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Da democracia enquanto governo do povo

Por Ivo Lesbaupin*

O recente decreto assinado pela presidente Dilma, que cria a Política Nacional de Participação Social, tem sido bombardeado por alguns meios de comunicação e por alguns líderes políticos. Segundo editorial do Estadão publicado no dia 29 de maio, ele constitui “um conjunto de barbaridades jurídicas” que permitiria a participação direta da sociedade. A participação só poderia se dar através dos representantes eleitos, pelo Congresso, instituir outra forma de participar iria contra a regra democrática. Segundo o líder do DEM na Câmara, deputado Mendonça Filho (PE), o decreto “cria um poder paralelo” ao parlamento.

Tais afirmações parecem desconhecer o significado da palavra “democracia”, que quer dizer “governo do povo”. Aliás, a nossa Constituição Federal é clara quando estabelece, em seu artigo 1º, parágrafo único: “Todo poder emana do povo, que o exerce indiretamente, por representantes eleitos , ou diretamente, nos termos desta Constituição”. A democracia representativa é uma forma de exercício da democracia, não a única; e, mesmo assim, o poder dos parlamentares não lhes é próprio, ele emana do povo. O poder pertence, em primeiro lugar, ao povo.

Democracia significa “soberania popular”. O fato de que, nos últimos séculos, ela se exerça através de representantes tem a ver com o tamanho de nossas sociedades, que não permite reunir o povo todo na praça, para tomar decisões, como na Grécia antiga. Isto não quer dizer que, para termos uma verdadeira democracia, possamos dispensar a consulta direta. Mormente hoje em dia, em que as novas tecnologias permitem este tipo de acesso a todos os cidadãos. Na Suíça, os cidadãos são frequentemente consultados pela internet. No Uruguai, são usuais os plebiscitos. Na Islândia, a nova constituição foi elaborada com a participação direta dos cidadãos.

No Brasil, uma das leis mais populares foi uma “iniciativa popular”: a Lei da “Ficha Limpa”. Não foram os parlamentares que deram o passo inicial, foram os cidadãos. E se sabe que, se dependesse de muitos de nossos representantes, jamais esta lei seria aprovada. A maioria deles a aprovou sob pressão da sociedade.

A Constituição de 1988, tão citada nas críticas ao decreto, foi chamada de “Constituição Cidadã”, entre outras razões, porque institucionalizou instrumentos de democracia direta: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular” (art. 14). E porque introduziu instrumentos de democracia participativa: na área da saúde, art. 198, III; na área da seguridade social, art. 194, VII; na área da política agrícola, art. 187, caput; na área da assistência social, art. 204, II; na administração do ensino, art. 206, VI; na fiscalização financeira municipal, art. 31, &3º.

O poder, portanto, segundo a nossa Constituição, não se exerce apenas através dos representantes eleitos, mesmo que reconheçamos e reafirmemos a importância da democracia representativa. É preciso lembrar que é justamente a “representação” que hoje em dia está em crise, em quase todo o mundo: é ela que foi (e continua sendo) questionada pelos “indignados” da Espanha, pelas manifestações populares quase diárias na Grécia, pelos protestos de junho de 2013 no Brasil. Em razão da pressão dos grandes grupos econômicos, a maioria dos representantes eleitos se descolou de seus eleitores – os cidadãos – e age como se tivesse poder próprio. Daí que a maior parte dos membros de muitos parlamentos se encontrem deslegitimados, porque votam contra os interesses da maioria dos cidadãos. Os partidos políticos estão em crise, porque representam, em sua maioria, os interesses de seus financiadores (bancos, empresas) e não os dos cidadãos.

É preciso dizer que o modo como se está exercendo a democracia participativa entre nós também está em questão. Temos inúmeras conferências, temos inúmeros conselhos, temos muita participação, mas qual a influência desta participação nas decisões políticas? O que explica, por exemplo, que, apesar de toda esta participação, não tenhamos até hoje a Reforma Agrária – a reivindicação mais antiga e mais atual de todos os movimentos sociais organizados? Queremos participação, sim, mas participação com influência nas decisões.

Por isso é tão premente a necessidade de uma Reforma do Sistema Político em nosso país, para que o poder deixe de ser determinado pelo peso do poder econômico e possa representar os interesses da maioria dos cidadãos. Isto implica acabar com o financiamento empresarial privado e estabelecer o financiamento público das campanhas eleitorais e dos partidos políticos. Precisamos desta reforma para que decisões importantes – como medidas com forte impacto social e ambiental, privatização de empresas estatais ou serviços públicos – sejam tomadas diretamente pelo povo, através de plebiscito ou referendo, e não pelo Executivo ou pelo Legislativo.

*Ivo Lesbaupin é diretor-executivo da Abong e diretor do Iser Assessoria

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