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Quilombola e professora, Isabel Santos rejeita a comemoração do 13 de maio e defende a problematização do tema através da educação contextualizada

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O dia 13 de maio é conhecido como o dia da abolição da escravatura no Brasil. Uma data “cívica”, celebrada em alguns espaços como um marco no combate ao racismo e às diferenças sociais para os povos africanos escravizados e trazidos à força para esse território no período colonial, com a finalidade de executar trabalhos forçados e sustentar a economia local. Entretanto, essa celebração não é unânime. Militantes e organizações que lutam pelas bandeiras afrodescententes, contra o racismo e a discriminação e por igualdade de direitos, afirmam que a Lei Áurea deixou muito a desejar no que diz respeito a uma libertação real, por não garantir qualquer direito social aos homens e mulheres libertos, que passaram a viver de forma marginalizada.

A professora Isabel Santos (foto) traz essa crítica. Quilombola da Comunidade Remanescente de Quilombola da Lagoa Grande, em Feira de Santana (BA), é formada em Engenharia Agronômica, Especialista em Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial do Semiárido Brasileiro, pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e é Mestre em Extensão Rural pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFPE). Além disso, trabalha com formação continuada de professores da Educação Básica sobre as Leis 10.639\ 03 e a 11.6458, que determinam a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afrobrasileira.

Isabel destaca a importância de “desconstruir no nosso imaginário toda formação que mídia faz sobre estas populações e sobre o continente africano. Às vezes, nós falamos tanto em valorização dos povos e continuamos reproduzindo o conceito que a África é pobre. Felizmente nós estamos enganados. Este continente é muito rico, todavia, as populações vivem sobre o domínio de outros países.” Na entrevista abaixo, ela fala sobre a necessidade de abordar a Lei Áurea de forma crítica, e relata experiências de trabalho com o tema.

Asacom – O que vc acha da abordagem utilizada para tratar do marco histórico representado pela Lei Áurea nas escolas brasileiras?

Isabel Santos – Infelizmente as escolas brasileiras não dão o devido trato aos conteúdos sobre a Lei Áurea, uma vez que nós reproduzimos vários pré-conceitos da sociedade brasileira, entre elas, o étnico-racial.  Nós, negras e negros, vimos que a Lei Áurea não trouxe a libertação de fato dos negros no Brasil, visto que, antes mesmo desta lei, foi feito a Lei de Terras, 1850- que determina os meios para os sujeitos terem  acesso a terra, afirmando ser  a partir daí pela compra e venda. Assim, a “abolição da escravatura” no Brasil, não serviu como instrumento político para favorecer os negros  na emancipação libertadora, ao contrário, eles  não foram reconhecidos como cidadãos, uma vez que, foram “expostos” a todo tipo de humilhação, sem direito a educação, saúde, alimentação,moradia, terra e outros mais. Precisamos reformular o pensamento sobre a abordagem do conteúdo da Lei Áurea, mas só podemos fazer isso se somente se, fizermos uma mudança em torno da nossa didática. Primeiro, começar saber a escolher os livros didáticos; segundo, utilizá-los como instrumento pedagógico e não como uma verdade absoluta; e terceiro, precisamos conhecer a nossa realidade, fazer um trabalho no campo da História social do Brasil. Para isso, nós, educadores e educadoras, precisamos sair da sala de aula e ir ao campo e cidade, e necessitamos utilizar nos dados  do IBGE sobre a situação do negro na sociedade brasileira, reconstruir o nosso saber e fazer uma reflexão crítica sobre os negros no Brasil. Hoje quase metade das pessoas assassinadas no Brasil são jovens e mais da metade são negros com idade entre 17-29 anos. Precisamos comemorar o 20 de novembro, este dia tem mais significado para nós. Aqui, em Lagoa Grande, fazemos isso e todos sintam-se convidados, neste dia fazemos uma análise de conjuntura da sociedade brasileira no trato dado aos negros, as conquistas e demandas e finalizamos com apresentações culturais negras, da nossa localidade, samba de roda, capoeira e outros.

Asacom -Como a educação contextualizada pode ajudar a trazer esse tema de forma mais crítica e atualizada?

IS – A palavra-chave é esta: contextualizar. Precisamos avançar mais no que se refere à cultura e História Afrobrasileira. Para explicar melhor, irei comentar  sobre como eu abordei este conteúdo em sala de aula,  com os educandos do 9º Ano da Escola Família Agrícola do Sertão-Monte Santo-BA, falando um pouco sobre a nossa perda de soberania alimentar. Ao iniciar nossa aula, fomos à dispensa verificar a origem do nosso alimento e percebemos que estamos acostumados a comer tudo de fora sem questionar o conceito de soberania alimentar. Pior, que a mídia já influência na minha decisão alimentar. Após isso, fizemos uma aula prática- processamos o feijão caupi (Vigna unguiculata (L.) Walp) e fizemos o nosso famoso acarajé. Então, fomos conhecer em nosso município e Estado as Comunidades Remanescentes de Quilombo e para finalizar o nosso conteúdo sobre industrialização, fizemos um breve debate a partir da intervenção das lideranças jovens das realidades locais do Sertão da  Bahia sobre populações Tradicionais ( Fundo de Pasto, Quilombolas e indígenas).  Fizemos isso nas Disciplinas de História e Geografia, mas, no campo das artes, podemos compreender melhor as músicas que trazem a melodia dos negros, podemos também, estudar os grandes poetas negros do Brasil e conhecer a história das mulheres e homens negros do nosso cotidiano.

Asacom – Então você utiliza recursos práticos para trazer essa discussão para a sala de aula, não é? Como os/as estudantes reagem a isso?

IS – No meu ambiente de trabalho existem três públicos: primeiro os educandos ( estudantes), segundo os educadores ( educação básica) e terceiro a comunidade de forma geral. Para isso não existe uma receita pronta no que se refere aos instrumentos, mas, o primeiro passo é aprender a conhecer, depois planejar e segundo executar. Assim, utilizamos vários instrumentos. O primeiro é uma mística para buscarmos a origem das coisas, do universo e nesse mesmo momento colocamos vários objetos, sementes, frutas, tudo que passou pelo labor humano. Aí, você coloca o sujeito a fazer algo coletivamente utilizando  a riqueza da biodiversidade cultural local. Depois disso, o nosso próximo instrumento são textos escritos por pesquisadores da área das relações étnicos raciais e que falam daquela localidade, de preferência comunidades as quais a escola esteja inserida, do município e do estado. No final você solicita dos educandos uma pequena avaliação que poderão ser poemas, teatros, poesias ou músicas sobre o conteúdo estudado e estes deverão ser apresentados em sala de aula. Sempre fazemos uma aula muito gostosa e interessante. Nas avaliações vejo bons comentários, todavia. Para finalizar, nada melhor do que aproveitar da cultura afrobrasileira e finalizarmos com uma comunidade baiana. Que tal um acarajé?

Fonte: ASA Brasil, por Reinaldo Eli

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