Protesto do MPL nem havia saído quando Daniel Arroyo foi atingido por bala de borracha na perna; questionados, policiais que trabalhavam no ato disseram que ‘não poderiam fazer nada’
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O fotojornalista da Ponte Daniel Arroyo, 39 anos, levou um tiro de bala de borracha no joelho direito, disparado pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, na tarde desta quarta-feira (16/1), quando cobria o segundo ato do MPL (Movimento Passe Livre) contra o aumento da tarifa do transporte público municipal, de R$ 4 para R$ 4,30.
O tiro que atingiu Arroyo foi a culminação de uma série de ataques e provocações lançados pela PM contra manifestantes e jornalistas ao longo da tarde. Pela segunda vez, o ato contou com a presença de policiais identificados com um colete azul onde se lia a palavra “mediador”. Os PMs mediadores deveriam ter a função de dialogar com os participantes do protesto para evitar violências. Na tarde desta quarta, contudo, houve pouca mediação e sobraram tiro, porrada e bomba.
Arroyo foi alvejado antes mesmo de o protesto começar. O grupo de manifestantes ainda estava concentrado na Praça do Ciclista, na Avenida Paulista, na região central da cidade de São Paulo. Os manifestantes ainda negociavam com a PM o trajeto que pretendiam percorrer, ao mesmo tempo em que faziam um jogral para comunicar suas reivindicações. Nesse momento, os policiais avançaram sobre o grupo e arrastaram um dos participantes do protesto para “averiguação”. Houve correria e colegas do rapaz arrastado tentaram impedir os PMs de levá-lo. A reação da PM veio na forma de tiros de bala de borracha.
“Um PM à queima-roupa deu um tiro de bala de borracha nesse primeiro manifestante, depois deu um segundo tiro. No que deu o segundo tiro, me acertou. Eu estava a três metros dele”, conta Arroyo.
O fotojornalista Daniel Arroyo relata como foi atingido por bala de borracha pela @PMESP e os policiais se recusaram a socorrê-lo. (continua) pic.twitter.com/6WjZxiSE1K
— Ponte Jornalismo (@pontejornalismo) 16 de janeiro de 2019
Segundo as próprias normas da Polícia Militar, que constam de um documento secreto revelado pela Ponte, os tiros de bala de borracha só podem ser disparados a uma distância de pelo menos 20 metros, contra um “agressor ativo, certo e específico”. As imagens gravadas por Arroyo do momento em que foi baleado mostram que os policiais não seguiram nenhum dos seus procedimentos:
Momento em que o fotojornalista da #Ponte Daniel Arroyo leva um tiro de bala de borracha da PM de SP durante manifestação contra reajuste da tarifa do transporte. Ainda no local, reportagem foi questionar corporação e pedir auxílio, mas recebeu um “não posso fazer nada” pic.twitter.com/LzgyjzTrTk
— Ponte Jornalismo (@pontejornalismo) 16 de janeiro de 2019
“No momento em que ele foi atingido, os manifestantes estavam sentados ainda na praça, e do nada a polícia lançou bombas, deu correria e vieram os disparos. Não dá pra saber exatamente de onde partiu, mas foi nesse contexto. O ato nem chegou a sair, a polícia ‘envelopou’. Não queria que saísse”, relatou o repórter da PonteArthur Stabile.
Após ser baleado, Arroyo se dirigiu aos oficiais que comandavam a tropa, em busca de socorro. “Comandante, desculpa incomodar vocês, mas fui baleado com bala de borracha”, avisou. Os PMs abanaram os braços e disseram “não podemos fazer nada”. O fotógrafo se dirigiu por conta própria a um pronto-socorro, no Hospital São Camilo, no Ipiranga, zona sul. Ele foi medicado e passa bem.
Antes de o fotojornalista ser atingido, a PM já havia feito uma série de investidas contra os membros do MPL. Diversos manifestantes foram abordados e revistados aleatoriamente. Indagados pela reportagem, os policiais afirmaram que agiam com base em “fundadas suspeitas”, mas não disseram quais.
Após o tumulto, o ato seguiu de maneira pacífica até a Praça Roosevelt, na região central, onde se dispersou. Ali, um grupo de aproximadamente 20 manifestantes “autonomistas”, que não fariam parte do MPL, se dirigiu até o bairro da Santa Cecília, onde, segundo testemunhas, passou a jogar lixo nas ruas e andar em meio aos carros em movimento. Policiais do Caep detiveram pelo menos cinco desses manifestantes e os levaram até o 2º DP (Bom Retiro).
‘Na missão de zoar jornalista’
Segundo Arthur Stabile, “o clima estava tenso especialmente contra a imprensa”. Em vídeos gravados pela Ponte, policiais militares do Caep avançaram de escudo contra os repórteres e chegaram a lançar uma bomba de gás contra um grupo, formado apenas por jornalistas, que acompanhava uma abordagem.
O jornalista João De Mari, 21 anos, sentiu o mesmo, embora participasse do ato como manifestante e não como repórter. Ele relata que policiais o abordaram na esquina das ruas Consolação e Araújo, quando se dirigia à manifestação, e zombaram dele quando descobriram qual era sua profissão. “Um deles veio atrás de mim, me puxou pelo braço, me encostou na parede e me enquadrou. Na sequência, começou a tirar sarro de mim”, conta Mari.
As zombarias começaram quando os PMs viram que Mari carregava uma bolsa com a inscrição da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). “Ele me zoou que eu era jornalista e que qualquer um poderia ser jornalista, que não precisava de diploma”, diz. Quando o jovem contou que trabalhava na Casa do Povo, localizada no Bom Retiro, a duas quadras do Comando Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, os policiais disseram em tom ameaçador: “Quer dizer que vocês ficam pertinho do Comando?”. Antes de deixar Mari ir, um dos policiais ficou com sua bolsa. “Eu pedi de volta e ele se negou, dizendo que ia devolver depois. Os caras hoje saíram na missão de zoar jornalista”, desabafa.
Apesar dos registros da reportagem, a conta oficial do Twitter da PM parecia tratar de um evento que acontecia em outro local. Em um dos tuítes, informou que “alguns participantes do ato, não havendo acordo entre o Mediador e os manifestantes tentam quebrar a ordem. Ação policial para contenção e restabelecimento da ordem”.