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Quem tem medo da participação popular?

É de se estranhar a reação de parte do Congresso e da mídia nacional acusando, como golpe, a organização jurídica da participação social nos assuntos de interesse da cidadania

Por Mauri Cruz, via Abong*

Nos últimos dias instalou-se uma crise no Congresso Nacional por conta do Decreto Presidencial No 8243/2014 editado pela Presidenta Dilma constituindo o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS). Através deste instrumento normativo o Executivo Federal organiza e aglutina os vários mecanismos de participação social existente sob um mesmo ordenamento. Importante que se diga que o Decreto não cria novos espaços de participação social e popular e sequer gera novas despesas. Apesar disso, as bancadas conservadoras no Congresso enxergaram nesta iniciativa a possibilidade da ampliação da participação popular. E, como sabemos, com maior participação, será necessário ampliar o acesso aos direitos sociais, dividir os recursos públicos para mais pessoas, garantir acesso as decisões sobre as políticas públicas, em suma, a participação social é uma forma de divisão do poder.

Os opositores à iniciativa argumentam ilegalidade no decreto, como se a Presidenta estivesse usurpando competências do Legislativo Federal. Contra esta inverdade, juristas de renome como Fábio Konder Comparato, Dalmo Dallari e Celso de Mello apresentam um rol de dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que asseguram o direito e a competência da Executivo Federal regular o seu funcionamento e estabelecer a obrigação dos ministérios e órgãos a ele ligados criarem mecanismos de ouvir a cidadania antes de tomar decisões em suas alçadas.

A própria Constituição Brasileira no parágrafo único do artigo 1o reza que “todo poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição”. Não fosse este dispositivo, ainda temos o parágrafo único do artigo 194 da Constituição Federal que informa que  “compete ao poder público, nos termos da lei, organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos: VII – caráter democrático, e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores,  dos aposentados e dos e do Governo nos órgãos colegiados.”  Também o artigo 198 no inciso III garante a participação da comunidade na gestão do Sistema Único da Saúde (SUS) e o inciso II do artigo 204 assegura o direito da participação da sociedade na gestão das políticas de assistência e seguridade social. Fica claro, portanto, que a participação direta da sociedade é um direito desde a promulgação da Constituição de 1988 e somente hoje estamos garantindo sua efetividade.
Mobilização semelhante contra a democratização do estado, ocorreu em Porto Alegre em 1989 quando o então prefeito Olívio Dutra (PT) editou o Orçamento Participativo (OP) discutindo, através de assembleias populares realizadas nos 16 bairros da cidade, a aplicação dos recursos do orçamento municipal. Passados 25 anos, o chamado OP continua funcionando em Porto Alegre mesmo depois do PT deixar o governo e é reconhecido como instrumento de democratização da gestão pública por vários organismos internacionais, sendo recomendado pela ONU como política a ser seguida.

Por isso, é de se estranhar a reação de parte do Congresso e da mídia nacional acusando, como golpe, a organização jurídica da participação social nos assuntos de interesse da cidadania. Aliás, é de se referir que tal regulamento é tardio e somente saiu do forno após as mobilizações de junho de 2013 que serviram para acordar a institucionalidade brasileira de que o povo quer mais participação, mais política pública e mais igualdade social. Enganam-se aqueles que acham que o sentimento de mudança representa uma crítica as conquistas destes últimos 12 anos. Pelo contrário. As mobilizações sociais querem que as mudanças sejam mais rápidas e que os privilégios sejam coibidos.

E é disto que parte da classe política tradicional tem medo e é contra essa possibilidade que ela se insurge. O Brasil é uma das maiores potências econômicas do mundo e até pouco tempo atrás tinha mais de 30 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza. Como isso é possível? Ter tanta riqueza e ter tanta pobreza juntas num mesmo espaço? É possível porque há uma concentração da riqueza nas mãos de poucos privilegiados. É preciso acabar com os privilégios. Como diz o lema do Instituto IDhES do qual participo: Se não é direitos de tod@s é privilégio de alguns. E o Brasil era justamente isto. Um país de poucos privilegiados. Que bom que esta realidade está mudando, embora, lentamente.

Finalizo afirmando que o Brasil mudou. A sociedade brasileira está mais informada e mobilizada, sabe de seus direitos e acredita que a mobilização social é a melhor forma de conquistá-los. Não consolidar mecanismos de participação social é manter o fosso entre estado e sociedade o que enfraquece nossa jovem democracia. O aparelho de estado ainda é estranho à sociedade e, parte da tecnocracia pública está mais à serviço dos interesses do mercado do que da própria cidadania. Por isso, o decreto presidencial é tão importante e emblemático neste momento da política nacional e, de certa forma, a Presidenta Dilma está cumprindo com promessa feita em junho de 2013 quando afirmou que é preciso “oxigenar nosso sistema político, encontrar mecanismos que tornem nossas instituições mais transparentes, mais resistentes aos mal feitos, e acima de tudo mais permeáveis a influência da sociedade. É a cidadania e não o poder econômico quem deve ser ouvido em primeiro lugar.” Apesar da reação das bancadas conservadoras que temem a participação popular, oxalá a cidadania vença mais esta batalha.

*Mauri Cruz é advogado ambientalista com especialização em direitos humanos, professor de pós graduação em direito à cidade e mobilidade urbana, diretor regional da AbongRS e membro do CDES/RS

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