Ícaro Jorge, diretor de direitos humanos da União Nacional dos Estudantes (UNE) em Salvador, escreveu sobre a importância da candidatura de representantes negros para as eleições municipais de 2020 na cidade mais negra do país
Por Ícaro Jorge, para a Alma Preta
Em Salvador, capital da Bahia, os partidos estão criando suas estratégias para as eleições de 2020. A disputa pela “terra de todos os santos” assume um debate que não abrange a questão racial. Na cidade afro-diaspórica, onde 85% da população é negra, nunca houve eleição direta de um(a) prefeito(a) que correspondesse, representativamente e estruturalmente, a maioria do povo.
Fruto da estrutura racista, a eleição de representantes negros na prefeitura é um desafio para os grandes orquestradores do jogo político de Salvador, majoritariamente brancos e acostumados a disputar os territórios com seus iguais.
Neste ano, o cenário demonstra estar diferente devido à participação excelente de negros e negras na Câmara Municipal de Salvador. A exemplo da vereadora Marta Rodrigues (PT) e os vereadores Suíca (PT), Moisés Rocha (PT) e Silvio Humberto (PSB), somado à atuação da deputada estadual Olívia Santana (PCdoB) e ao ensaio de pré-candidatura da socióloga, ex-ouvidora geral da Defensoria Pública da Bahia (DP-BA) e ativista pelos direitos humanos à prefeitura, Vilma Reis.
No dia da independência, 7 de setembro, o movimento negro baiano tomou as rédeas das articulações para a Prefeitura de Salvador. O movimento político “Eu Quero Ela” não só consolidou a pré-candidatura de Vilma Reis à gestão municipal, como também orientou as pré-candidaturas de Olivia Santana, Silvio Humberto, Vovô do Ilê e Hilton Coelho.
Não há como negar a importância de espaços e fóruns de discussões que visam pensar a cidade para 2020 e o entendimento de que, para se discutir o futuro de Salvador a questão racial deve estar na centralidade. No município mais negro fora de África, o índice de subemprego da população negra é altíssimo. Segundo o Boletim de Conjuntura da SEI (Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia), Salvador tinha mais de 500 mil desempregados em 2018 e o número de postos de trabalho sem carteira assinada foi de mais de 15%.
O desemprego assola, principalmente, a população negra soteropolitana e a estética da cidade pode reafirmar o que as estatística indicam. Basta uma ida para qualquer lugar de Salvador para vermos que o mercado informal é mantido por trabalhadores negros. Não por escolha, mas por falta de opção.
Um outro ponto a refletirmos é o processo de gentrificação e disputa por moradia na cidade, na qual a maioria dos que lutam para garantir o próprio teto são pessoas negras. A violação ao direito à moradia também é fruto do racismo estrutural, que privilegia os poucos brancos dessa cidade colonial em contraponto aos negros.
A disputa institucional para garantir uma prefeitura negra em Salvador é epistêmica para a esquerda soteropolitana a partir do olhar político que temos para a cidade. É a possibilidade de mudar as narrativas coloniais de “pastoreio”, conforme apresenta o livro “Constitucionalismo e Atlântico Negro” de Marcos Vinícius Lustosa Queiroz.
Em um seminário no Centro de Cultura da Câmara de Salvador, a pré-candidata Vilma Reis apontou: “É isso o que nós queremos. Nós oferecemos aos nossos partidos um projeto de liberdade e que eles banquem todas as candidaturas. Quem dorme com os olhos dos outros não acorda na hora que quer. A candidatura tem que nascer dentro dos partidos. O tempo é de coragem, o tempo é de liberdade. Uni-vos povo baiense. Viva Búzios e viva a nossa liberdade”.
Neste sentido, a disputa por candidaturas negras está colocado, a narrativa não se finda em 2020. As negras e negros de todos os partidos disputarão ainda mais a política interna na cidade de Salvador e no estado da Bahia. É um processo político de emancipação que não terminará com as eleições de 2020.
Assim como nos livros de história, que se encontram nas encruzilhadas, a eleição do ex-deputado federal Luiz Alberto, as disputas feitas por Luiza Barros, a luta do movimento negro pela inserção das cotas raciais nas universidades e pelo estatuto da igualdade racial, essa movimentação de disputa institucional deve gerar bons frutos, principalmente para a juventude negra, que apossada dessa força, organizará os próximos períodos.
Em 2020 é ano de dizer: “Eu Quero Ela”!
(Foto: Alessandra Lori/Defensoria Pública da Bahia)