Por: Felipe Betim / Via: El País Brasil

Entidades e ativistas buscam contato com os EUA com a mensagem de que presidente não é confiável nem mudará atitude com relação à Amazônia. “Precisamos preparar o país para a retomada agenda ambiental no pós-Bolsonaro”, diz Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.

Ambientalistas, lideranças indígenas e entidades que atuam na defesa da Amazônia abriram uma ofensiva contra o presidente Jair Bolsonaro nas últimas semanas. De olho na Cúpula do Clima promovida pelos EUA, que reunirá nesta quarta e quinta-feira 40 países, entre eles o Brasil, a sociedade se mobiliza para convencer a comunidade internacional, em especial a Casa Branca de Joe Biden, de que o Governo brasileiro não é confiável na hora de negociar um plano de redução do desmatamento da Amazônia. Bolsonaro entra pela porta dos fundos da cúpula, isolado politicamente dentro e fora do país. Com a volta dos EUA nas negociações do clima e o anúncio de metas ambiciosas para reduzir pela metade a emissão de gases causadores do efeito estufa até 2030, o Brasil chega ao debate como uma espécie de pária do meio ambiente.

Mas, com a inédita atenção mundial que a degradação da Amazônia vem recebendo, entidades também acreditam que existe um “espaço com grande potencial” para uma relação com outros atores, e não somente o Governo federal, explica Virgilio Viana, superintendente geral da Fundação Amazônia Sustentável. “Há grandes fundações privadas norte-americanas, há o engajamento do setor empresarial, os governadores… Podem acontecer outras coisas em muitas outras esferas de relacionamento”, afirma Viana. Para ele, a cúpula desta semana ganha especial importância porque nunca a Amazônia teve um peso tão relevante nas relações entre Brasil e EUA. Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede de 60 organizações da sociedade civil, segue na mesma direção: “O Governo norte-americano pode combater o desmatamento através de suas agências de fomento, a partir de projetos com governadores, comunidades indígenas e universidades. Ele pode abraçar projetos sem colocar dinheiro nas mãos do Governo federal”.

A mais recente mobilização dos ambientalistas começou como uma reação à notícia de que Biden negociava a portas fechadas um acordo com Bolsonaro para a redução do desmatamento da Amazônia, conforme se aproximava a Cúpula do Clima. Na última semana, o presidente brasileiro enviou a Biden uma carta com a promessa de zerar o desmatamento ilegal até 2030. Para isso, destacou a necessidade de “recursos vultuosos e políticas públicas abrangentes”. O ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, vem enfatizando a necessidade ao menos 1 bilhão de dólares (5,6 bilhões de reais) por um período de 12 meses para que o país se comprometa com a redução de até 40% do desmatamento. A resposta da sociedade civil veio através de cartas e manifestos ao Governo norte-americano e reuniões de entidades e outras autoridades brasileiras com embaixadores. Em suma, buscam passar a mensagem de que Bolsonaro não é confiável e é preciso reduzir ao máximo os danos ao meio ambiente enquanto ele permanece na Presidência.

“Temos um Governo que nos últimos 28 meses promove todos os dias atos de destruição ambiental. Não vai ser uma carta ao Biden e três minutos de discurso que vai desfazer esse legado”, argumenta Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede de 60 organizações de defesa do meio ambiente. “O que precisamos fazer é preparar o país para a retomada da agenda ambiental no pós-Bolsonaro”, acrescenta. Para que isso aconteça, é preciso, em primeiro lugar, desfazer os decretos de Bolsonaro que favorecem o desmatamento da Amazônia. “Isso para voltar ao que tínhamos em 2018, para depois pensarmos numa agenda positiva”.

A percepção geral é a de que o Brasil será coadjuvante na Cúpula do Clima, correndo o risco de ficar isolado. “O país deve ficar no canto da sala vendo os adultos conversarem no palco principal. O Governo Bolsonaro é um exemplo do que não se pode fazer no meio ambiente, ele não vai entregar uma solução”, explica Astrini. O pano de fundo é o importante aumento do desmatamento e dos incêndios florestais em 2019 e 2020. A maior floresta tropical do mundo também registrou em 2021 o pior mês de março dos últimos 10 anos, segundo um levantamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

“Mais de 90% desse desmatamento é ilegal, não tem nada a ver com a produção agrícola. Então, zerar o desmatamento significa combater crime organizado no mercado da terra”, explica o cientista Carlos Nobre. Nesta terça-feira, servidores do Ibama divulgaram uma carta endereçada ao presidente do órgão, Eduardo Bim, ressaltando que suas ações de fiscalização estão paralisadas após Salles alterar as regras para multas ambientais, que agora só podem ser aplicadas após passarem pela análise de um supervisor —o que “inviabiliza” o combate ao desmatamento na Amazônia.

De acordo com André Guimarães, diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), os números do desmatamento refletem essa negligência do Governo com relação ao tema. “A cúpula é uma grande notícia para o planeta, mas o Brasil não está preparado para essa discussão. Estamos entrando pela porta dos fundos”, afirma. “Vamos mais uma vez perder a oportunidade de estar dentro do debate, com propostas concretas, e liderando essa discussão, como ocorreu em anos passados”.

No início das negociações entre Bolsonaro e Biden, mais de 200 organizações escreveram uma carta ao presidente norte-americano cobrando transparência. “Não é razoável esperar que as soluções para a Amazônia e seus povos venham de negociações feitas a portas fechadas com seu pior inimigo”, afirma um trecho da carta. Na última semana, o cacique Raoni Metuktire, líder do povo Kayapó e uma das maiores lideranças indígenas do pais, fez uma importante fala endereçada a Biden. “Sempre lutei pela floresta e os presidentes anteriores me ouviram. Espero que me escute também. Somente este presidente está contra mim. Se esse presidente ruim falar algo pro senhor, ignore-o e diga: Raoni já falou comigo”, afirmou. Na segunda-feira passada, o embaixador norte-americano no Brasil, Todd Chapman, se reuniu com integrantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que também havia solicitado a abertura de um canal direto com os EUA, a pedido de Biden. A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns (Comissão Arns) também divulgou um manifesto no último 16 de abril alertando sobre os retrocessos alimentados pelo Governo Bolsonaro.

Paralelamente, governadores de 23 Estados enviaram uma carta a Biden na qual se colocam como atores capazes de contribuir com a solução para o desmatamento da Amazônia caso tenham acesso aos recursos necessários. “Nossos Estados possuem fundos e mecanismos criados especialmente para responder à emergência climática, disponíveis para aplicação segura e transparente de recursos internacionais, garantindo resultados rápidos e verificáveis”, afirmou o documento. Parlamentares de oposição também se uniram à pressão contra Bolsonaro e assinaram uma carta, junto com mais de 60 organizações da sociedade civil, em defesa da Amazônia e contra a negociação com Bolsonaro a portas fechadas. Alguns deles participaram nesta segunda-feira, 19 de abril, de uma reunião com os embaixadores dos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Noruega e da União Europeia.

Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal (STF) lançou no último dia 10 de abril o Observatório do Meio Ambiente do Poder Judiciário, um fórum interdisciplinar para promover o diálogo entre o Judiciário e a sociedade civil. “Precisamos tratar com urgência da Amazônia. O Brasil pode prestar um grande serviço à humanidade e a si próprio propondo um novo modelo de desenvolvimento que se baseie na bioeconomia da floresta e na geração de produtos de alto valor agregado, com base em sua enorme biodiversidade”, afirmou o ministro Luís Roberto Barroso, relator de processos ligados às questões indígena, climática e ambiental, em entrevista ao jornal O Globo.

Bolsonaro busca desde o início de seu mandato enfraquecer o Ibama e retirar sua independência no combate ao desmatamento. Em seu lugar, o Governo pretende fortalecer uma força nacional de segurança ambiental subordinada ao Ministério do Meio Ambiente. “Esse foi um dos pontos de negociação com os EUA. Bolsonaro quer uma espécie de milícia oficial para substituir o Ibama e que dirija quais operações vão acontecer, como quando, contra quem e de que maneira”, explica.

Virgilio Viana, da Fundação Amazônia Sustentável, afirma que “o buraco é mais embaixo” quando o assunto é zerar o desmatamento na Amazônia e vê como improvável uma “metamorfose” do Governo Bolsonaro. Isso implicaria, segundo afirma, “em uma ruptura com a base do bolsonarismo, formada pelo agronegócio ligado à grilagem e à extração ilegal de madeira”. Os especialistas não descartam a implementação de sanções econômicas ao Brasil. “O cenário já está desenhado. A gente vem recebendo críticas, ameaças de boicote e desinvestimento. Não é algo que vai começar com a cúpula, isso já vem acontecendo. Com o realinhamento das nações mais emissoras para atingirem metas, vamos ficar excluídos do debate e as críticas ao Brasil tendem a aumentar nos próximos anos”, explica Guimarães, do IPAM.

Vanuza Kaimbé, que já contraiu a covid e sofre com sequelas, viu dois primos morrerem da doença na Zona Leste de SP.

Por: Vanessa Ramos
Via: Brasil de Fato

Paulo/Flickr

Receber a primeira dose da CoronaVac neste domingo (17) em São Paulo, após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovar o uso emergencial da vacina contra a Covid-19, representa uma esperança para Vanuza Kaimbé, primeira indígena vacinada no Brasil.

Aos 50 anos, com experiência como técnica de enfermagem, inclusive no atendimento à população indígena na capital paulista, e recém-formada em Assistência Social com bolsa integral pela PUC-SP, Vanuza explica que espera um choque de realidade no país diante da crise sanitária.

“Desejo que o povo acorde para o que o acontece hoje no Brasil e que a ciência vença a política genocida e a ignorância”, afirma Vanuza, que é também presidenta do Conselho do Povo Kaimbé no estado de São Paulo.

Em maio de 2020, ela também foi contaminada pela Covid-19. “Não foi fácil passar por esta doença, eu tive falta de ar e dores pelo corpo. Essa doença afeta nosso sistema nervoso, deixa a gente confusa, a gente chora. Eu sentia muito medo e quando a gente pensa que está se recuperando vem uma dor no corpo, uma fraqueza”, relata.

Oito meses depois, ela ainda convive com as sequelas e teme não conseguir mais recuperar totalmente o olfato e o paladar, atingidos pela infecção.

Não bastasse as dores físicas, ela ainda vive o luto pela morte de dois primos moradores de Itaquaquecetuba e de Cidade Tiradentes, na zona leste da capital paulista, vítimas da Covid-19.

Vivendo atualmente na Aldeia Filhos Dessa Terra, em Guarulhos, na Grande São Paulo, ela conta que foi escolhida para ser a primeira indígena a tomar vacina por conta de uma campanha que iniciou há meses ao lado de outras lideranças que pressionaram o governo paulista e o Instituto Butantan.

Fora os indígenas do povo Kaimbé, outros moradores da aldeia onde vive, dos povos Tupi Guarani, Pankararé e Pankararu, também foram contaminados pela Covid-19. “Depois de lutar, conseguimos ampliar as testagens nas aldeias e também em indígenas que vivem na cidade”, explica.

Além da defesa pela vacinação contra Covid-19, a representante do povo Kaimbé em São Paulo também levanta outras bandeiras.

“Me preocupo muito com meus parentes indígenas das diferentes etnias e nossa luta por saúde, educação, terra e moradia. Os governos devem reconhecer os indígenas aldeados e os que vivem nas cidades, já que somos uma grande maioria hoje e nossa luta é antiga como povos originários”, destaca.

Vanuza levanta ainda o papel dos povos indígenas na preservação das condições para que a humanidade possa sobreviver na Terra.

“Somos os povos originários do Brasil e lutamos pela preservação do meio ambiente e pela vida tanto daqueles que nos odeiam, quanto daqueles que são favoráveis às nossas causas. Defendemos a vida da humanidade, ao contrário deste governo (Jair Bolsonaro) que nega a ciência, a educação e é totalmente desrespeitoso com o Brasil”, finaliza Vanuza.

Edição: Rogério Jordão

Vanuza ao ser vacinada em São Paulo neste domingo (17): oito meses depois de ter sido infectada pela covid-19, ela ainda convive com as sequelas e teme não conseguir mais recuperar totalmente o olfato e o paladar – Crédito das fotos: Governo do Estado de São Paulo/Flickr

Laura Astrolabio
Via: cartacapital.com.br/opiniao/a-comunidade-indigena-patiburi-pede-socorro

Isolada pelo coronavírus e sob ataques externos, povo indígena no Sul da Bahia arrecada para poder manter o mínimo de subsistência

Com a chegada do coronavírus no Brasil, a aldeia Patiburi, que fica localizada no Sul da Bahia, aderiu ao isolamento e ainda não tem nenhum caso da doença assolando suas vidas. Entretanto, seus problemas estão além da ameaça de doença na comunidade, algo que certamente eleva os alertas ante os efeitos devastadores que podem ser causados na população indígena. Isolada pelas medidas em face do coronavírus, sob ataques externos e dependente de transporte particular, a comunidade pede socorro – ajude no link.

 

A bem da verdade, desde que o homem branco pôs os pés nesse continente, os povos indígenas estão sob constante ataques. No caso da aldeia Patiburi, as ameaças tornaram-se mais recorrentes nos últimos anos, com consequências graves. Em 2018, em razão de sua aguerrida luta pela preservação de seu povo e das terras pertencentes a Aldeia Patiburi, a cacica Cátia Tupinambá passou a sofrer ameaças e foi incluída no programa de proteção de defensores de direitos humanos.

São diversas as ameaças e boicotes. Outro episódio que pode ser citado referente a aldeia foi quando, há alguns anos, foi solicitado o serviço de energia elétrica, mas só no presente ano conseguiram obter sucesso. Segundo a cacica, isso ocorre após a solicitação ter sofrido, por anos, interferência de fazendeiro da região.

Nesse cenário já bem delicado em face de inimigos visíveis, após a entrada do coronavírus no Brasil a Aldeia passa a enfrentar também um inimigo invisível. O covid-19 traz uma a soma de desafios que produz episódios muito preocupantes. Após o confinamento ter sido adotado em vários pontos do país, Indígenas da comunidade denunciam que a aldeia foi invadida e saqueada em toda sua produção de cacau.

De outro lado, a mandioca, com a qual a aldeia também produzia farinha, não está mais podendo ser vendida, uma vez que, com o advento da pandemia, o ônibus que ligava a Aldeia ao distrito mais próximo foi retirado de circulação.

Já está faltando alimentos no distrito mais próximo, que é o distrito de Boca do Córego. A gente não consegue vender a farinha que produzimos e também por orientação nós não saímos da aldeia. Os carros que conseguimos solicitar para fazer uma locação estão cobrando 500 reais para levar na cidade mais próxima que fica a 150 km de distância”, conta Cátia Tupinambá.

Soma-se a tudo isso a ameaça de contágio. Em Belmonte, já há casos de covid-19 confirmados. Doenças importadas historicamente produziram efeitos catastróficos na comunidade indígena e a apreensão é manifestada em razão desse novo vírus – “O nosso estilo de moraria é um estilo diferente, são casas muitos próximas e com um número grande de moradores. Então, a família com seis, oito pessoas, é normal pra gente”, finaliza a cacica.

A situação de extrema delicadeza posiciona a aldeia Patiburi em necessidade. Com isso, a cacica Cátia Tupinambá pede socorro pela Aldeia Patiburi, e isso pode ser feito através de doação em dinheiro. “Qualquer quantia será de grande importância”, afirma cacica Cátia. Os dados para depósito podem ser encontrados por meio do link.

É preciso visibilizar o Brasil profundo e apoiar quem vem resistindo em meio a tantos desafios.

 

 

Joênia Wapichana vai representar o estado de Roraima, região brasileira marcada por conflitos de terras indígenas

Por Cristiane Sampaio e Luciana Console, do Brasil de Fato

Pela primeira vez na política brasileira, uma representante dos povos indígenas vai ocupar um cargo no Congresso Nacional. Do partido Rede Sustentabilidade, Joênia Wapichana foi eleita deputada federal de Roraima no domingo e trás como principais pautas a defesa dos direitos indígenas.

Joênia tem “Batista de Carvalho” como sobrenome na certidão de nascimento, mas utiliza o nome indígena em sua atuação política. Ela pertence ao povo Wapichana, da Comunidade Truarú. Sua trajetória é marcada pela defesa dos povos indígenas e pela conquista de espaços. Além de ser a primeira deputada federal indígena, Joênia também foi a primeira mulher indígena a se formar em Direito no Brasil, na Universidade Federal de Roraima, em 1997. Ela também é mestra pela University of Arizona, dos Estados Unidos, desde 2011.

A formação acadêmica permitiu com que a sua atuação nas causas indígenas fosse mais ampla e desde 1999 a advogada indígena coordena o Departamento Jurídico do Conselho Indígena de Roraima.

Um dos destaques de sua trajetória profissional e política é a atuação como advogada na demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, que fica na fronteira com a Venezuela. Apesar de já identificada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) em 1993 para demarcação, pressões políticas tem retardado o processo e a terra foi sendo cada vez mais ocupada por produtores de arroz, que se recusam a sair dali. O conflito na região perdura desde a década de 70 e é um dos mais emblemáticos conflitos de terras indígenas no Brasil, com muitas mortes decorrentes da disputa pelo território, que tem 1,7 milhões de hectares.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Joênia falou sobre as pautas que dará andamento em seu mandato. Ela também fala sobre os desafios de ser a primeira mulher indígena eleita deputada federal e o poder simbólico que isso representa para seu povo.

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato – O que representa a conquista de uma vaga no parlamento pra participar da luta dos povos indígenas?

Joênia Wapichana – Representa uma ferramenta super necessária neste contexto que estamos vivendo hoje no país, quando existe riscos aos direitos que já são garantidos na Constituição. Há necessidade de os povos indígenas terem sua defesa ali, mesmo que seja só uma [pessoa] ali pra bater de frente com uma bancada anti-indígena, mas é necessário.

Que pautas principais você pretende levar por meio do seu mandato?

Vou te colocar três bandeiras que estou defendendo. Primeiro, é a defesa dos direitos coletivos indígenas e dos direitos sociais.

Nós sabemos da defesa da demarcação das terras indígenas, da necessidade de ter a implementação dos processos demarcatórios e, pra isso, temos que combater propostas anti-indígenas que tramitam no Congresso Nacional, como a PEC 215; como o projeto que tenta fazer com que as terras indígenas sejam arrendadas; e outras de qualquer facilitação pro licenciamento ambiental.

E também fazer com que os direitos indígenas, principalmente os direitos de consulta, sejam inseridos pela proposta de lei que tramita no Congresso Nacional, como o PL 1610, que tenta regulamentar a mineração em terras indígenas. E, nessa mesma linha dos direitos sociais, também vai a priorização dos direitos fundamentais não somente paras comunidades indígenas, mas pra todos, que é a questão da educação. Na questão indígena, é [necessário] ter um sistema próprio de educação escolar.

A segunda bandeira que vou levar é a da sustentabilidade, pra que as comunidades indígenas sejam incluídas no processo geral de planejamento do país, e garantir suas práticas culturais, seus conhecimentos tradicionais e mesmo a produtividade e a circulação da renda interna sem que isso possa significar um desrespeito pra cultura ou qualquer outro tipo de direito. É parar com essa discussão de que terras indígenas são empecilho ao desenvolvimento do Estado. O que está faltando é oportunidade. Se é preciso leis pra garantir isso, vou trabalhar pra isso, levando a sustentabilidade das comunidades indígenas.

A terceira bandeira é focada na questão do orçamento público. A gente tem que trabalhar pela elaboração e pela consolidação das leis, mas nem todo o orçamento é conivente com a realidade que temos. Eu não concordo e vou tentar combater a PEC da morte, que congela o nosso orçamento. Dentro dessa linha do orçamento, também vou lutar contra a corrupção, as regalias e os privilégios que existem.

Para que isso seja consolidado, nós precisamos de ferramentas e de fiscalização dos orçamentos, assim como os recursos federais que vem em nome dos povos indígenas.

A bancada ruralista, conhecida por ser o principal grupo algoz dos indígenas no Congresso, conta com mais de 200 membros. Que estratégias você pretende usar pra que o seu mandato tenha voz diante desse cenário de hegemonia do poder econômico na Câmara? 

Vai ser difícil, mas não impossível. Nós vamos usar todas as alianças possíveis, levando pessoas que defendem os direitos humanos, os direitos sociais, que apoiam a dignidade, a vida, a questão do meio ambiente, a sustentabilidade, que acreditam na pessoa desde já, apoio da população brasileira e dos povos indígenas em geral porque só assim a gente vai conseguir barrar muitos projetos inconstitucionais, fazer valer o que existe na nossa Constituição Brasileira e não deixar retroceder nossos direitos garantidos. E fazer com que os regimentos, todo os argumentos jurídicos sejam aplicados, então vou usar do que eu tenho de conhecimento, prática e experiencia.

O que lhe vem à cabeça quando lembra que será a primeira mulher indígena a ocupar uma vaga na Câmara dos Deputados? 

Eu estou escrevendo a nossa história, fazendo valer o que os povos indígenas já tinham planejado há muito tempo. Então eu sou fruto desse sonho de muitos anos, muitas gerações que estão aí. Porque a nossa história, para nós, povos indígenas, principalmente o movimento de Roraima, a gente já tem experiência que nunca foi dado nada de graça pra nós.

Tudo isso que a gente conquistou, todos os direitos, as demarcações de terra, foi fruto de uma longa batalha, uma longa luta de união dos povos, de movimentos e pessoas que apoiam a causa indígena e os direitos humanos. Então o que vem na minha mente é que é só o primeiro passo. Quando me formei em Direito, eu estava abrindo essa história para vir outras pessoas.

Como foi o processo de você se candidatar ao cargo de deputada federal?

O fato de ser mulher indígena, a minha história, pra ter chegado até aqui. Não foi eu que cheguei e disse que queria ser [deputada], mas foi um convite da nossa militância, de uma grande assembleia indígena que teve na aldeia Raposa Serra do Sol, quando avaliaram que era necessário os povos indígenas terem uma participação nesse processo eleitoral.

Sempre a gente tem que ir pra luta e se a política é uma ferramenta, é o meio da gente também lutar pelos nossos direitos, a gente tinha que participar. Então esse comprometimento meu com a causa indígena e da minha identidade indígena com o meu povo, foi que veio esse resultado, então eu te digo, nós estamos escrevendo a nossa história.

Por fim, o que fica como lição diante de mais esta conquista que você teve agora? 

É o que eu sempre coloquei na minha campanha. Tudo que a gente passa a decisão é nossa. Se a gente quer mudança, a gente tem, se a gente quer, a gente pode, então a decisão é nossa. Cabe a nós lutar, unir e ir pra luta e sonhar. Nós tivemos uma decisão, tivemos trabalho coletivo, tivemos participação de todos e nós ganhamos. A lição é essa.

O momento é muito mais do que necessário, oportuno e importante, nesse cenário politico, nesse novo quadro político que o Brasil vai ter ano que vem. Se a gente está aí na política, os indígenas, não é por folia ou alguém disse que era bonito. É por extrema necessidade que a gente está aí.

(Foto: Reprodução/Facebook)

ONU reconhece importância dos saberes indígenas para evitar que aquecimento global torne-se incontrolável. No Brasil, agronegócio e políticas do Estado eliminam quem defende o planeta

Por Iara Pietricovsky*, no Outras Palavras

Em 2015, em Paris, na 21º Conferência das Partes (COP21) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC, na sigla em inglês), representantes de governos, organizações da sociedade civil, povos indígenas e comunidades tradicionais reuniram-se para definir as bases e conceitos para aprovação da participação dos povos indígenas e comunidades tradicionais no âmbito da Convenção.

O Acordo de Paris reconheceu, assim, o importante papel dos povos indígenas e das comunidades locais na proteção das florestas, na prevenção do uso e da cobertura da terra, além dos conhecimentos tradicionais de que são detentores. Eles representam hoje, sem dúvida, o maior freio para o processo desenfreado de desmatamento e destruição do solo e subsolo promovido pelos interesses ligados ao grande capital.

Na ocasião, deu-se início às negociações para implementação da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas (LCIPP) no âmbito do Subsidiary Body for Scientific and Technological Advice (Grupo Auxiliar para Aconselhamento Científico e Tecnológico, ou SBSTA, na sua sigla em inglês). Em 2017, na COP23, em Bonn, desencadearam-se os debates sobre a operacionalização da Plataforma, processo que segue até o momento atual, na interseccional de Bonn, em maio de 2018.

Essa Plataforma, à semelhança do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC, na sua sigla em inglês), pretende ser um grupo assessor e ao mesmo tempo fortalecer os conhecimentos tradicionais, as práticas e os esforços destas comunidades para o combate à mudança climática. Além disso, pretende construir um banco de informação pública sobre as experiências e práticas dos sistemas de conhecimento indígenas, assim como de políticas nacionais e internacionais existentes no tema.

Não há dúvida que a criação da Plataforma é um dos fatos mais importantes da COP. Para além das dificuldades normais de sua implementação, desconfio que nosso maior inimigo, nesse caso, mora em casa.

É verdade que o governo brasileiro, desde o início, teve uma posição favorável à Plataforma e já resolveu internamente, e até legalmente, o conceito de “comunidades locais ou tradicionais” — o que não aconteceu em outros países e está sendo motivo de tensionamento na elaboração do rascunho da Plataforma que deverá ser encaminhado à COP24, em Katowice, na Polônia, em dezembro próximo.

Contudo, o que vemos acontecer internamente no Brasil está na contramão dos esforços preconizados pelo debate internacional no âmbito da COP, ou mesmo dos direitos dos povos indígenas, reconhecidos desde 1997 pela Organização das Nações Indígenas (ONU). Exemplo disso são os cortes orçamentários da Funai, o seu sucateamento e aparelhamento pela bancada ruralista, somado à Emenda Constitucional 95, conhecida como “Teto de Gastos” – conforme denunciado em artigos do Inesc.

Os povos indígenas experimentam um genocídio histórico e o inferno não tem fim: seus territórios continuam sendo invadidos e suas lideranças assassinadas, só por defenderem suas terras, cultura e os recursos naturais existentes. Não basta uma legislação que impeça esse desmando. Os interesses que destroem são maiores que as leis – modificam as leis, se necessário for. Não é a toa que o Brasil, segundo o relatório da Anistia Internacional, é o país onde mais se mataativistas de direitos humanos e lideranças de movimentos sociais no mundo.

Enquanto se constrói um consenso no âmbito multilateral, da importância inquestionável dos povos indígenas e comunidades locais para a resolução dos problemas climáticos, que dizem respeito a todos os povos do planeta, no âmbito nacional reina a destruição e a bala rege a resolução dos conflitos.

Se a Plataforma de Comunidades Locais e de Povos Indígenas da UNFCCC e o multilateralismo vão ajudar a frear nossa triste situação é outra coisa. Como diz o velho ditado: “Não há mal que dure, nem bem que nunca acabe”. O problema é o preço que estamos pagando e o tempo que estamos perdendo para impedir essa realidade, que tem certamente no Estado brasileiro seu maior responsável.

*Iara Pietricovsky, diretora executiva da Abong e membro do colegiado de gestão do Inesc, é Antropóloga, mestra em Ciência Política pela Universidade de Brasília e atriz de teatro desde 1969.