A solidariedade entre as mulheres que faz com que campanhas contra o silenciamento ganhem espaço e se tornam importantes armas contra o machismo, as opressões e a misoginia, nas redes sociais e fora delas.
Ativista participa de manifestação contra Cunha |Crédito: Roberto Parizotti/SecomCUT
O ano de 2015 foi, definitivamente, um ano de lutas para as mulheres, sobretudo no Brasil. Já em 9 de março de 2015 a presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei do Feminicídio, que torna crime hediondo o assassinato de mulheres apenas por serem mulheres.
Além disso as principais capitais do Brasil protagonizaram atos em defesa do direito das mulheres e contra o retrocesso. Brasília recebeu em agosto a Quinta Marcha das Margaridas, que reuniu agricultoras, sindicalistas, indígenas e quilombolas; a Primeira Marcha das Mulheres Negras – Contra o Racismo, a violência e pelo bem viver, que reuniu 10 mil mulheres em Brasília buscando dar voz às mulheres negras, que lutam contra o machismo, o racismo, possuem os menores salários e ocupam os piores cargos; as Mulheres Contra Cunha, que protestaram no Rio de Janeiro e São Paulo contra o PL 5.069/2013,de autoria do presidente da câmara Eduardo Cunha (PMDB -RJ), que dificulta o atendimento às mulheres que sofreram violência sexual, principalmente no que tange à profilaxia adequada.
“O Mulheres contra Cunha e o PL 5069, que no Rio de Janeiro se desdobrou em passeatas no dia 28 de outubro e 12 de novembro (além da tradicional marcha de combate a violência contra mulher do dia 25 de novembro) foi uma demonstração do desejo das mulheres do Brasil de virarem a mesa dizendo não ao machismo e ao capitalismo. Eduardo Cunha, atual presidente da Câmara e autor dos projetos que prejudicam a vida da mulher trabalhadora, negra e indígena (PL 5069, PEC 215, redução da maioridade penal, terceirização do trabalho) é um símbolo do conservadorismo assassino do patriarcado brasileiro e nosso inimigo. Ele precisa cair. Como diz a canção ‘se a mulherada se unir o Cunha vai cair’”, afirma Mariana Patrício, uma das organizadoras do movimento Mulheres Contra Cunha.
Revistas nacionais tiveram como capa os movimentos das mulheres e intitularam as ações de “primavera das mulheres”, abrindo espaço para as reivindicações, contra a opressão machista e cruel.
Para a jornalista Juliana Gonçalves, coordenadora da área de comunicação do Centro de estudos das relações de trabalho e desigualdade (Cert), militante da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial de São Paulo (Cojira) e uma das organizadoras da Marcha das Mulheres Negras no Estado de São Paulo o ano de 2015 foi muito produtivo para as mulheres, sobretudo para as mulheres negras, que conseguiram ter mais voz e mostrar suas especificidades na luta: “a movimentação toda da questão em torno das mulheres foi extremamente importante, acho que a gente conseguiu expor e dar visibilidade para as mulheres de modo geral e das mulheres negras, de modo a não desrespeitar as nossas especificidades, tanto é que conseguimos chamar a atenção de grupos que ignoram as pautas dos movimentos sociais, como a semana em que as principais revistas nacionais deram capa às manifestações das mulheres”, diz.
Ela relembra que as mulheres negras sempre estiveram organizadas e que agora começam a ter visibilidade: “as mulheres negras sempre estiveram trabalhando de maneira orgânica nos movimentos sociais de diversos grupos. O que acontece diversas vezes é que a gente tá lá segurando o piano e que a gente não sai na foto, não é reconhecida, valorizada, acho que estamos conseguindo abalar as estruturas e que nossa voz está sendo aos poucos ouvida”, afirma a jornalista.
Feminismo
A internet contribuiu positivamente para a articulação de atos e estratégias contra o silenciamento, misoginia e machismo.
As hashtags “meu amigo secreto”, “não poetize o machismo”, “agora é que são elas”, “chega de fiu fiu” e “meu primeiro assedio” são alguns dos exemplos de campanhas nas redes sociais que levaram milhares de mulheres a contarem sobre o machismo que sofreram e sofrem.
A idealizadora da hashtag “Agora é que são elas”, Manoela Miklos, 32, doutora em Relações Internacionais propôs a ocupação por mulheres dos espaços em colunas, jornais, revistas e blogs de escritores homens, durante uma semana.
Ela conta como surgiu a hashtag em um momento político delicado, de retrocesso: “Uma onda conservadora trouxe a agenda pro centro das atenções com movimento infinitamente perverso: a aprovação pela CCJ do PL 5069/2013. Aí fomos pra rua. Isso tudo em meio a uma reação belíssima ao episódio terrível do Masterchef: a criação por parte das meninas geniais do Think Olga do #meuprimeiroassedio e os tantos relatos que foram compartilhados, os silêncios quebrados”, relata.
Manoela enfatiza que a experiência nos atos foi essencial para ecoar a necessidade da voz das mulheres ser ouvida, contra o silenciamento e pelo protagonismo feminino: “Dos atos das Mulheres contra Cunha,, o que ficou pra mim foi o som: milhares de mulheres. A coisa mais forte. Mais potente que eu já ouvi. Da onda de relatos do #meuprimeiroassedio, também. Vozes femininas caladas se pronunciado, contando segredos. Na semana que seguiu, eu e um grupo de amigas e amigos nos incomodamos com como as narrativas, em todos os meios, sobre esses momentos de vozes femininas se elevando eram masculinas. Homens contando o que viram, ouviram, leram. E falando sobre a necessidade de ouvir. Mas falando. E eu fiz uma provocação no Facebook, na minha página pessoal. E se os colunistas todos, os blogs todos, os homens com espaço de fala garantido se calassem nesse momento? Se de fato ouvissem ao inves de falar sobre ouvir? E se seus espaços fossem ocupados por mulheres? Cade essas vozes que eu ouvi na rua, que estavam nas redes?”.
A advogada feminista Rosângela Cristina Martins, do GT de Gênero da Uneafro Brasil, participou da campanha “Agora é que são elas” e escreveu na coluna de Douglas Belchior, na Carta Capital, mencionando como o poder punitivo do Estado interfere na vida das mulheres.
Rosângela fala da importância das redes sociais para a popularização do feminismo, mas lembra que é necessário muito mais para desconstrução de um problema enraizado: As redes sociais fazem parte de um conjunto de instrumentos que podem e devem ser usados para denunciar, mobilizar, reivindicar, etc., mas que, isoladamente, não têm força para desconstruir um comportamento machista enraizado e tido como “naturalizado” em nossa sociedade. É preciso muito mais”.
O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) utilizou a frase de Simone de Beauvoir, “Não se nasce mulher, torna-se mulher” em uma das questões na prova deste ano, endossando a necessidade e importância da discussão de gênero e a resistência feminina.
Rosângela relembra que foi muito gratificante ver a felicidade de alunas de cursinhos populares comemorando o Enem, que pela primeira vez trouxe elementos que compõe a pauta da Uneafro.
Para Semayat Oliveira, jornalista do coletivo “Nós, mulheres da periferia” o ano de 2015 foi muito frutuoso, contando com exposição do projeto “Quem Somos [ Por nós ]” no Centro Cultural da Juventude, na Zona Norte de São Paulo, além do contato com mais de 100 mulheres de regiões periféricas de São Paulo que são “invisíveis” para maior parte da sociedade.
Semayat relata sua experiência pessoal com as campanhas online, que julga importantes e fortes: “acredito que toda e qualquer inciativa que permita que as mulheres se sintam seguras para falar, expor, desvendar seus medos, dores e violências significa a construção de mais um degrau para a uma sociedade onde as relações sejam sustentáveis e saudáveis. Não é saudável sentir medo de falar, de caminhar após as 22h da noite, de usar o transporte público, carregar culpas e culpas nas costas que nem são nossas. E a partir da fala, da expressão, seja ela em um texto, em uma fotografia, em uma tela de pintura ou num desabafo de três linhas no Facebook, começamos a construir novas formas de valorizar nossas histórias e como as traçaremos daqui em diante”, fala.
Fonte: Brasil de Fato, por Norma Odara