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O vazamento de conversas entre o atual Ministro da Justiça e o chefe dos procuradores da Lava Jato mostram que os ‘heróis’ de parte da população podem ser parte de um grande jogo político

Por Athayde Motta(*)

O vazamento que expôs evidências de que houve conluio entre o ex-juiz Sergio Moro e a turma da Lava Jato traz de novo para o centro do debate o problema da corrupção. Não porque essa seja uma questão incontornável, que esteja gravada no DNA da sociedade brasileira, como alguns gostam de dramatizar. Como quase tudo nessa vida, a corrupção não é um problema de indivíduos, mas de um sistema capitalista periférico e especialmente vulnerável à sanha predatória de empresários, classe política e agentes públicos, literalmente envolvendo qualquer um que esteja no meio dessa “cadeia improdutiva”.

E se há a impressão de que a corrupção é endêmica, isso só ocorre porque a impunidade de políticos ricos e poderosos infecta toda a sociedade. Em seu patético vídeo para as redes sociais após o vazamento noticiado pelo The Intercept Brasil, o chefe dos procuradores da Lava Jato, Deltan Dallagnol, lê um script que parece ter sido feito por um daqueles gerentes de crise de séries da TV americana. Cada ponto da fórmula que elevou o inexpressivo e desarticulado Sérgio Moro a herói nacional está repetido ali, incluindo a contabilidade exagerada que daria justeza e solidez à lambança jurídica e política que é a Lava Jato.

Segundo Dallagnol, a Lava Jato já teria processado 400 pessoas e condenado 150 que, coletivamente, estariam cumprindo mais de 2 mil anos de prisão. O saldo financeiro seria de mais de R$ 13 bilhões; e mais R$ 1 bilhão já estaria retornando para os cofres públicos. Se a ideia é produzir contas que impressionam, suponhamos que cada um desses 400 acusados fosse um corrupto do nível de Geddel Vieira Lima, que mantinha R$ 51 milhões em espécie em um apartamento em Salvador e teria distribuído mais de R$ 170 milhões em propinas a agentes públicos. Fica claro que medir a performance da Lava Jato em cifras e números só se justifica para engrossar a fantasia moralista de que a corrupção é o mal maior desse país. Seus impactos negativos sobre a frágil democracia brasileira têm sido, ao longo dos últimos cinco anos, infinitamente maiores.

Mas a impressão sobre a perenidade da corrupção prevalece e tem enorme apelo entre ricos, classe média e pobres — ainda que se possa argumentar que os interesses, percepção e experiências de cada classe com a corrupção sejam totalmente distintos. Por quê? Vale lembrar aqui da saga de outro aventureiro inconsequente, intelectualmente limitado, falastrão e corrupto que já havia se utilizado dessa espécie de obsessão nacional. Fernando Collor de Mello acabou deixando a Presidência da República tentando deter um impeachment que parecia certo. Levado adiante, o processo acabou por condená-lo por corrupção (surpresa!) e retirou seus direitos políticos por oito anos. Isso encerrou a carreira política de Collor? Não. Absolvido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de várias ações criminais, Collor voltou tranquilamente à vida pública, ironicamente, pela via do voto. Atualmente, é senador da República representando o estado de Alagoas pelo Partido Trabalhista Cristão (PTC).

O exemplo de Collor demanda um questionamento elementar. Qual é o resultado concreto da Lava Jato na prática de corrupção no Brasil? Após cinco anos, há alguma evidência de que ela diminuiu? A formação de quadrilha entre agentes econômicos e agentes públicos para assaltar os cofres públicos está dando qualquer sinal de que tenha arrefecido? Existe qualquer indicador possível para avaliar tal hipótese? Porque se depois de mil mandados de busca e apreensão, prisão temporária, prisão preventiva e condução coercitiva e 61 fases operacionais, algumas realizadas de forma espetaculosa e eticamente questionável, envolvendo funcionários de estatais, políticos de destaque (presidentes, parlamentares e governadores) e grandes empresários, não há resultado concreto na diminuição da corrupção, então aquela que muitos consideravam a ”maior operação contra a corrupção da história do país” só conseguiu comprometer a isenção do Ministério Público Federal e corromper o Estado Democrático de Direito. Os heróis de barro que criou se derretem à vista do público.

Não há dúvida de que a corrupção é um mal que traz grandes prejuízos ao Brasil. Mas esbravejar e empreender uma guerrilha messiânica e punitivista contra a corrupção só tem servido, até aqui, aos interesses escusos de criminosos e corruptos. As suspeitas sobre Sérgio Moro vêm desde o escândalo do Banestado. Sua passagem de juiz a ministro da Justiça deixou claro que ele não se importa com questões de lisura e decoro. Sua prometida vaga no STF só confirmou o comportamento imoral de alguém cuja profissão é baseada justamente em uma aparência inquestionável de retidão moral. Já o próprio Dallagnol, provando que está jogando em time de uma liga a qual ele não pertence, tentou criar uma fundação privada com um fundo patrimonial bilionário composto integralmente de recursos públicos, uma operação tão obviamente suspeita que só restou à turma da Lava Jato recuar da ideia.

E não há realmente a necessidade de se falar do presidente Bolsonaro, corrupto confesso, e de seus filhos. As evidências de que suas carreiras políticas, e patrimônios, foram construídas sobre um misto de corrupção de baixo clero com o envolvimento suspeito com milícias cujas atividades envolvem crimes de vários tipos têm sido amplamente discutidas até por setores conservadores da sociedade.

Ao fim, fica claro que o combate à corrupção não é mais importante que a proteção do Estado Democrático de Direito. Pelo contrário, qualquer possibilidade histórica de ao menos contê-la passa pelo fortalecimento da democracia brasileira e pela convicção inequívoca de que empresários e políticos comprovadamente corruptos devem ser condenados principalmente pela sociedade. É um julgamento moral — e não moralista — que não deveria se limitar a condená-los à prisão. Deveria, de fato, desqualificá-los para participar da vida econômica e pública do país. Arrivistas como Moro e Dallagnol jamais acabarão com a corrupção porque, na primeira oportunidade, utilizaram-se dela para autopromoção. Infelizmente, é isso que os transforma em heróis aos olhos de quem só condena a corrupção da boca para fora.

*Athayde Motta é antropólogo, da diretoria executiva da Abong e diretor do Ibase

(Fotos: Lula Marques e Fabio Rodrigues)

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