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Dezenas de mulheres recebem a seleção brasileira de futebol feminino na manhã desta terça-feira no aeroporto de Guarulhos (SP) após participação da Copa do Mundo na França; para torcedoras, modalidade também é uma das lutas do feminismo

Por Paloma Vasconcelos, da Ponte Jornalismo

Demorou 28 anos, desde a primeira edição da Copa do Mundo de Futebol Feminino até agora, para que o futebol feminino chegasse aos canais abertos. A edição 2019 do Mundial, sediado na França, não trouxe o título à seleção brasileira de futebol feminino, mas com certeza mudou os rumos de muitas mulheres que há quase três décadas pedem a mesma coisa: apoio.

Apesar de terem sido eliminadas pelas donas da casa nas oitavas de final do torneio, em um jogo que durou 4 tempos (dois normais e dois da prorrogação), no último domingo (23/6), em que a França ganhou do Brasil pelo placar de 2×1, as brasileiras foram recebidas com amor e carinho. Cerca de 50 pessoas, em sua grande maioria mulheres, as receberam em São Paulo.

A Ponte acompanhou o grupo desde a concentração, nas catracas do Metrô República, no centro da capital paulista, por volta das 22h30 da segunda-feira (24/6). Dois ônibus cedidos por uma agência de publicidade as levou até o Aeroporto de Guarulhos, na Grande São Paulo. Lá, confeccionaram dos cartazes na porta do embarque e, no meio da madrugada, as torcedoras e jogadoras trocaram abraços. Ao todo, as mulheres aguentaram mais de 9h até encontrarem as atletas. A saída do aeroporto, na manhã da terça-feira (25/6), só aconteceu depois que a última jogadora, a goleira Bárbara, desembarcou e se jogou nos braços da torcida.

Entre as dezenas de torcedoras estava Rafaela Lemos, 22 anos. Talvez nenhuma outra mulher sentada no chão do aeroporto entendia por completo a vida das jogadoras da seleção brasileira. Mas Rafaela, sim. Assim como as grandes estrelas do Brasil no futebol feminino, como Marta, Cristiane, Formiga, Andressa Alves e tantas outras, Rafaela teve que lidar desde cedo com muitos obstáculos para seguir o seu sonho de ser jogadora de futebol.

Atleta do PS9, time da Casa Verde, um dos bairros periféricos da zona norte de São Paulo, Rafaela precisou derrotar muitos adversários para usar a camiseta 8 dentro do estádio do Pacaembu, entre o centro e a zona oeste da cidade, e erguer a taça de campeã da Taça das Favelas. Machismo, falta de apoio, desconfiança. Esses são só alguns deles.

“A gente não tem incentivo, apoio. Esse incentivo é ter alguém para patrocinar, dar o material que a gente precisa, porque essa é a dificuldade que a gente encontra”, conta Rafaela à Ponte, confessando que até para o transporte público as atletas precisam correr atrás para continuar jogando.

Rafaela Lemos durante um dos jogos da Taça das Favelas, competição em que conquistou o título pelo PS9, time da Casa Verde | Foto: arquivo pessoal

Nascida em Fortaleza, Ceará, a jovem volante chegou em São Paulo aos 6 anos de idade, mesma época em que começou a jogar futebol na rua. Aos 10 anos, passou a frequentar uma escola de futebol. Mas era a única menina do local. “Mesmo assim eu insisti. Os meninos vinham na dividida no corpo e, como eu não tinha esse preparo, eu perdia. Mas aí fui treinando e treinando. Hoje em dia se eu jogar com um menino eu ganho na dividida do corpo, porque eu aprendi isso”, conta Rafaela.

Ver a seleção brasileira pela primeira vez com visibilidade midiática e mais atenção do público, para Rafaela, é gratificante. “A gente não tem essa visibilidade no futebol feminino. Acompanhar as meninas, ver que muitas delas jogaram com lesão, mostra que é tudo no sacrifício. A realidade do futebol feminino é sacrifício. Ou a gente joga com dor ou a gente não joga. A gente precisa ser reconhecida. Se eu estou treinando para isso, eu tenho que estar um dia no lugar delas. Foi um incentivo para chegar mais longe e lutar por isso”, crava Rafaela.

A visibilidade, aliás, foi unânime. Para a publicitária Dandara Arruda, 29 anos, que chegou em São Paulo vinda de Curitiba na manhã da segunda-feira e, mesmo assim, topou acompanhar o grupo de meninas para receber a seleção.

“É muito importante esse momento, recepcionar elas, principalmente depois desse resultado. É importante mostrar que outras mulheres estão resistindo aqui junto delas. A visibilidade que essa Copa teve é muito importante não só para as meninas, para quem estava fora também”, diz. “As mulheres estão cada vez mais se impondo e lutando pelo seu espaço, na mídia, em casa, na sociedade. Fomos caladas por muito tempo, agora é hora da gente falar e rebater aquilo que a gente não quer mais. Elas em campo mostraram e trouxeram muito mais força para a gente”, defende Dandara.

A ideia de receber a seleção partiu do esforço de três mulheres: Andreza, Raquel e Aline. Em entrevista à Ponte, a produtora cultural Andreza Delgado explicou como conseguiu reunir tantas mulheres para passar a madrugada no portão de desembarque aguardando a seleção. “No dia do jogo [domingo], fiz um tweet falando para galera descobrir em qual cidade elas desembarcariam, depois de ver a recepção que as argentinas tiveram. De madrugada alguém falou que seria no Rio”, conta.

“Mas hoje de manhã [segunda-feira] uma galera me marcou porque um jornalista avisou que iria rolar em São Paulo também. Eu criei um grupo por volta das 12h e começamos a juntar uma galera. Aí a Raquel pegou para ajudar também. Nisso descobrimos a Aline, que é uma mina que trampa em uma agência que estava negociando para pagar esses ônibus. Quando a gente viu, estávamos com dois ônibus. A gente viria de qualquer jeito, estávamos nos organizando. Fomos ter a confirmação dos ônibus era 16h. Já tava tudo organizado para ir antes. Conseguimos juntar esse pessoal todo e estamos aqui”, continua Delgado.

Para Andreza, o futebol feminino está em evidência em decorrência das lutas feministas. “Isso tem muito a ver com o avanço das questões feministas, é inegável. Não é porque feminismo está na moda, mas fica evidenciado que as mulheres são colocadas à prova a qualquer momento, em qualquer coisa. No futebol tem essa diferença gigantesca, tem jogador da Série B [do Campeonato Brasileiro masculino] que ganha mais que as minas que jogam na Série A [do Brasileiro feminino]. E eu acho que isso tem a ver com a discussão feminista que tem tomado a América Latina”, argumenta.

Uma das primeiras jogadoras a passar pelo desembarque foi Ludmila Silva, 21 anos. A atacante participou da sua primeira Copa defendendo o Brasil. Em poucas palavras, definiu aos jornalistas o sentimento de ser recebida por tantas pessoas, depois de abraçar, tirar fotos e autografar diversos bonés e camisetas. “Isso é o que sempre sonhamos. O futebol feminino sonha com esse carinho todo. A gente precisa muito da ajuda de vocês, o futebol feminino é isso que vocês viram pela televisão”, conta a atacante do Atlético de Madrid, clube profissional da Espanha.

Em entrevista à Ponte, a atacante Andressa Alves, que se machucou ainda na primeira fase da Copa do Mundo, também falou do sentimento de chegar no Brasil e ser tão bem recebida pela torcida. “É muito importante para a gente, isso significa que as pessoas estão orgulhosas do que a gente fez. Isso mostra que fizemos uma grande competição, que em um jogo contra as donas da casa a gente poderia ter vencido, mas ali no segundo tempo da prorrogação tomamos um gol de bola parada e acabamos eliminadas. Mas as pessoas estão orgulhosas da gente”, diz a atleta do Barcelona também da Espanha.

Para Érika Cristiano, zagueira da Seleção Brasileira e do Corinthians, o apoio da torcida é fundamental, não só durante a Copa, mas em todas as modalidades esportivas em que mulheres estão à frente. “Trabalhamos para esse reconhecimento, isso é importante. Ficamos muito feliz de saber que o calor brasileiro só nos representa. Eu preciso que vocês venham torcer para a nossa modalidade, não só pelo time, mas pela bandeira, pelo futebol feminino. Quanto mais tivermos isso nas arquibancadas, em todos os nossos jogos, vai crescer a modalidade. A gente precisa muito de vocês. Não só no futebol, mas em todo tipo de esporte que a mulher atua. Onde a mulher tiver eu espero que todo mundo possa comparecer”, disse à Ponte.

(Foto: Paloma Vasconcelos/Ponte Jornalismo)

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