Evento reuniu representantes da Câmara, Senado, governo federal e de OSCs para discutir lei 13.019, que modifica as relações de parceria entre organizações e o Estado. Participantes ressaltaram importância das organizações para a democracia
Por Nicolau Soares, do Observatório
A necessidade de fortalecimento das Organizações da Sociedade Civil (OSCs) e seu papel fundamental na promoção da democracia brasileira foram pontos de consenso entre os participantes do Seminário “A lei 13.019/2014 – Aperfeiçoamento da relação do Estado com a Sociedade Civil”, que aconteceu nesta quarta-feira (24), na Câmara dos Deputados.
Organizado pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados (CLP), por sugestão da Plataforma por um Novo Marco Regulatório para as OSCs, o evento reuniu deputados/as, senadores/as e representantes do governo federal e da sociedade civil para debater o processo de regulamentação da lei que modifica as relações de parceria entre organizações e o Estado, além de outros pontos da agenda da sociedade civil para a criação de um marco regulatório que favoreça o engajamento cidadão.
“Não é possível para o Estado brasileiro desenvolver políticas públicas sem a participação da sociedade”, destacou Eleutéria Amora, diretora da Abong RJ e representante da Plataforma na mesa de abertura do evento. “Nós temos consciência de nosso papel. Sabemos que não somos braços do governo, nem estamos a serviço do Parlamento, estamos aqui para construir lutas conjuntas. Nós criamos novas tecnologias, pensamos sempre além e fomentamos manifestações quando o Parlamento e o governo não nos ouvem. É para esse espírito de transformar o nosso país que estamos aqui”, completou.
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O presidente da CLP, deputado Fábio Ramalho (PV-MG), comemorou a realização do seminário. “O aperfeiçoamento da relação entre Estado e sociedade civil é a razão de ser da CLP e a lei também trata disso. Este seminário mostra que tanto Executivo quanto Legislativo estão cada vez mais abertos à sociedade, é uma demonstração de nossa democracia”, afirmou.
Representando o governo federal, Robinson Almeida, chefe de gabinete do ministro Miguel Rossetto, da Secretaria-Geral da Presidência da República (SG/PR), declarou a disposição do Executivo de continuar o dialogo colaborativo no sentido do aperfeiçoamento da relação do Estado com a sociedade civil. “Cremos que é dessa relação cada vez mais aprofundada que vamos encontrar soluções para as demandas da nossa população. A própria lei, prestes a ser regulamentada e entrar em vigor , é um exemplo desse método de fazer do Estado brasileiro”, disse.
Também na mesa de abertura, a senadora Gleisi Hoffman (PT-PR) e o deputado Eduardo Barbosa (PSDB-MG) lamentaram a não aprovação do relatório da senadora para a Medida Provisória 658, que adiou a entrada em vigor da lei. Aprovado por unanimidade na comissão especial formada para discutir a MP, o relatório acolheu sugestões da sociedade civil e de gestores municipais e estaduais para corrigir problemas encontrados na lei 13.019.
” Conseguimos uma concertação importante entre governo, instituições e parlamentares da comissão que avaliou a MP e, talvez por falta de conversa, não conseguimos que o texto que aprovamos na comissão pudesse prevalecer como lei no Plenário”, lembrou a senadora, que considerou importante o evento para aprofundar o debate entre Câmara e Senado para aprimorar a legislação.
“Uma pena que o clima político não permitiu que o avanço técnico do relatório da senadora se tornasse em lei. Agora estamos correndo atrás do prejuízo”, lamentou Barbosa. “A minuta do decreto de regulamentação já nos acalmou um pouco, mostrou que estão se esforçando para conseguir soluções”, disse o deputado. Barbosa lembrou ainda que já existe um Projeto de Lei de sua autoria para modificar a 13.019. O PL 680/2015 está tramitando na Comissão de Seguridade Social e Família e pretende acolher sugestões de diversos setores (saiba mais aqui)
Contradições da lei
A segunda parte do debate buscou aprofundar as questões relativas à nova legislação e seu processo de regulamentação. A assessora especial da SG/PR Laís Figueirêdo Lopes, fez um resgate histórico sobre a necessidade de mudanças na legislação, incluindo o cenário de insegurança jurídica para as relações entre OSCs e Estado que a lei 13.019 visa corrigir. Ela destacou os principais pontos da lei, como a abrangência nacional, a criação de instrumentos jurídicos próprios para a relação entre OSCs e Estado e o chamamento público obrigatório para todas as parcerias, entre outras, e tratou sobre o processo de regulamentação em discussão no governo.
A assessora jurídica da Abong Paula Storto apontou problemas que a lei mantém do ponto de vista das OSCs. Segundo ela, há em vários momentos um tratamento discriminatório contra as organizações, impondo a elas obrigações maiores do que as exigidas em contratos do Estado com empresas privadas.
Entre outros pontos, ela destacou a imposição de um dirigente que assuma responsabilidade solidária à organização com relação às metas e objetivos da parceria. “Não tenho conhecimento de outra lei que imponha algo desse tipo, mesmo para órgãos e gestores públicos”, afirmou. “Esse aspecto de desconfiança em relação às OSCs aparece em diversos pontos da lei, que cria burocracia. É algo que preocupa as organizações”, completou.
Representante da Plataforma na segunda mesa, o diretor executivo da Fundação Esquel do Brasil Sílvio Sant’anna também cobrou melhorias na lei que favoreçam a atuação das entidades. “Fizemos um esforço muito grande para criar uma legislação que fortalecesse a sociedade. Terminamos construindo um instrumento jurídico que tem avanços incontestáveis, mas também muita coisa que não condiz com o espírito que presidiu o trabalho que foi feito. Temos uma lei que foi feita para o fomento das OSCs mas que trata, em pelo menos metade dos seus artigos, de controle sobre as organizações, não de fomento”, destacou.
O deputado Nilto Tatto (PT-SP) relembrou diversos exemplos de sua atuação junto a ONGs e movimentos sociais desde a década de 1980, que depois acabaram levando a modificações importantes na realidade brasileira, em especial de grupos excluídos, como os seringueiros´e indígenas. “Poderia dar centenas de exemplos de organizações que chegam em lugares onde o Estado não consegue. Você chega na periferia das grandes cidades e encontra uma organização pequena, muitas vezes ligada a uma igreja, que está atuando ali e disputando o espaço com o narcotráfico”, citou.
“É mais do que hora do Estado reconhecer o papel fundamental dessas organizações. Se quisermos pensar em um critério para dizer o quão democrática é uma sociedade, talvez o número de organizações ou de pessoas envolvidas em organizações seja um bom termômetro”, defendeu Tatto.