Em entrevista ao Brasil de Fato, o presidente da Rede Minas, Israel do Vale, aponta que “o que a gente vê na TV comercial hoje é uma tentativa das emissoras de aprisionar a atenção criando a ‘indústria do pânico’”.
Israel do Vale é um jornalista com forte ligação com o setor cultural. Tem experiência em jornais impressos e emissoras de TV, além de produção artística e incursões como DJ. Em janeiro, ele foi nomeado presidente da Rede Minas, emissora educativa de televisão, no ar desde 1984. Israel analisa que a emissora precisa superar sua característica de “TV de classe média” e se desafiar a cobrir a realidade da periferia de Belo Horizonte e dos outros 852 municípios do estado.
Brasil de Fato – Qual a diferença entre trabalhar em um meio de comunicação público e um comercial?
Israel do Vale – O que mais me atrai é o que uma TV pública poderia ser. Eu me desencantei com o jornalismo nos grandes veículos quando vivi de perto uma tentativa de intervenção política, uma tentativa de atuar prejudicando um candidato da época. E olha que eu trabalhava no caderno de cultura… O que aprendi é que esses dois tipos de comunicação têm beneficiários diferentes. Enquanto a comunicação privada tem como objetivo primordial o lucro, a comunicação pública deve se voltar ao interesse público, que possa gerar benefícios à sociedade. E o que me atrai é justamente a liberdade que os veículos comerciais não oferecem, do ponto de vista da ousadia, dos interesses que se defende.
E o como você vê TV comercial nos dias atuais?
Esse momento histórico deixou as emissoras um pouco atordoadas, por conta da mudança de lógica decorrente da internet. O que a gente vê na TV comercial hoje é uma tentativa das emissoras de aprisionar a atenção. Um mecanismo que elas adotam é a dramatização da notícia, que alimenta o que eu chamo de “indústria do pânico”. Se um marciano caísse agora na Terra e ligasse a TV, ele ia querer voltar na mesma hora pra Marte, com medo até de atravessar a rua.
Como você avalia a Rede Minas hoje?
Uma das coisas que questionamos com a nossa equipe é: qual o sentido de cobrir um acidente de trânsito? Nós somos uma emissora estadual, que precisa falar pra 20 milhões de pessoas em 853 municípios. A título de crítica, o nome certo da Rede Minas, nesse momento, seria “TV Contorno” [nome da avenida que circunscreve a região central de Belo Horizonte]. É uma TV de classe média, para a classe média. Quem vê a Rede Minas não consegue enxergar a realidade sequer da periferia de BH. Quanto mais da região metropolitana e dos 852 municípios além de BH. Claro que isso não é uma opção, é mais uma falta de opção. Mas nós temos que nos incomodar. A TV pública tem que se desafiar a trabalhar no sinal inverso, a explorar o campo que a TV comercial não explora.
E o que pretendem fazer nos próximos anos?
O primeiro movimento que estamos fazendo é restabelecer a conexão com todos os temas. No momento, não existe tema proibido. A gente quer pegar assuntos complexos e traduzir para uma lógica mais simples, mais pedestre, mais próxima da realidade das pessoas. A vinda do jornalista João Paulo Cunha é uma aquisição simbólica que representa esse movimento. A mesma coisa estamos fazendo com a economia. O cidadão comum tem direito de entender se o aumento do dólar significa mais dinheiro no bolso ou não.
Como acha que a TV pública está atualmente?
Por falta de dinheiro, recursos humanos e técnicos, a televisão pública tende a ser uma rádio com imagem. São programas de estúdio, com um ou mais convidados, de perninhas cruzadas falando coisas inteligentes sobre assuntos relevantes. Isso é importante, mas a gente tem que se desafiar a fazer TV, ou seja: audiovisual. Não dá pra ficar só no blá blá blá, isso é o áudio. Temos que avançar em direção ao conteúdo com uma dinâmica mais sedutora.
Fonte: Brasil de Fato, por Raffaela Dotta