras na execução destas políticas. Recomenda-se, inclusive, que a montagem das Comissões de Seleção e das Comissões de Avaliação e Monitoramento sejam realizadas em parceria com os próprios Conselhos das áreas fins.

Como já dito anteriormente, a nova lei é uma conquista da sociedade civil organizada porque parte da premissa do reconhecimento, por parte do estado brasileiro, do importante papel que este segmento cumpre na execução de políticas sociais, na defesa de direitos e na consolidação da democracia. Este reconhecimento se dá na incorporação de mecanismos que visam o fortalecimento das OSCs, em especial, no que diz respeito aos critérios de aplicação dos recursos, sendo possível a utilização dos recursos públicos para a remuneração da equipe do projeto, inclusive da própria organização incluídas aí todas as despesas e encargos trabalhistas (Inciso I, Art. 46), diárias, multas e encargos devido a retardo no repasse de recursos provocados pela Administração Pública (Inciso III, Art. 46), custos indiretos limitados a 15% do valor total do projeto (art. 47) e a facilitação da adequação dos plano de trabalho sem burocracia em percentuais não superior a 25% (art. 56). Para quem opera o dia-a-dia das parcerias com as organizações públicas sabe a importância destas mudanças.

Esta é uma primeira abordagem sobre o tema. De hoje até o dia 27 de julho de 2015 quando entra em vigor as normas da nova lei, certamente ainda haverá muito debate, textos, pareceres e opiniões. A AbongRS, em parceria com o Tribunal de Contas do Estado (TCE), a Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos e a FAMURS prepara um seminário para apoiar os municípios e as OSCs neste importante processo de adequação à nova lei. Sigamos neste debate visando sempre, o fortalecimento e a autonomia da sociedade civil organizada.

Mauri Cruz é advogado socioambiental, especialista em direitos humanos, professor de pós graduação em direito à cidade e Mobilidade urbana, diretor regional da AbongRS. 

Fonte: Sul 21

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