Por: Felipe Betim / Via: El País Brasil
Entidades e ativistas buscam contato com os EUA com a mensagem de que presidente não é confiável nem mudará atitude com relação à Amazônia. “Precisamos preparar o país para a retomada agenda ambiental no pós-Bolsonaro”, diz Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
Ambientalistas, lideranças indígenas e entidades que atuam na defesa da Amazônia abriram uma ofensiva contra o presidente Jair Bolsonaro nas últimas semanas. De olho na Cúpula do Clima promovida pelos EUA, que reunirá nesta quarta e quinta-feira 40 países, entre eles o Brasil, a sociedade se mobiliza para convencer a comunidade internacional, em especial a Casa Branca de Joe Biden, de que o Governo brasileiro não é confiável na hora de negociar um plano de redução do desmatamento da Amazônia. Bolsonaro entra pela porta dos fundos da cúpula, isolado politicamente dentro e fora do país. Com a volta dos EUA nas negociações do clima e o anúncio de metas ambiciosas para reduzir pela metade a emissão de gases causadores do efeito estufa até 2030, o Brasil chega ao debate como uma espécie de pária do meio ambiente.
Mas, com a inédita atenção mundial que a degradação da Amazônia vem recebendo, entidades também acreditam que existe um “espaço com grande potencial” para uma relação com outros atores, e não somente o Governo federal, explica Virgilio Viana, superintendente geral da Fundação Amazônia Sustentável. “Há grandes fundações privadas norte-americanas, há o engajamento do setor empresarial, os governadores… Podem acontecer outras coisas em muitas outras esferas de relacionamento”, afirma Viana. Para ele, a cúpula desta semana ganha especial importância porque nunca a Amazônia teve um peso tão relevante nas relações entre Brasil e EUA. Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede de 60 organizações da sociedade civil, segue na mesma direção: “O Governo norte-americano pode combater o desmatamento através de suas agências de fomento, a partir de projetos com governadores, comunidades indígenas e universidades. Ele pode abraçar projetos sem colocar dinheiro nas mãos do Governo federal”.
A mais recente mobilização dos ambientalistas começou como uma reação à notícia de que Biden negociava a portas fechadas um acordo com Bolsonaro para a redução do desmatamento da Amazônia, conforme se aproximava a Cúpula do Clima. Na última semana, o presidente brasileiro enviou a Biden uma carta com a promessa de zerar o desmatamento ilegal até 2030. Para isso, destacou a necessidade de “recursos vultuosos e políticas públicas abrangentes”. O ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, vem enfatizando a necessidade ao menos 1 bilhão de dólares (5,6 bilhões de reais) por um período de 12 meses para que o país se comprometa com a redução de até 40% do desmatamento. A resposta da sociedade civil veio através de cartas e manifestos ao Governo norte-americano e reuniões de entidades e outras autoridades brasileiras com embaixadores. Em suma, buscam passar a mensagem de que Bolsonaro não é confiável e é preciso reduzir ao máximo os danos ao meio ambiente enquanto ele permanece na Presidência.
“Temos um Governo que nos últimos 28 meses promove todos os dias atos de destruição ambiental. Não vai ser uma carta ao Biden e três minutos de discurso que vai desfazer esse legado”, argumenta Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede de 60 organizações de defesa do meio ambiente. “O que precisamos fazer é preparar o país para a retomada da agenda ambiental no pós-Bolsonaro”, acrescenta. Para que isso aconteça, é preciso, em primeiro lugar, desfazer os decretos de Bolsonaro que favorecem o desmatamento da Amazônia. “Isso para voltar ao que tínhamos em 2018, para depois pensarmos numa agenda positiva”.
A percepção geral é a de que o Brasil será coadjuvante na Cúpula do Clima, correndo o risco de ficar isolado. “O país deve ficar no canto da sala vendo os adultos conversarem no palco principal. O Governo Bolsonaro é um exemplo do que não se pode fazer no meio ambiente, ele não vai entregar uma solução”, explica Astrini. O pano de fundo é o importante aumento do desmatamento e dos incêndios florestais em 2019 e 2020. A maior floresta tropical do mundo também registrou em 2021 o pior mês de março dos últimos 10 anos, segundo um levantamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
“Mais de 90% desse desmatamento é ilegal, não tem nada a ver com a produção agrícola. Então, zerar o desmatamento significa combater crime organizado no mercado da terra”, explica o cientista Carlos Nobre. Nesta terça-feira, servidores do Ibama divulgaram uma carta endereçada ao presidente do órgão, Eduardo Bim, ressaltando que suas ações de fiscalização estão paralisadas após Salles alterar as regras para multas ambientais, que agora só podem ser aplicadas após passarem pela análise de um supervisor —o que “inviabiliza” o combate ao desmatamento na Amazônia.
De acordo com André Guimarães, diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), os números do desmatamento refletem essa negligência do Governo com relação ao tema. “A cúpula é uma grande notícia para o planeta, mas o Brasil não está preparado para essa discussão. Estamos entrando pela porta dos fundos”, afirma. “Vamos mais uma vez perder a oportunidade de estar dentro do debate, com propostas concretas, e liderando essa discussão, como ocorreu em anos passados”.
No início das negociações entre Bolsonaro e Biden, mais de 200 organizações escreveram uma carta ao presidente norte-americano cobrando transparência. “Não é razoável esperar que as soluções para a Amazônia e seus povos venham de negociações feitas a portas fechadas com seu pior inimigo”, afirma um trecho da carta. Na última semana, o cacique Raoni Metuktire, líder do povo Kayapó e uma das maiores lideranças indígenas do pais, fez uma importante fala endereçada a Biden. “Sempre lutei pela floresta e os presidentes anteriores me ouviram. Espero que me escute também. Somente este presidente está contra mim. Se esse presidente ruim falar algo pro senhor, ignore-o e diga: Raoni já falou comigo”, afirmou. Na segunda-feira passada, o embaixador norte-americano no Brasil, Todd Chapman, se reuniu com integrantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que também havia solicitado a abertura de um canal direto com os EUA, a pedido de Biden. A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns (Comissão Arns) também divulgou um manifesto no último 16 de abril alertando sobre os retrocessos alimentados pelo Governo Bolsonaro.
Paralelamente, governadores de 23 Estados enviaram uma carta a Biden na qual se colocam como atores capazes de contribuir com a solução para o desmatamento da Amazônia caso tenham acesso aos recursos necessários. “Nossos Estados possuem fundos e mecanismos criados especialmente para responder à emergência climática, disponíveis para aplicação segura e transparente de recursos internacionais, garantindo resultados rápidos e verificáveis”, afirmou o documento. Parlamentares de oposição também se uniram à pressão contra Bolsonaro e assinaram uma carta, junto com mais de 60 organizações da sociedade civil, em defesa da Amazônia e contra a negociação com Bolsonaro a portas fechadas. Alguns deles participaram nesta segunda-feira, 19 de abril, de uma reunião com os embaixadores dos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Noruega e da União Europeia.
Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal (STF) lançou no último dia 10 de abril o Observatório do Meio Ambiente do Poder Judiciário, um fórum interdisciplinar para promover o diálogo entre o Judiciário e a sociedade civil. “Precisamos tratar com urgência da Amazônia. O Brasil pode prestar um grande serviço à humanidade e a si próprio propondo um novo modelo de desenvolvimento que se baseie na bioeconomia da floresta e na geração de produtos de alto valor agregado, com base em sua enorme biodiversidade”, afirmou o ministro Luís Roberto Barroso, relator de processos ligados às questões indígena, climática e ambiental, em entrevista ao jornal O Globo.
Bolsonaro busca desde o início de seu mandato enfraquecer o Ibama e retirar sua independência no combate ao desmatamento. Em seu lugar, o Governo pretende fortalecer uma força nacional de segurança ambiental subordinada ao Ministério do Meio Ambiente. “Esse foi um dos pontos de negociação com os EUA. Bolsonaro quer uma espécie de milícia oficial para substituir o Ibama e que dirija quais operações vão acontecer, como quando, contra quem e de que maneira”, explica.
Virgilio Viana, da Fundação Amazônia Sustentável, afirma que “o buraco é mais embaixo” quando o assunto é zerar o desmatamento na Amazônia e vê como improvável uma “metamorfose” do Governo Bolsonaro. Isso implicaria, segundo afirma, “em uma ruptura com a base do bolsonarismo, formada pelo agronegócio ligado à grilagem e à extração ilegal de madeira”. Os especialistas não descartam a implementação de sanções econômicas ao Brasil. “O cenário já está desenhado. A gente vem recebendo críticas, ameaças de boicote e desinvestimento. Não é algo que vai começar com a cúpula, isso já vem acontecendo. Com o realinhamento das nações mais emissoras para atingirem metas, vamos ficar excluídos do debate e as críticas ao Brasil tendem a aumentar nos próximos anos”, explica Guimarães, do IPAM.
Por Monica Prestes, de Manaus, e Vitória Régia da Silva
Via: Gênero e Núremo
Em Manaus, indígenas urbanos são excluídos dos planos de vacinação contra covid-19; falta de assistência do governo e dificuldades no acesso à saúde mobilizaram indígenas da Zona Oeste de Manaus a criar hospital de campanha
Vanda Ortega, 35, indígena da etnia witoto, é técnica de enfermagem indígena e agente de saúde voluntária na comunidade Parque das Tribos, maior comunidade indígena de Manaus (AM), que reúne mais de 700 famílias de 35 etnias diferentes na Zona Oeste da cidade. Devido ao fechamento ou mudanças no perfil de unidades de saúde, que passaram a receber apenas casos de covid-19, e à ausência de um plano específico para a saúde básica da população indígena urbana, Ortega, junto com outros voluntários, passou a andar de casa em casa visitando pacientes com sintomas, fazendo orientações e aplicando medicações. Quem apresentava estado mais grave era encaminhado para uma unidade de saúde. “Foi assim até o fim de 2020, quando não tínhamos mais nenhum caso na comunidade há quase três meses”, lembrou.
Em janeiro, os casos começaram a reaparecer e aumentaram em um ritmo tão intenso que se tornou impossível visitar todas as casas de pacientes. Os sintomas também eram outros e mais graves: em duas semanas de janeiro, os casos de baixa saturação, que demandam uso de oxigênio, já correspondiam ao dobro de todos os pacientes que precisaram de suporte respiratório no Parque das Tribos em todo o ano de 2020.
Fora da comunidade, Manaus estava com os sistemas de saúde público e privado colapsados, taxa de ocupação acima de 100% nas unidades de saúde públicas e fila de espera por leitos. No interior do estado, pessoas morriam sem assistência. Foi quando surgiu a ideia de ampliar a campanha para a doação de medicamentos, oxigênio medicinal e a construção de um hospital de campanha indígena no Parque das Tribos, tudo feito por voluntários.
“O terreno foi cedido pela igreja e já tinha uma cobertura, mas molhava muito. Precisávamos de lona e estrutura para o redário [que substituem as macas], remédios, oxigênio e EPIs [equipamentos de proteção individual] para os profissionais voluntários. Fomos para as redes sociais e, através dessa campanha, conseguimos tudo que precisávamos para começar os atendimentos. Começamos a atender dia 8 de janeiro e, em um mês, fizemos mais de 300 atendimentos, o que nos mostrou que havia uma demanda represada. Atendemos indígenas de outras comunidades e até não-indígenas de outros bairros, que não encontraram vaga em nenhum hospital da cidade”, destaca a técnica de enfermagem.
A iniciativa e o trabalho coletivo em prol do hospital, para Vanda Ortega, fazem parte da rotina de luta dos indígenas, acostumados a terem que, eles mesmos, brigarem por seus direitos. Antes da pandemia, essa falta de assistência já fazia parte da rotina dos indígenas urbanos, principalmente das mulheres indígenas, que têm na falta de acolhimento um dos maiores obstáculos no acesso à saúde, aponta a técnica de enfermagem.
No Brasil, são 896,9 mil indígenas, sendo 36% em áreas urbanas. O Amazonas é o estado com a maior população indígena no país, sendo que na capital são 168.680 indígenas, segundo Censo do IBGE de 2010. De acordo com organizações indígenas da região, o número atualmente já passa de 200 mil. A taxa de letalidade de indígenas em Manaus (7,3) é maior do que a taxa geral na capital (5,3), segundo a Fundação de Vigilância em Saúde – Governo do Estado do Amazonas, atualizada em 22 de março. A taxa de letalidade é a proporção entre pessoas contaminadas e o número de mortes. A taxa da capital é a segunda maior do estado, só ficando atrás do município de Maués, que tem taxa de letalidade de 8,1, o que mostra como a pandemia afetou de forma diferente a população indígena.
Segundo dados da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), o Amazonas é o estado com mais registros e óbitos de indígenas por covid-19 dos nove estados da Amazônia Legal. Foram confirmados 9.029 casos da doença e 304 óbitos, atingindo 38 povos do estado. Os dados contabilizados até 22 de março revelam que o Amazonas concentra mais de ⅓ das mortes de indígenas da Amazônia Legal e inclui os indígenas que vivem em terras demarcadas e os que vivem nas cidades. Por isso, os dados divergem das informações da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e do Governo Federal, que só contabilizam os casos entre indígenas aldeados.
Amazonas concentra 42% dos óbitos de indígenas entre os nove estados da Amazônia Legal
Menos da metade dos indígenas aldeados do Amazonas foram imunizados enquanto indígenas urbanos foram excluídos da vacinação.
“Parentes foram enterrados em valas, não pudemos nos despedir. As pessoas que perderam seus entes queridos não tiveram o choro, o canto. Há um ritual para essa passagem, e não ter isso significa que a gente não consegue liberar esse corpo para outras galáxias. Não tem essa passagem porque não teve o lamento daquela morte. Isso é uma tradição que em algumas comunidades dura dias, e que a pandemia impediu que acontecesse. Se para nós que vivemos na cidade é doloroso, imagina para os povos que têm isso ainda muito preservado, como os yanomami, que foram impedidos de enterrar seus bebês. É cruel demais. Não estamos preparados para uma terceira onda disso”, afirma Ortega.
Para Marcivana Sateré Mawé, da Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e do Entorno (Copime), a letalidade de indígenas na capital do Amazonas só não foi maior porque já existia, antes da pandemia, um processo de organização dos indígenas urbanos.
“Parentes foram enterrados em valas, não pudemos nos despedir. As pessoas que perderam seus entes queridos não tiveram o choro, o canto.
– destaca a técnica de enfermagem Vanda Ortega
“O município tem algumas ações voltadas para indígenas na cidade, mas na saúde ainda falta acesso a atendimento de alta complexidade. Dentro do hospital de campanha de Manaus, que foi criado pelo governo, tinha uma ala destinada à população indigena, mas na verdade essa ala não garantia esse atendimento e muitos indígenas não conseguiram acesso. O SUS não tem sido suficiente para atender a população indígena urbana e não temos nenhum apoio da Sesai”, alerta. As pautas da Copime são: direito à saúde e educação diferenciada, economia indígena e direito à terra.
Hipertensa e portadora de diabetes há 15 anos, a líder indígena Lutana Ribeiro, 46, da etnia kokama, precisou interromper o acompanhamento médico em 2020, por conta da pandemia. Ela contou que, pela primeira vez em mais de dez anos, não conseguiu fazer os exames necessários para monitorar a diabetes, a hipertensão, o colesterol e nem mesmo o preventivo contra o câncer.
“O médico pediu que eu me prevenisse porque sou do grupo de risco, mas, por mais que eu soubesse que os exames são importantes, meu medo era de me contaminar na fila, até porque a gente sabe que para essas gripes e vírus o indígena tem mais predisposição. Então me cuidei muito com chá caseiro, usando as plantas da floresta e nosso conhecimento tradicional para aumentar a imunidade. Foi assim que todo mundo aqui se cuidou”, contou Lutana, uma das lideranças da comunidade indígena Parque das Tribos.
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Ao contrário dos indígenas que vivem em terras demarcadas, que contam com a assistência e atendimento da Sesai, os indígenas urbanos são atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e são de responsabilidade dos municípios e estados. A distância da unidade de saúde, superlotação no transporte público e a transformação do perfil de algumas unidades de média complexidade para atendimento exclusivo a pacientes com sintomas do novo coronavírus, afunilando o atendimento já precário da saúde básica para pacientes não-covid, também contribuíram para afastar a família de Lutana dos médicos durante a pandemia. E não só a dela.
A indígena da etnia tukana Izolaide Tenório Pimentel, 37, perdeu um filho durante a pandemia, e não foi de covid-19. Ao menos não diretamente. Aos oito meses de gestação, ela sofreu um aborto que, para ela, foi um resultado da falta de assistência médica durante a gravidez.
Em oito meses, Iza – como é conhecida na comunidade Parque das Tribos, onde mora com o marido e os quatro filhos – só fez três consultas de pré-natal, entre as seis recomendadas como mínimo por obstetras. A gravidez, descoberta no início da pandemia, chegou ao fim com um aborto espontâneo na 38ª semana de gestação.
“Assim que descobri a gravidez, em abril de 2020, procurei uma casinha da saúde em um bairro próximo. Fiz exames de sangue, ultrassom, meu esposo até acompanhou. Depois começou a ficar ruim porque começaram a faltar profissionais de saúde. Só consegui fazer três consultas de pré-natal. Nas outras consultas a gente ia e o médico não estava, ou não conseguia vaga. Foi assim até o nono mês, quando tive um aborto espontâneo. Lembro que me senti mal e achei que ia nascer, mas quando cheguei na maternidade o doutor falou que ela não estava se mexendo mais, não batia o coração. Eu acredito que se talvez eu tivesse feito o pré-natal direitinho tivesse uma chance de salvar minha bebê”, lembra Iza, sobre aquele que seria seu quinto filho.
Segundo Lutana Ribeiro, líder indígena da etnia kokama que não fez acompanhamento das doenças crônicas na pandemia, só depois da construção do hospital de campanha do Parque das Tribos, a assistência para os indígenas com o novo coronavírus começou a melhorar. A reportagem entrou em contato com a Secretária Municipal de Saúde de Manaus, mas não obteve retorno.
O Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus (covid-19) em Povos Indígenas, o Plano Nacional de Vacinação contra covid-19 e a Lei 14.021/2020, que dispõem sobre medidas de proteção social para prevenção do contágio e da disseminação da covid-19 nos territórios indígenas, excluem os indígenas urbanos.
Por isso, o Supremo Tribunal Federal determinou no último dia 16 de março, que seja assegurada prioridade na vacinação contra a covid-19 dos povos indígenas de terras não homologadas e urbanos sem acesso ao SUS, em condições de igualdade com os demais povos indígenas. Segundo o ministro Luís Roberto Barroso, “não há providência mais essencial e inerente” do que a vacinação.
“Os indígenas urbanos nunca foram os grupos prioritários das campanhas de vacinação até mesmo antes da pandemia. Essa discussão e disputa já vêm de muito tempo. Estamos há um ano lutando pelo acesso à vacinação da covid-19 para indígenas na cidade e até agora não avançou nada. Mesmo com a decisão do Supremo, não houve nenhum movimento do governo para garantir isso. É lamentável. Não estamos travando essa disputa só por Manaus, mas para todo o estado e o país”, disse Marcivana Sateré Mawé.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) critica, em nota, a redução da vacinação prioritária apenas ao que se definiu arbitrariamente como “indígenas aldeados”, que leva à exclusão dos indígenas que vivem nas cidades. “Nessa situação grave de pandemia sanitária, excluir grupos indígenas do acesso à política de saúde pública é um contrassenso político e humanitário. É importante salientar que vários grupos indígenas que estão nos centros urbanos têm como um dos motivos para estarem nestes locais a expulsão dos seus territórios por invasores, portanto, um ato de violência que não justifica sua exclusão. O fato do indígena estar fora da aldeia não faz com que ele deixe de ser indígena.”
Atendemos indígenas de outras comunidades e até não-indígenas de outros bairros, que não encontraram vaga em nenhum hospital da cidade”
– disse a agente de saúde voluntária Vanda Ortega.
Das mulheres indígenas entrevistadas para essa reportagem, apenas Vanda Ortega foi imunizada, mas não por ser indígena, e sim por ser profissional da saúde. Enquanto na cidade, os indígenas esperam que os municípios e estados cumpram a decisão do Supremo, nas terras demarcadas, indígenas aldeados que estão entre os grupos prioritários ainda sofrem dificuldades para o acesso à vacina. Apenas 34,8% dos indígenas aldeados da Amazônia Legal foram imunizados, sendo que no Amazonas esse número é um pouco maior, 42%, segundo dados da Sesai.
Além disso, a pesquisa “Vacinação contra covid-19 é mais lenta para indígenas da Amazônia”, da Open Knowledge, divulgada na terça-feira, dia 23, revela que apenas um terço dos indígenas vacinados estão na região (apesar de 60% dessa população viver ali) e que a velocidade de aplicação nos indígenas é menor que em outros grupos; entre os profissionais de saúde, por exemplo, é 13 vezes maior; 67% já receberam a primeira dose contra 55% dos indígenas. A pesquisa mostra também a ausência de registros de raça/cor em unidades da federação e alerta para o fato de que o não detalhamento das etnias indígenas de pessoas vacinadas impossibilita o acompanhamento efetivo da imunização.
Para Ortega, técnica de enfermagem que se formou em 2012 mas só conseguiu entrar no mercado de trabalho em 2018, a inclusão dos profissionais de saúde indígenas no sistema de saúde pode ajudar a transformar esse cenário, além de criar oportunidades para essa população nos centros urbanos. “Nós temos enfermeiros, médicos, técnicos, assistentes sociais, psicólogos que conhecem e respeitam nossa cultura, que podem dar esse acolhimento que falta para o paciente indígena, especialmente as mulheres gestantes, sem esquecer do espaço importante que nossa cultura ocupa em nosso cotidiano. Precisamos que essas pessoas que fazem parte de nossas vidas estejam presente nesses espaços”, finaliza.
*Monica Prestes é colaboradora e Vitória Régia da Silva é repórter da Gênero e Número
“Os grandes só parecerão grandes enquanto
os pequenos estiverem de joelhos.
Mas, quando os pequenos se levantarem,
todo gigante cairá por terra”
Pierre Joseph Proudhon
Embalados pelo rufar dos tambores de nossas raízes indígenas e quilombolas, partilhamos o chibé e o açaí, na Amazônia Paraense, nos dia 05 e 06 de agosto de 2017, no Barracão da Comunidade Remanescente de Quilombo Laranjituba e África. Reunidas e reunidos nós discutimos a mobilização social e defesa dos nossos territórios no nordeste paraense, frente aos grandes projetos de infraestrutura que vêm sendo implementados sem consulta prévia, livre e informada, desrespeitando a autodeterminação e autogoverno dos povos tradicionais, violando a legislação nacional e os tratados internacionais, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Nossas florestas choram, nossos igarapés secam e nosso povo morre antes mesmo de conhecer seus descendentes, consequência deste “desenvolvimento” que destrói modos de vida. Os projetos de ampliação da malha logística do país consideram a Amazônia um conjunto de florestas sem gente e sem cultura. Para nós é impensável que as terras sejam destinadas para monocultivo de commodities, que nossas terras sejam destinadas para o transporte de minério e que nossos modos de vida não sejam levados em consideração.
O governo do Pará decidiu à revelia dos povos indígenas, quilombolas, camponeses e demais comunidades tradicionais a construção da Ferrovia Paraense, um empreendimento que cortará os estado de norte a sul (Santana do Araguaia a Barcarena) em cerca de 1.312 km, tudo para favorecer o agronegócio e as transnacionais da mineração no seu intento de atender as demandas dos grandes mercados da Europa, Estados Unidos, China e Japão, entre outros. Ocorre que esta ferrovia se soma a um conjunto de outros empreendimentos que, associados, acelerarão o processo de destruição da Amazônia e o empobrecimento das populações locais. Norsk Hydro, Glencore, Siemens, Cargil, Russian Highways, VLI Multimodal S.A., Ecovias, Camargo Corrêa, Construcap Engenharia, Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e Vale são algumas empresas que negociam participação no empreendimento. Além disso, empresários italianos, chineses, russos, coreanos e japoneses também têm participado das audiências publicas que tratam da licitação.
Denunciamos o Estado Brasileiro, o governo estadual e seus aliados que impõem um desenvolvimento que não nos representa; que traz ferrovias, portos, hidrovias, hidrelétricas, expulsa as pessoas de suas terras, acaba com nossa comida, esfacela nosso povo, destrói nossas culturas, contamina nossos rios e igarapés, polui nosso solo, mata nossas florestas em nome de um projeto neoliberal que traz uma perspectiva de progresso baseado na exploração sem limite dos bens comuns.
Nossos direitos são inegociáveis. Por isso, recusamos aceitar um posto de saúde em troca de uma ferrovia em nossos territórios. Acesso à saúde, educação, condições para produzir e comercializar devem ser encarados como políticas públicas e direitos que nos são assegurados constitucionalmente e não como moeda de troca para permitir a entrada de empresas em nossos territórios para saquear nossos recursos naturais, ameaçar a nossa segurança e soberania alimentar, violentar nossa cultura e nossos modos de vida e colocar em risco a sustentabilidade das futuras gerações.
Repudiamos os retrocessos na legislação brasileira como a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3239, proposta pelo Partido Democratas, que questiona a existência de nossos territórios quilombolas, assim como a Lei do Marco Temporal que quer definir um limite de tempo para a ocupação e o reconhecimento de terras indígenas.
Entendemos que a defesa da Amazônia não é apenas luta nossa, mas também de responsabilidade das populações dos países cujas empresas estão saqueando nossos territórios e desestruturando nossos modos de vida
Por isso, exigimos que sejamos ouvidas e ouvidos em quaisquer projetos que envolvam nossos territórios, e que a Convenção 169 seja respeitada e cumprida, a fim de que os modos de vida dos povos indígenas, quilombolas, camponeses e demais comunidades tradicionais sejam respeitados, garantidos e preservados.
Somos um povo que luta por seus direitos.
Nenhuma ferrovia em nossos territórios, nenhum direito e nem um palmo de chão a menos!
Quilombo Laranjituba e África – Abaetetuba/PA, 06 de Agosto de 2017.
ORGANIZAÇÕES DE BASE
Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombolas das Ilhas de Abaetetuba (ARQUIA)
Associação dos Moradores Quilombolas do Moju-Miri (AQMOMI) – Município de Moju
Associação Indígena Tembé de Tomé Açu (AITTA)
Comunidade Espírito Santo do Guajarauna – Município do Moju
Comunidades Agroextrativista Ramal do Pirocaba – Município de Abaetetuba
Comunidades Agroextrativistas Camiri, Velasco e Santa Maria do Icatu e Associação Emanuel – Município de Igarapé-Miri
Comunidades Remanescentes de Quilombo Laranjituba, África, Samaúma, Caeté, Ramal Médio Itacuruçá, Bacuri, Arapapu, Acaraqui, Ipanema, Arapapuzinho – Município de Abaetetuba
Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará – Malungu
Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará (FETAGRI)
Grupo de Mulheres Agroecológico Fênix de Santo Antônio do Tauá e Vila dos Remédios
Remanescentes de Quilombo Cupuaçu – Município de Barcarena
Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais de Abaetetuba
Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais de Barcarena
Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais de Igarapé-Miri
Terra Indígena Turé-Mariquita I – Aldeia Tekenai, Aldeia Nova – Município de Tomé-Açu
Território Quilombola Santa Rosa dos Pretos – Itapecuru-Mirim (Maranhão)
União das Comunidades Quilombolas de Itapecuru-Mirim (UNIQUITA)
APOIOS
Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB)
Caritas Norte II
Conselho Indigenista Missionário Regional Norte 2 (CIMI)
FASE Programa Amazônia
Fórum da Amazônia Oriental (FAOR)
Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense (FMAP)
Fundo Dema
Grupo de Estudo e Pesquisa: Memória, Formação Docente e Tecnologia (GEPEME)
Grupo de Estudo Sociedade, Território e Resistência na Amazônia (GETERRA/UFPA)
Grupo de Estudos Desenvolvimento Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA)
Grupo de Estudos sobre a Diversidade da Agricultura Familiar (GEDAF/UFPA)
Grupo de Estudos Sociedade Ambiente e Ação Pública (SAP/UFPA)
Grupo de Pesquisa Sobre Estado, Território, Trabalho e Mercados Globalizados (GETLAM/NAEA-UFPA)
Grupo de Pesquisa Territorialização Camponesa na Amazônia (GPTCA/UFPA)
Movimento Barcarena Livre
Movimento Camponês Popular (MCP)
Movimentos dos Atingidos por Barragens (MAB)
Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA)
Rede Justiça nos Trilhos – JnT Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará (SINTEPP)
Fonte: Fundo Dema