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Advogada do Sindicato dos Empregados Domésticos de Florianópolis, Maria Teresa Wiethorn da Silva analisa direitos conquistados após a sanção da PEC das Domésticas e relata casos de assédio e abuso sexual cometidos por empregadores

Os empregados em serviços domésticos representam 6,5% dos trabalhadores ativos do país. Apesar dos avanços conquistados pela categoria, cerca de dois terços deles não possuem carteira assinada.

No início de junho, a presidenta Dilma Rousseff sancionou a lei complementar 150/2015, que regulamenta a chamada “PEC das Domésticas”. Essa Proposta de Emenda Constitucional havia sido aprovada pelo Congresso Nacional em abril de 2013, mas muitos direitos ainda precisavam ser regulamentados para entrar em vigor.

Em Florianópolis e em São José (SC), 30 mil empregados domésticos são representados pelo Sindicato dos Empregados Domésticos da Grande Florianópolis, que atende em média 90 pessoas por semana, entre faxineiras, arrumadeiras, motoristas, governantas, babás, jardineiros e cuidadores de idosos.

A advogada do sindicato, Maria Teresa Wiethorn da Silva, analisa que os efeitos da sanção da PEC das Domésticas serão percebidos a médio e longo prazo. Ela também alerta para a recorrência de casos de assédio moral, abuso sexual e injúria racial em Florianópolis, e afirma que a legislação não é capaz de prevenir esses episódios: “É um conflito permanente, porque é um conflito de classe social”.

Foto: Reprodução
Foto: Reprodução

Confira a entrevista completa.

A chamada PEC das Domésticas contempla as principais reivindicações da categoria?

Em grande medida, sim. Agora, quem trabalha na casa de uma família tem direito aos mesmos benefícios de quem trabalha numa empresa ou numa fábrica, por exemplo. A categoria está conquistando cada vez mais direitos, e essa é uma luta que vem desde os tempos da escravidão.

Mesmo que hoje 70% dos empregados domésticos de Florianópolis e São José ainda trabalhem na informalidade, eles costumam entrar na Justiça depois que termina o vínculo com a casa do empregador. E mesmo esses, que não têm carteira assinada, serão beneficiados pela PEC, porque agora têm direitos a mais a reivindicar.

A sanção da presidente Dilma Rousseff altera imediatamente o rumo dos processos e ações judiciais aqui na Grande Florianópolis?

Não. O que a gente vai ter que fazer é entrar com ações na Justiça para depois cobrar o pagamento do fundo de garantia, por exemplo. Mas sempre que há uma alteração na lei, a gente precisa de um tempo de adequação, para ver como o Judiciário vai se comportar em casos semelhantes, e assim basear nossa atuação nessas decisões judiciais que vão vir. Então tem que esperar. Muita gente faz acordos bem razoáveis, mas falta um posicionamento do tribunal. A construção é muito longa, e daqui a uns dois ou três anos é que isso vai amadurecer, e aí vamos ter mais subsídios para atuar e basear nossa postura aqui no sindicato.

É possível que a regulamentação dos direitos leve a um aumento do número de trabalhadores informais, caso muitos empregadores se recusem a pagar todos os benefícios previstos na lei?

Sim. Na verdade, precisamos esperar para ver como isso vai ficar. Por exemplo, antes não precisava pagar o fundo de garantia, agora é obrigatório; o adicional noturno também. E cada alteração dessas gera no mercado certa insegurança, porque a gente fica esperando como é que os empregadores vão reagir, como é que os empregados vão reagir, se vai ter muita gente saindo do trabalho formal para trabalhar, por exemplo, como diarista — que, mesmo sem carteira assinada, costuma ganhar mais que a empregada doméstica registrada.

As rescisões contratuais que você acompanha diariamente costumam ser pacíficas?

Não exatamente. A maioria das ações são de empregados que trabalham na informalidade e vêm até o sindicato para ingressar com um processo para requerer a assinatura da carteira, o recolhimento do INSS desse período todo, e os direitos que são decorrentes disso: férias, aviso prévio, vale-transporte, etc. Mas também recebemos relatos de casos mais graves, como de assédio.

Que tipo de assédio?

Agressão verbal é sempre, o tempo todo. Até nós, do sindicato, somos agredidas verbalmente pelos empregadores! Enfim, a gente costuma dizer que toda vez que se encerra um contrato tem agressão verbal. É muito difícil não ter, é exceção. Ontem mesmo entrei com uma ação, a partir de um boletim de ocorrência protocolado em abril, aqui em Florianópolis [veja a imagem abaixo].

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Também há registros de agressões físicas?

Sim. Em média, a cada dez rescisões de contrato, três resultam em agressão física por parte do empregador. E tem casos de assédio sexual também.

Logo nos meus primeiros anos aqui, chegou até nós o caso de um empregador que abusava sexualmente de sua empregada. Ele era médico e dava remédios para ela dormir, para poder abusar dela. Foi ela quem veio até nós. A menina era jovem, e mais tarde enfrentou problemas psicológicos em decorrência disso. A vida dela praticamente terminou ali, pelo trauma. Eram três empregadas na casa desse médico, e todas as três sofriam assédio sexual — as outras duas procuraram advogados, e não vieram até o sindicato. Nós entramos com uma ação contra o empregador, e provou-se que de fato houve esse abuso. Estipulamos um valor, fizemos um acordo, e ele pagou.

Como reunir provas nesses casos?

Com a internet, fica mais fácil nos casos de assédio, por exemplo. Tem muita conversa pelo Whatsapp que a gente usa como evidência. Isso nos ajuda muito. Tem empregadores que vivem ameaçando os trabalhadores pelo Whatsapp, aí a gente não perde tempo.

Você já recebeu alguma denúncia de injúria racial?

Sim, inclusive tem um caso bem recente. Entrei com processo esta semana. O homem era motorista, negro, e trabalhou quatro anos na casa do empregador. No total, eram cinco empregados na casa, mas um é que sofria mais com o racismo, e fez a denúncia. Muitas testemunhas confirmaram que o dono da casa costumava dizer ao motorista as seguintes frases: “A Princesa Isabel assinou a Lei Áurea a lápis. Cuidado, você vai voltar pro tronco a qualquer momento!”. Outra que ele costumava dizer era “Empregado de cor a gente tem mesmo é que dar banana!”. Tudo isso está descrito no processo, e segundo as testemunhas eram frases recorrentes. O empregador fazia jantas, churrascos, chamava a “nata” da sociedade, e proferia essas frases na frente de todos. Isso que ele já tinha pagado 20 mil reais em indenização por ter cuspido e dito as mesmas frases a outra moça que trabalhava lá…

Para quem vocês encaminham os casos dessa natureza?

Primeiro, a gente pede para o empregado ir à delegacia fazer um boletim de ocorrência. Depois, entramos na Justiça do Trabalho para tentar indenização por danos morais. Mas é muito difícil reunir provas no trabalho doméstico, porque geralmente estão só ele e o empregador em casa. Quando há quatro, cinco empregados domésticos na mesma residência, fica mais fácil encontrar testemunhas.

A legislação atual previne esse tipo de abuso?

Não tem como prevenir, porque é mais que uma questão trabalhista. É um conflito permanente, porque é um conflito de classe social. Não vai ser uma PEC que vai mudar isso. Porque o empregador é quem tem o dinheiro, e ele usa da força de trabalho do empregado, que assina um contrato e topa se submeter. O empregado está em uma situação de extrema necessidade financeira, muitas vezes, e não vai discutir as cláusulas do contrato. E o empregador, sabedor dessa situação, explora e abusa da boa fé do trabalhador.

Fonte: Brasil de Fato

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