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Segundo a pesquisadora da USP Larissa Bombardi, químicos exportados da Europa para o Brasil já retornam ao prato dos europeus; Acordo de livre-comércio entre Mercosul e UE levanta questão sobre os impactos para os consumidores

Por IHU (originalmente publicada por Deutsche Welle, 02-07-2019)

 

Depois de a União Europeia e o Mercado Comum Sul-Americano (Mercosul) negociarem durante anos, será firmado um tratado de livre-comércio, criando um mercado de 760 milhões de consumidores onde já se permutam bens no valor de 87 bilhões de euros.

Até o fim, o protecionismo agropecuário europeu foi um obstáculo. Sobretudo o Brasilconta que vai dispor de um novo mercado para soja, laranjas e carne bovina. No entanto, para os consumidores europeus, essa não é necessariamente uma boa notícia, adverte Larissa Mies Bombardi, professora e pesquisadora do Laboratório de Geografia Agrária da Universidade de São Paulo (USP).

Em 2017, Bombardi publicou um estudo mostrando que 30% dos agrotóxicos permitidos no Brasil não tinham mais registro aprovado na União Europeia UE, incluindo dois dos dez mais vendidos. Além disso, sua pesquisa mostrou as diferenças entre os limites de resíduos de agrotóxicos permitidos em alimentos e na água nos dois locais.

Há a perspectiva de que, através do acordo Mercosul-UE, os consumidores da União Europeia recebam de volta, em alimento, aquilo que os conglomerados químicos europeus exportaram até então na forma de agrotóxicos.

Em entrevista à Deutsche Welle, Bombardi fala sobre a ligação entre o uso de pesticidas no Brasil e a Europa.

 

 

Deutsche Welle: Como é o emprego de pesticidas no Brasil?

Larissa Bombardi: O Brasil e os Estados Unidos são os países que mais usam pesticidas em todo o mundo. No Brasil, cerca de um milhão de toneladas são pulverizadas anualmente. Mais de 500 pesticidas são permitidos aqui, dos quais 150 são proibidos na UE. O glifosato é de longe o pesticida mais vendido, mas o debate de alto nível na Europa sobre seus perigos ainda nem começou no Brasil.


DW: E como foi a evolução do uso de pesticidas ao longo dos anos?

LB: Nos últimos dez anos, a aplicação de pesticidas cresceu 150%, na mesma medida que as intoxicações agudas por pesticidas.


DW: Isso se deve à ampliação das áreas cultivadas ou ao aumento das resistências?

LB: Sobretudo à ampliação. As áreas cultivadas se alastraram a partir do cerrado central, cada vez mais em direção à Amazônia. A superfície para soja, por exemplo, quase dobrou entre 2002 e 2015, de 18 milhões de hectares para 33 milhões de hectares.


DW: Segundo um estudo do Instituto Nacional de Câncer (Inca), cada brasileiro ingere, em média, cinco litros de pesticidas por ano, devido aos vestígios nos alimentos.

LB: Esse cálculo não é meu, mas documentei que no Sul, onde ficam as grandes áreas agropecuárias, são lançados de 12 a 16 quilos de agrotóxicos por hectare. Na Europa é um quilo, na Bélgica, até dois.


DW: A que se devem essas enormes diferenças?

LB: O argumento oficial é que há mais pragas agrícolas nos trópicos. Mas isso se deve também ao modelo de agricultura industrial, baseado na manipulação transgênica, cujas sementes são resistentes ao glifosato, sendo 70% dos pesticidas aplicados na soja transgênica, milho e açúcar. São monoculturas gigantescas: somente a área de cultivo de soja é de quatro vezes o tamanho de Portugal. Além disso, as autoridades são bem generosas no estabelecimento de valores-limite.


DW: Pode dar um exemplo?

LB: Na soja, toleram-se na União Europeia vestígios de até 0,05 miligrama de glifosato por quilo, no Brasil são 10 miligramas, portanto 200 vezes mais. Na água potável, o país permite vestígios 5 mil vezes superiores aos da UE.


DW: Não vigora um princípio de prevenção no Brasil?

LB: Não. Quando, por exemplo, um agrotóxico é registrado, a licença nunca vence nem está submetida a reavaliações periódicas, como na UE.


DW: Os plantadores de soja afirmam que o glifosato não é muito tóxico e muito melhor do que todas as alternativas.

LB: Sobre isso se pode discutir. O glifosato é considerado pouco tóxico, mas isso se refere à toxicidade aguda, sem considerar os danos de longo prazo. Estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS) sugerem que ele seja cancerígeno.


DW: E quanto ao meio ambiente? Os agrotóxicos não se decompõem no contato com a água?

LB: Não, eles não desaparecem, são armazenados no solo e no lençol freático e matam os microrganismos existentes.


DW: Quais são as consequências?

LB: O solo se torna infértil, como descobrimos em pesquisas na universidade. A fertilidade do solo não tem só a ver com minerais, mas também com microrganismos biológicos, os quais são mortos por inseticidas e fungicidas.


DW: Então em 20 anos as plantações de soja vão se transformar em deserto?

LB: Sim, os estudos indicam que no médio prazo isso vai acontecer.


DW: E o que isso tem a ver com a Europa?

LB: Existe um ciclo do envenenamento. A maior parte dos pesticidas vem dos Estados Unidos e União Europeia. Conglomerados químicos como a Monsanto, Bayer ou Syngenta também exportam para países terceiros os pesticidas proibidos na Europa. A maior parte desses produtos químicos e dos danos fica naturalmente no Brasil, mas uma parte volta para Europa, na forma de alimentos exportados.

 

Imagem: Pixabay

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