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Pela primeira vez na região sudeste do Brasil para lançar seu livro ‘Angela Davis: Uma Autobiografia’, a ativista norte-americana discursou para milhares de pessoas sobre os principais temas políticos da conjuntura

Por Thais Zimbwe, da Cardume(*)

Precursora e símbolo mundial do feminismo negro e da luta antirracista, a ativista norte-americana Angela Davis, 75 anos, é filósofa e professora da Universidade da Califórnia. Em atividades para um grande público nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro na segunda quinzena de outubro, o ponto alto dos seus discursos sobre o momento político atual foi sobre a continuidade das lutas sociais no Brasil.

“Se queremos compreender o segredo para estabelecer caminhos rumo à democracia, devemos nos voltar ao movimento das mulheres negras, apoiá-las e sugerir que outros se juntem a esse movimento. Ao fazer isso, você estará apoiando outras pessoas a juntarem-se ao movimento de base destinados a mudar o mundo”, afirma a filósofa.

Em tom assertivo e atento às violações de direitos humanos e a impunidade presente na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco, Davis foi enfática: “O Rio de Janeiro, essa cidade espetacularmente bonita, é em primeiro lugar a cidade de Marielle Franco. A gente quer saber quem mandou matar Marielle. Mas, ainda mais importante, nós queremos que quem mandou matá-la saiba que o ato de terror cometido não irá assustar àqueles que se levantam contra o racismo, homofobia, violência policial, encarceramento em massa, não seremos intimidados. Quando tiraram a vida de Marielle, muitas outras assumiram seu lugar. A luta continua”, pontuou ela.

No Rio de Janeiro, além de uma conferência durante o 12° Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul, Angela participou de um encontro promovido pelo Instituto Marielle Franco com familiares da vereadora, lideranças feministas negras e representantes de organizações de mulheres negras. E recebeu a Medalha Tiradentes da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), maior honraria do Estado do Rio, entregue pela deputada estadual Renata Souza e Luyara Franco, filha de Marielle Franco.

Para a escritora mineira Conceição Evaristo, comentarista durante a conferência promovida pela ativista norte-americana no Rio de Janeiro, um dos inúmeros aspectos impressionantes de toda trajetória de Angela Davis está na afirmação constante da importância da referência e atuação política em coletivo.

“Mais do que nunca o discurso de Angela tem que funcionar para nós como se fosse um mantra: a liberdade é uma luta constante. A história não é uma ação individual, a história só faz sentido quando ela tem um caráter coletivo. Eu só cheguei aqui porque eu faço parte de um coletivo, os meus primeiros leitores foram do movimento social negro. Se não fosse a organização coletiva eu não tenho dúvidas de que eu não estaria aqui”, destacou a Conceição.

Feminismo negro em prol das lutas sociais

Foi apenas a partir da década de 1980 que o feminismo negro começa a ganhar força no Brasil, impulsionado pela realização do II Encontro Feminista Latino-americano, em 1985, com o surgimento da organização de mulheres negras neste processo em busca de visibilidade no meio feminista.

Na sequência, nascem os primeiros coletivos, organizações e encontros específicos de mulheres negras, que culminam na expressão de muitas referências nacionais do segmento como Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro, Lúcia Xavier, Luiza Bairros; e expoentes da nova geração como a paulista Djamila Ribeiro, a baiana Carla Akotirene, entre outras.

De acordo com uma pesquisa do Datafolha, divulgada em abril deste ano, as mulheres pretas e pardas são as que mais de autodeclaram feministas no país, 47% e 37% respectivamente. Para Rachel Barros, socióloga e educadora popular na ONG FASE, as mulheres negras servem como exemplo de permanência na luta a partir da ótica coletiva de organização em prol de uma agenda de direitos.

“O maior aprendizado que eu levo para a vida sobre participação política e processos organizativos de mulheres negras é sobre como elas conseguem criar formas de atuação, criar processos criativos e fortalecedores de luta, diante de um quadro caótico de violência, de violação, de retrocesso. É ancestral. A forma com que mulheres negras conseguem criar estratégias de luta que perdurem no tempo, que incentivem outras mulheres e que consigam subverter a lógica da violência”, explica ela.

Rachel, que também realiza ações culturais em teatro e na música com os grupos Encruzilhada Feminina e Som de Preta, participou da agenda com Angela Davis no Instituto Marielle Franco, onde integrou uma performance musical em homenagem à ativista.

“Angela é um baluarte de luta e resistência. Diante do momento de retrocesso político que a gente vivencia no Brasil, poder estar com uma pessoa que passou por tantas violações, que viveu momentos de repressão extrema, foi ameaçada de morte e se mantem forte na luta, é um folego, é um incentivo enquanto mulheres negras estar cada vez mais unidas para que consigamos suportar e vivenciar o momento de dificuldade, criando estratégias comuns, estratégias políticas, considerando ainda que as mulheres negras sempre estiveram e continuam a estar na linha de frente da principais movimentações políticas no Brasil e no mundo”, ressalta a socióloga.

Durante a conferência no Rio de Janeiro, Davis afirmou que, para que de fato exista uma democracia justa e igualitária para todos, é preciso uma participação efetiva das mulheres negras na democracia. A ativista também criticou os governos brasileiro e estadunidense, com líderes que não representam o futuro.

“É importante buscar afirmações de evidências de humanidade, que nossa luta contra o racismo e o patriarcado não é em vão. Quando as mulheres negras estão rumo à liberdade, representam a todos: negros, indígenas, pobres e socialmente explorados. Quando negras se levantam, o mundo se ergue conosco. Como disse em São Paulo, é uma lição importante sobre a luta em prol da democracia. Uma democracia que exclui o povo negro não é de forma alguma uma democracia para todas e todos”, exaltou Davis.

Literatura afirmativa

O motivo principal da visita de Angela Davis no país foi o lançamento de seu livro “Angela Davis: Uma Autobiografia”, pela editora Boitempo. Lançada originalmente em 1974 e traduzido para o português este ano, o livro é um retrato das lutas sociais nos Estados Unidos durante os anos 1960 e 1970 narrada por Angela, à época com 28 anos, onde conta a sua trajetória, da infância à carreira como professora universitária, e a atuação política que a projetou como ícone dos movimentos negro e feminista em todo o mundo.

Na obra, Davis mostra como os eventos que culminaram na sua prisão estavam ligados não apenas a sua ação política individual, mas a toda uma estrutura criada para criminalizar o movimento negro nos Estados Unidos. Além de um exercício de autoconhecimento da autora em seus anos de cárcere e uma profunda reflexão sobre a condição da população negra no sistema prisional estadunidense.

(Foto: Mídia Ninja)

(*)CARDUME – Comunicação em Defesa de Direitos é uma rede que reúne organizações e movimentos da sociedade civil para ações articuladas de comunicação que potencializem a promoção e defesa de direitos e bens comuns.

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