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O mais importante ator social que trata da crise climática na Europa é a “juventude, uma impressionante força que tem invadido as ruas e praças do continente”

Por Patricia Fachin do IHU Online

 

 emergência climática “já é, e vai se tornar ainda mais nos próximos anos, a questão política central de nossa época”, diz o sociólogo Michael Löwy à IHU On-Line. Defensor do ecossocialismo, um “modelo de civilização baseado na justiça social, na igualdade, na democracia, na solidariedade e no respeito por nossa Casa Comum”, ele explica por que a catástrofe ambiental ainda não está no centro das políticas das esquerdas. “Durante muito tempo, em particular no decorrer do século XX, a esquerda apostava no ‘desenvolvimento das forças produtivas’, no produtivismo e no consumismo, considerando a questão ecológica como um detalhe, ou um assunto ‘pequeno-burguês’”. Segundo ele, “na medida em que, no século XXI, o debate climático se torna decisivo, há uma evolução positiva, ainda que parcial e desigual” desta preocupação entre os partidos progressistas.

Radicado na França desde os anos 1960, Löwy avalia que “o mais importante ator social” que trata da crise climática na Europa é a “juventude, uma impressionante força que tem invadido as ruas e praças do continente”. O movimento da juventude, que é “simbolizado pela bela figura de Greta Thunberg, não é homogêneo politicamente, embora sua tendência seja de radicalização. Os setores mais conscientes do movimento se reconhecem na palavra de ordem ‘Mudemos o sistema, não o clima!’. Trata-se, implicitamente, de uma perspectiva anticapitalista”, explica.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Michael Löwy reflete sobre as vantagens do ecossocialismo e frisa que a Encíclica Laudato Si’ deveria ser lida pela esquerda: “A esquerda deveria ler este documento e se inspirar no seu diagnóstico sobre a urgência de salvarmos nossa Casa Comum, a Mãe Terra”.

Michael Löwy é brasileiro, radicado na França. Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo – USP, possui doutorado na Sorbonne. Em Paris, trabalha como diretor de pesquisas no Centre National de la Recherche Scientifique – CNRS; também já dirigiu um seminário na École des Hautes Études en Sciences Sociales.

Entre suas publicações, destacamos “Centelhas – marxismo e revolução no século XXI”, escrito com Daniel Bensaïd (São Paulo: Boitempo, 2014), “Afinidades revolucionárias” (São Paulo: Unesp, 2016), “A jaula de aço: Max Weber e o marxismo weberiano” (São Paulo: Boitempo, 2014) e “O que é o cristianismo da Libertação” (São Paulo: Editora Perseu Abramo, 2017).

 


IHU On-Line – O senhor tem defendido que é preciso pensar saídas políticas diante da gravidade climática. Como essa questão tem sido tratada no interior das esquerdas, na sua avaliação?

Michael Löwy – A crise climática, ameaça sem precedente para a vida neste planeta, já é, e vai se tornar ainda mais nos próximos anos, a questão política central de nossa época. A esquerda está pouco a pouco tomando consciência da gravidade do desafio, mas ainda de forma desigual, e, salvo exceções, insuficiente. Em geral, as forças social-democratas, ou de centro-esquerda, ainda estão presas ao modelo “desenvolvimentista” e ao culto do “crescimento” (do PIB); nas forças da esquerda mais radical, antineoliberal, ou anticapitalista, existe um início de consciência ecológica.

 

Alguns críticos afirmam que a esquerda não está preocupada com a questão ambiental e climática, a exemplo das políticas desenvolvimentistas adotadas pelos governos progressistas na América Latina. Qual é o paradigma político da esquerda hoje?

ML – Na verdade, os governos mais radicais, da esquerda “bolivariana” – Chávez, Correa, Evo Morales – reconheciam a importância da questão ecológica, mas entre seus discursos e a prática ia uma grande distância. A economia destes países continuou a estar baseada, em grande medida, nas energias fósseis responsáveis pela mudança climática.

 

Por que o debate climático ainda não é uma pauta central para as esquerdas?

ML – Porque durante muito tempo, em particular no decorrer do século XX, a esquerdaapostava no “desenvolvimento das forças produtivas”, no produtivismo e no consumismo, considerando a questão ecológica como um detalhe, ou um assunto “pequeno-burguês”. Mas na medida em que, no século XXI, o debate climático se torna decisivo, há uma evolução positiva, ainda que parcial e desigual.


Na França e nos países da União Europeia que o senhor acompanha, quem são os atores sociais e políticos que chamam atenção para a questão ambiental hoje?

ML – Na Europa, os partidos verdes reconhecem a importância da questão ambiental. Mas com a exceção de algumas correntes “verdes vermelhas”, sua estratégia consiste em tentar corrigir os “excessos” produtivistas do sistema, apostando em um capitalismo verde. As forças da esquerda radical, em particular os anticapitalistas, rejeitam esta concepção, mas nem todos colocam, como os ecossocialistas, a questão ambiental, e em particular a questão climática, no centro de seu programa e de sua estratégia.

O mais importante ator social neste combate na Europa é a juventude, uma impressionante força que tem invadido as ruas e praças do continente.


Hoje surgem novas lideranças, algumas jovens, como a ativista sueca Greta Thunberg. O senhor vê nesses novos ativistas uma identificação com outras pautas de esquerda? Se sim, quais?

ML –  Este movimento de juventude, simbolizado pela bela figura de Greta Thunberg, não é homogêneo politicamente, embora sua tendência seja de radicalização. Os setores mais conscientes do movimento se reconhecem na palavra de ordem “Mudemos o sistema, não o clima!”. Trata-se, implicitamente, de uma perspectiva anticapitalista.


Em artigo o senhor cita a seguinte pergunta feita pelo historiador Richard Smith: “Se for impossível aplicar reformas no capitalismo a fim de colocar os benefícios a serviço da sobrevivência humana, que outra alternativa existe senão optar por um gênero de economia planificada no nível nacional e internacional?” É possível defender esse modelo econômico nos dias de hoje? Quais seriam as vantagens e desvantagens desse modelo em relação ao modelo econômico dominante?

ML –  A economia de mercado, isto é, o capitalismo, se revela cada dia mais incapaz de enfrentar os desafios da crise ecológica, que necessita uma reorganização geral da produção e do consumo, em função de critérios não mercantis. Isto necessita uma planificação democrática – algo totalmente distinto da planificação ditatorial e burocrática da finada URSS – na qual a própria população decide o caminho para a transição ecológica.

 

Ao explicar o ecossocialismo, o senhor diz tratar-se de “uma política econômica visando às necessidades sociais e ao equilíbrio ecológico e, portanto, fundada em critérios não monetários e extraeconômicos”. Pode explicar essa ideia? Que tipo de necessidades sociais esse modelo atenderia e como ele garantiria o equilíbrio ecológico?

ML –  As necessidades sociais e o respeito aos equilíbrios ecológicos seriam, numa transição ao ecossocialismo, os critérios para a política econômica, no lugar da acumulação do lucro, do capital e das “partes de mercado”. Seria a própria população a decidir quais são as verdadeiras necessidades sociais, uma vez libertada da absurda pressão ao consumismo imposta pela publicidade.

 

O que são esses critérios não monetários e extraeconômicos? Pode dar alguns exemplos?

ML –  Por exemplo, desenvolver os serviços públicos gratuitos: educação, saúde, transporte público, cultura. Não são mais “mercadorias”, mas satisfazem necessidades sociais fundamentais. A gratuidade é um dos aspectos fundamentais de uma transição ecológica pós-capitalista. Ela substitui a obsessão consumista imposta pelo sistema capitalista.

 

Em que aspectos o ecossocialismo se diferenciaria do capitalismo?

ML –  Trata-se de um outro modelo de civilização baseado na justiça social, na igualdade, na democracia, na solidariedade, e no respeito por nossa Casa Comum, a Natureza. Graças à propriedade social dos meios de produção, as decisões sobre o que produzir e o que consumir seriam tomadas, democraticamente, pela população, levando em conta as exigências ecológicas. Trata-se de uma ruptura com o modelo da civilização capitalista, baseada na mais absurda desigualdade – um punhado de multimilionários tem tanta riqueza quanto a metade mais pobre da população do mundo – e na destruição acelerada dos equilíbrios ecológicos.

 

Como o ecossocialismo pode responder aos desafios postos pelas mudanças climáticas da nossa era?

ML –  Para impedir uma catástrofe climática sem precedente, é preciso deixar o petróleo e o carvão no solo, o que a oligarquia fóssil que governa o sistema nunca aceitaria. Numa transição ao ecossocialismo se podem criar as condições para substituir as energias fósseis por renováveis, reduzir a produção de mercadorias suprimindo a obsolescência programada, substituir o agronegócio por uma agricultura camponesa orgânica etc.

 

Até recentemente, durante a vigência do Protocolo de Kyoto, os países em desenvolvimento argumentavam que não poderiam reduzir suas emissões porque eles ainda precisavam se desenvolver. Como responder a esses países que ainda são pobres e buscam o desenvolvimento neste momento de agravamento das mudanças climáticas? Como sua ideia de transformação qualitativa do crescimento ajuda a oferecer uma resposta?

ML –  Os países em desenvolvimento – América Latina, África, Ásia – precisam se desenvolver, mas não copiando o American Way of Life! Em vez de produzir mais e mais carros para as classes superiores e média, por que não desenvolver a saúde e a educação públicas, os transportes coletivos? Em vez da soja e do boi para o mercado mundial, por que não uma agricultura camponesa orgânica, voltada para o mercado interno? etc.

Quais são as barreiras ou os impeditivos para implantar o ecossocialismo que o senhor defende?

ML – O ecossocialismo só poderá se realizar se a maioria da população estiver convencida da necessidade de pôr fim ao ecocídio capitalista e iniciar a transição para uma nova sociedade, ecológica, democrática e socialista. Neste processo haverá necessariamente momentos de enfrentamento com as poderosas forças da oligarquia fóssil e do capital financeiro, que são sérios “impeditivos” a uma transformação social.

 

No cenário político internacional, algum partido ou político sinaliza em direção ao ecossocialismo?

ML – A Quarta Internacional é um movimento que se reclama, já há anos, do ecossocialismo. Suas forças são pequenas, mas presentes em todos os continentes. Há um interesse crescente pelo ecossocialismo nos Estados Unidos, em alguns países da Europa e mesmo no Brasil.

 

Como a obra de Marx pode contribuir para pensar alternativas à crise climática?

ML – Marx foi um pioneiro, ao apontar para a tendência do capitalismo, em particular na agricultura, a destruir a natureza, provocando uma “ruptura do metabolismo” entre as sociedades humanas e o meio ambiente. Mas como a crise ecológica estava apenas começando em sua época, esta temática não podia ocupar um papel central em sua obra. Os ecossocialistas se inspiram na crítica de Marx ao capitalismo e de sua visão de uma alternativa socialista, mas colocam a questão ecológica no centro de sua teoria e de sua prática.

Deseja acrescentar algo?

ML – Sim. Duas coisas, uma negativa, outra positiva:

Com Jair Bolsonaro, temos infelizmente no Brasil um governo cem por cento antiecológico, levando adiante uma política de destruição ambiental, em particularizar da Amazônia. Defender a Floresta Amazônica, em solidariedade com os indígenas que a habitam há séculos, é uma tarefa fundamental, no interesse de todo o povo brasileiro e da própria humanidade.

A Encíclica do papa Francisco, Laudato Si’, é um documento muito positivo, por sua crítica radical ao modelo econômico dominante, “o perverso sistema de propriedade e consumo atual”, exclusivamente baseado na maximização do lucro, que considera responsável pela crise ecológica. A esquerda deveria ler este documento e se inspirar de seu diagnóstico sobre a urgência de salvarmos nossa Casa Comum, a Mãe Terra.

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