Falta de recursos dificulta atuação de organizações no combate à doença
Por Nana Medeiros
No Brasil, segundo dados divulgados pela Organização das Nações Unidas (ONU) neste ano, o número de infecções pelo HIV aumentou em 11% entre 2005 e 2013. Desde 1980 – início da epidemia de aids no País – até 2012, o Brasil contabilizou mais de 650 mil casos registrados em que a doença se manifestou.
Segundo o Fórum de ONG-Aids do Estado de São Paulo, grande parte das mortes está relacionada ao diagnóstico tardio, sendo que uma a cada cinco pessoas que não podem fazer o teste e iniciar o tratamento a tempo morre um ano após o diagnóstico.
Em novembro deste ano, o Fórum divulgou um manifesto denunciando as mais de 12 mil mortes por ano no Brasil em decorrência da aids. Para Alessandra Nilo, coordenadora da ONG Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero e membro da Secretaria Regional da LACCASO – Conselho da America Latina e Caribe de ONGs/Aids, em se tratando de uma doença curável, esses números são inaceitáveis.
Em artigo, Nilo declara que, embora existam avanços em termos mundiais, é difícil celebrá-los, já que a epidemia ainda está concentrada em grupos mais expostos à doença, devido a condição econômica precária, falta de acesso a saúde e educação de qualidade e, inclusive, a orientação sexual ou identidade de gênero.
Para ela, o Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais tem investido bastante para aumentar o número de pessoas testadas, o que evitaria, em tese, o diagnóstico tardio e a procura por tratamento. No entanto, o aumento da oferta de testes deveria ser acompanhado por uma campanha de prevenção, o que, segundo Nilo, não é mais tratado com a mesma eficiência.
A aliança do Governo Federal com setores conservadores e religiosos contribui para que o acesso à informação seja precário. A ausência de campanhas dirigidas ao público mais vulnerável à infecção é, segundo organizações, um dos motivos pelo qual o número de mortes permanece tão alto.
“Não é a toa que hoje o HIV tem aumentado entre jovens, sejam gays ou não. Não é a toa que não querem mais usar preservativo ou que as pessoas não falem mais sobre a questão da sexualidade. Parece que é uma coisa superada, do passado, e facilmente tratável, mas, na realidade, essa postura faz com que as pessoas se previnam cada vez menos”, afirma Nilo.
Segundo Juan Carlos Raxach, médico e assessor de projetos da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS – ABIA, nos últimos anos, o governo vetou campanhas voltadas a homossexuais, esquecendo-se de que “a aids não é só um fenômeno biológico, mas que acompanha diretamente fatores sociais”. Para Raxach, sem uma intervenção direcionada à população atingida pela epidemia, não haverá resultados.
Além da questão da sexualidade, Raxach afirma que existem falhas no sistema de saúde e no processo de acompanhamento do/a paciente. “As pessoas se diagnosticam, ficam sabendo que são soropositivas e desistem de serem acompanhadas porque é difícil achar acesso a redes públicas de saúde. Pela falta de acesso a informação ou apoio, a pessoa se isola e não procura auxílio. Muitas vezes, não é fácil saber que se é soropositivo/a dentro de sua comunidade.”
O papel da sociedade civil
Com a flagrante negligência dos poderes públicos em relação à dimensão social da epidemia, as Organizações da Sociedade Civil ocupam um papel fundamental na promoção de informação e prevenção, inclusive alcançando locais onde o Estado não consegue chegar.
A ausência de políticas públicas preocupadas em abordar a prevenção e a noção de direitos humanos desperta iniciativas próprias da sociedade civil na busca por estratégias de informação que eliminem o preconceito e promovam o tema da sexualidade nos espaços educacionais.
Segundo levantamento divulgado pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS), apenas 1% dos recursos globais destinos à aids é conferido à sociedade civil. Para alcançar a erradicação da epidemia, esse percentual deverá subir para 3,6%, em 2020 e para 4%, em 2030.
De acordo com o documento, esse montante deveria ser destinado para terapias anti-retrovirais, testes de HIV e acompanhamento dos/as pacientes. O fortalecimento da sociedade civil deveria visar a reforçar o papel da própria comunidade no combate à doença, garantindo monitoramento e avaliação dos serviços, atividades e programas oferecidos pelo governo.
Para Alessandra Nilo, a sociedade civil brasileira tem um papel histórico de acompanhamento e incentivo ao desenvolvimento de políticas públicas que contemplam a população afetada pelo HIV. No entanto, as condições financeiras não facilitam esse trabalho. “Se com 1% é possível fazermos o que fazemos hoje, imagine se esses recursos aumentassem. Hoje, o que vemos é a constante dificuldade e diminuição no acesso a recursos.”