Para professor da USP, melhor saída seria investir em tratamento de esgoto e não gastar milhões para reproduzir aquedutos romanos
São Paulo – Especialistas ouvidos hoje (21), em audiência pública sobre a crise hídrica realizada pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual de São Paulo, questionaram a real capacidade de enfrentamento à falta de água na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) desde o ano passado. “Essa prática de gestão é a mesma dos romanos, de 2 mil anos atrás. Estamos reproduzindo os aquedutos romanos. E continuamos trazendo água de longe, sem ter como tratar o esgoto gerado”, destacou o doutor em saúde pública e professor de engenharia da USP, Ivanildo Hespanhol.
Para o professor, as propostas do governo de Geraldo Alckmin (PSDB) de buscar água em Rio São Lourenço, a 100 quilômetros da capital paulista, e no Rio Paraíba do Sul, que fica a 15 quilômetros e abastece o Rio de Janeiro, como forma de solucionar a falta de água, demonstram que não há planejamento de médio e longo prazos. Essas obras objetivam trazer mais 10 mil litros de água por segundo para atender à Região Metropolitana de São Paulo, que vai totalizar 94 mil litros por segundo no fornecimento.
Hespanhol disse que a única forma de garantir a segurança hídrica na RMSP é o governo paulista e a Sabesp investirem em reúso de água, através do tratamento de esgoto. Hoje, a Sabesp tem capacidade instalada para tratar 18 mil litros de esgoto por segundo, mas trata somente 16 mil litros. No entanto, a região metropolitana produz 67 mil litros, cuja maior parte vai parar nós riachos e córregos, desaguando depois nos rios Tietê e Pinheiros. Com a conclusão dessas obras, a produção de esgoto vai ser ampliada em mais 8 a 12 mil litros de esgoto por segundo.
As duas obras estão estimadas em R$ 4 bilhões. A ampliação do tratamento de esgoto custaria cerca de R$ 1 bilhão e forneceria mais água do que essas obras. Segundo Hespanhol, seria possível ampliar o tratamento de esgoto para 35 mil litros por segundo, destinando-o para as represas, onde passariam pelo tratamento definitivo, com custo pelo menos três vezes menor do que o conjunto das obras hoje existentes.
Bastaria instalar sistemas de membranas ultrafiltrantes nas estações de tratamento de esgoto existentes, ensina o engenheiro. “O que exigiria poucas obras, nenhuma delas de construção civil.” A Sabesp, ao contrário do proposto pelo professor, reduziu drasticamente a verba para tratamento de esgoto neste ano, com objetivo de intensificar as obras para trazer água à RMSP.
Outras obras da Sabesp questionadas na audiência foram a transposição dos rios Guaió e Guaratuba, para o Sistema Alto Tietê, que está em situação crítica. A do rio Guaió, após gasto de R$ 35 milhões, está parada porque o rio está com o volume de água muito baixo. Era esperado retirar 800 litros por segundo, mas o máximo que se conseguiu até agora foram 200. Situação semelhante à do rio Guaratuba, de onde devia ser retirado mais 500 litros por segundo, mas que também está inoperante.
O engenheiro civil e sanitarista José Roberto Kachel afirmou que já se sabia que essas obras não tinham condições de atender aos propósitos anunciados. “Era previsível que as obras do Guaió e do Guaratuba seriam ineficientes. Desde 1948 se sabia que não dava pra retirar mais que 500 metros cúbicos”, afirmou. Ele ironizou a resposta da Sabesp, que alegou que a retirada vai se dar conforme as possibilidades. “Não sei se o governador está sendo mal assessorado, se está entendendo errado. Esse tipo de obra que você tira água quando tem, para mim, é algo totalmente novo”.
As obras, assim como a transposição da Billings, visam a dar mais segurança ao Sistema Alto Tietê. Kachel, no entanto, ressalta que quem colocou o sistema em risco foi a própria Sabesp, para aliviar o Sistema Cantareira. “A retirada autorizada do Alto Tietê é de 12 mil litros por segundo. Mas estão retirando 15 mil litros. Quem autorizou isso ninguém sabe, porque não houve discussão no comitê de bacia da região”, afirmou. O Comitê de Bacia é um grupo formado pelo poder público, empresários e sociedade para gerenciar os recursos hídricos.
Hoje saem 15 mil litros por segundo do Alto Tietê, mas entram apenas 4 mil litros. Como forma de resolver esse problema, a Sabesp vai levar 4 mil litros por segundo da Billings para o Alto Tietê. “Isso vai segurar um pouco, mas se as chuvas não forem fortes, não resolverá o problema”, salientou Kachel.
Porém, o conselheiro nacional do Meio Ambiente e presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), Carlos Bocuhy, explicou que o governo paulista está se valendo do fato de que pode jogar água do rio Pinheiros na represa Billings para alimentar a usina hidrelétrica Henry Borden. “Por isso, a Billings continua cheia. Quando o governador diz que não haverá falta de água, é porque ele não abre o jogo. Ele vai usar a água do canal do Pinheiros, jogada para decantar na Billings, que vai ser tratada e distribuída. Temos de evitar que esse processo seja levado adiante. É um risco à saúde pública.”
Essa obra está sendo questionada na Justiça pelo Ministério Público Estadual, que pede a sua suspensão. “A obra visa a apenas corrigir um erro de outorga do sistema Alto Tietê (hoje se retira 15 mil litros, mas o sistema suporta 11 mil litros). A medida transfere poluição do rio Pinheiros para a Billings e de lá para o Taiaçupeba, que não é um rio limpo. A obra também não foi avaliada do ponto de vista ambiental, como devia ter sido feita; traz impactos severos ao Parque Estadual da Serra do Mar”, explicou o promotor público Ricardo Manuel Castro.
Fonte: Rede Brasil Atual