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Por: Fábio Deboni

 

O recorde de doações que temos presenciado no Brasil é, sem dúvida, digno de celebração. Afinal, a casa dos 6 bi de reais, conforme o Monitor das Doações* da ABCR, é uma marca histórica. Na esteira dela temos nos deparado com narrativas que tentam nos convencer que o(a) brasileiro(a) é solidário, que faz doações regulares, que essas doações estão alterando ponteiros na nossa estrutura social e que essa onda perdurará no pós-pandemia. Será?

O que, no entanto, tem faltado neste debate passa, a meu ver, por duas questões centrais: de onde vêm esses recursos e para onde eles vão?

Uma análise mais atenta no Monitor das Doações para que alguns dados nos saltem aos olhos. Destacarei um par deles, longe de esgotar o debate:

– mais de 80% da origem das doações provêm de empresas

– destas, mais de 50% vem do sistema financeiro, do setor de alimentos e bebidas, e da mineração, ou seja, grandes empresas. Aqui já dá pra levantar uma primeira indagação: será mesmo que a sociedade brasileira está se tornando mais solidária?

Com estes dados fica mais evidente a origem da maior fatia deste recorde de doações, mas vale destacar que o Monitor elenca uma infinidade de empresas e de outros doadores, algo também digno de celebração e de análises diversas.

A segunda pergunta que lancei no início do artigo questionava para onde estes recursos estão indo. Embora o Monitor não nos ofereça essas respostas, devemos então buscar outras fontes para tentar encontrar pistas que nos indiquem para onde estes recursos estão sendo destinados.

Uma destas fontes é o Estudo inédito chamado ‘O impacto da Covid-19 nas OSCs brasileiras**’, que colheu dados de mais de 1.700 ONGs de todas as regiões brasileiras e concluiu que:

– mais de 73% das OSCs afirmam sofrer impactos negativos com a pandemia

– 65% das OSCs já preveem redução na arrecadação de recursos para manter seus atendimentos

– e, pra piorar, 60% delas esperam que a demanda pelos seus atendimentos aumente por conta da crise que decorre da pandemia.

Em outras palavras, uma ‘tempestade perfeita’ sobre as ONGs: aumento da demanda frente a queda na disponibilidade de recursos.

Os dados deste Estudo combinados com nossa atuação direta no setor nos permite propor, pelo menos, três questões importantes na tentativa de fortalecermos este debate sobre a destinação destes recursos advindos deste recorde de doações:

a.     Estes recursos estariam, em grande parte, sendo destinados para cobrir os ‘furos’ de políticas públicas subfinanciadas? Com destaque para as áreas da saúde (SUS), assistência social e educação. Passada a pandemia, estas políticas seguirão subfinanciadas? Não seria necessário, portanto, rediscutir essa questão?

b.     Estes recursos têm chegado em organizações sociais menores, menos conhecidas e de todas as regiões e rincões deste país? Ou grande fatia destes recursos segue chegando a ONGs maiores e mais conhecidas?

c.      Estes recursos têm sido também direcionados para ajudar a cobrir custos fixos e institucionais destas organizações? Ou apenas para a compra de donativos, cestas básicas e insumos? Passada a pandemia, estas organizações sociais que atuam/atuaram na intermediação destes donativos estarão fortalecidas ou enfraquecidas? Conseguirão manter suas equipes, espaços físicos, estruturas?

Não é hora de ‘jogar a água do banho com a criança’, pois há boas apostas e bons desafios pela frente a partir desta onda solidária que estamos vivendo em nosso país. Continua me preocupando o descompasso entre a oferta e a demanda deste fluxo de doações, e também sobre boa parte dela estar sendo destinada a ‘tapar furos’ de políticas públicas subfinanciadas. Convém frisar ainda que pode haver doações ‘cortinas de fumaça’ na tentativa de marcas e empresas forjar relevância para a sociedade, algo meio em alta em tempos de pandemia.

Finalmente, se há um ponto com o qual todos concordamos é que a pandemia parece ter tornado diversas questões mais evidentes, dentre elas nossa cruel desigualdade social. Fica a reflexão se o recorde de doações poderá contribuir para enfrentar esse quadro de forma estruturante, ou apenas amenizar seus graves sintomas. Olhando até aqui, tendo a considerar a segunda opção, infelizmente. A conferir.

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