Em Preparação à Romaria da Terra e das Águas, que acontece dias 17 e 18 de outubro, em Chapadinha/MA, diversas pastorais sociais e organismos da Igreja Católica que atuam no Maranhão “em defesa da vida e dos direitos das populações e segmentos mais vulneráveis e empobrecidos deste território”,como se definem, estiveram reunidos no Palácio dos Leões no dia 30 de setembro de 2015, para serem recebidos pelo Governador Flávio Dino, que não compareceu
Além de representantes de pastorais e organismos como Conselho Indigenista Missionário, Pastoral da Terra, da Juventude, Cáritas, Pastoral Carcerária, entre outras, o bispo referencial das Pastorais Sociais, dom José Valdeci Santos, bispo da cidade de Brejo, esteve presente, demarcando que aquele era o espaço do diálogo, e que este somente “acontece quando somos capazes de confrontar aquilo que está sendo feito, mas também aquilo que não está sendo feito”, disse..
Na ocasião, entregaram documento aos secretários estaduais presentes, contendo uma série de reivindicações por uma mudança de rumos no governo que atenda à população e rompa com a continuidade do discurso do desenvolvimento que, segundo elas, agrava as problemáticas com as quais elas lidam no contato cotidiano com a população.
O Governador enviou boa parte de seu secretariado para, segundo o titular da pasta de Direitos Humanos e Participação Popular, “reafirmar o diálogo”. O secretário Márcio Jerry, da Articulação Política, representou Flávio Dino na cerimônia, que contou ainda com titulares e representantes de diversas pastas, como Juventude, Agricultura Familiar, Segurança Pública, entre outras.
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A seguir, a Carta das Pastorais ao Governador Flávio Dino. O documento foi assinado por: Comissão Pastoral da Terra do Maranhão (CPT), Cáritas Brasileira Regional Maranhão, Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Povo Indígena Gamela, Pastoral da Criança – MA, Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Centro de Estudos Bíblicos (CEBI), Diocese de Brejo, Coordenação Pastoral Diocesana de Balsas, Cáritas Diocesana de Caxias, Cáritas Arquidiocesana de São Luis, Pastoral Carcerária, Pastoral da Educação, Comissão Pastoral da Terra de Grajaú, Comissão Pastoral da Terra de Coroatá, Comissão Pastoral da Terra de Balsas, Vias de Fato, GEDMMA/UFMA.
ÍNTEGRA DA CARTA
Exmo Sr. Governador do Maranhão
Flávio Dino
1. Somos representantes de diversas pastorais sociais e organismos da Igreja Católica, que atuam no estado do Maranhão, em defesa da vida e dos direitos das populações e segmentos mais vulneráveis e empobrecidos deste território.
2. Embora seja este o primeiro momento de diálogo coletivo institucional com o Governo, ressaltamos que, enquanto instituições e pastorais, a partir da atuação e missão de cada uma, já estivemos em diálogos anteriores, mesmo antes da posse da atual gestão, apresentando as demandas e problemáticas relacionadas às populações com as quais atuamos, sobretudo as situações de conflitos agrários, assassinatos e violência.
3. No entanto, afirmamos que não percebemos mudanças e respostas significativas no âmbito das questões que temos evidenciado e denunciado. E em oito meses de gestão, as políticas e medidas anunciadas e em curso no estado sob o discurso do “desenvolvimento/crescimento” agravam as problemáticas que temos pautado. “A população maranhense sofre com os danos ambientais, sociais, culturais e econômicos, causados por um modelo que não traz desenvolvimento para a sua gente, que não incorpora qualquer perspectiva de inclusão, de cidadania e de direitos”. [da Carta da 5ª Semana Social Maranhense, realizada em Santa Inês, em maio de 2013].
4. Causa-nos indignação o discurso do desenvolvimento para a população maranhense baseado nos investimentos em megaprojetos desenvolvimentistas, como por exemplo o MATOPIBA.
5. O MATOPIBA, que diz respeito ao projeto de modernização agrícola para os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, totalizando 143 milhões de hectares, atualiza e reafirma o modelo colonial sobre os territórios dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.
6. Das 31 microrregiões marcadas pelo MATOPIBA, 15 são maranhenses, batendo a marca de 72,25% do território estadual, impactando diretamente 14 unidades de conservação, 15 terras indígenas, 400 assentamentos e 23 quilombos. É mais um momento de invisibilidade desses povos e comunidades, apontando para o suposto “vazio” que insiste em ser defendido enquanto existente.
7. No Maranhão, quilombos existem em diversos territórios e delimitações do estado. Só junto ao Incra Regional Maranhão, existem mais de 330 processos abertos de titulação, demonstrando a luta dos povos para o reconhecimento diante da esfera do estado. Mas o estridente é que, como marca deste modelo em curso, dos 123 conflitos por terra e território em 2014, segundo dados da CPT, 66,67% dos conflitos estão nos cerrados.
8. Outra problemática ganhou recentemente o olhar da comunidade internacional, com o assassinato do camponês Raimundo José dos Santos, em 25 de agosto de 2015, no município de Bom Jardim. Esse, como tantos outros assassinatos, que tem ocorrido no Maranhão, eram uma tragédia anunciada. A exemplo do assassinato da liderança indígena Eusébio Ka´apor, da Terra Indígena Alto Turiaçu, no dia 26 de abril de 2015 no município de Santa Luzia do Paruá. Tantos crimes que continuam impunes, agravados pelo modelo desenvolvimentista incentivado pelos governos.
9. O mosaico formado pela Reserva Biológica do Gurupi e Terras Indígenas Awá, Carú e Alto-Turiaçu compreende um remanescente com quase dois milhões de hectares de floresta amazônica. É o último reservatório expressivo da biodiversidade da Amazônia Maranhense, que abriga uma enorme riqueza de fauna, flora e de povos, dentre estes, a etnia indígena considerada das mais ameaçadas do mundo, Awá-Guajá. Neste contexto, expomos a permissividade completa da Funai para com os povos indígenas, que aceita a violência armada de grileiros e madeireiros, e descontrole total de focos de incêndio, que também são atos criminosos.
10. Os 341 ha da Reserva Biológica do Gurupi estão ameaçadas pelo avanço de milícias armadas e pelo crime organizado, que avança com o roubo indiscriminado de madeira e ocupação sem precedentes pela agropecuária. Constatação que é confirmada pela fala da própria Polícia Federal quando em pronunciamento sobre o caso do assassinato do camponês em mídia nacional.
11. O crime organizado e a formação de milícias são práticas recorrentes e presentes em todas as regiões e têm se fortalecido sob o manto da impunidade, da omissão e da ausência do Estado.
12. Dentre as medidas governamentais que agravam os impactos do modelo desenvolvimentista sobre a maioria da população maranhense, queremos destacar a Reforma do Código Estadual de Floresta, que tramita sem muita publicidade e, portanto, sem o devido debate e participação públicos; e ainda, a Lei nº 10.276/2015, que é uma cópia fidedigna da expedida no estado do Tocantins, representando os interesses diretos do MATOPIBA e do violento agronegócio no Estado do Maranhão. Isso reforça o “lobby” da última fronteira agrícola do país e transforma os territórios de reprodução dos modos de vida tradicionais em áreas agricultáveis para os monocultivos. Ainda mais assustador, é retirar da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, transferindo para a Secretaria de Agricultura do Estado, o poder de licenciamento ambiental desses empreendimentos, sinalizando e avançando para a destruição dos biomas maranhenses.
13. Percebemos um aumento considerável e acelerado de desmatamento nas terras indígenas ou no entorno destas. Esses desmatamentos, além de trazer a destruição das riquezas ambientais em nosso estado, deixam um lastro de violência e empobrecimento das comunidades indígenas.
14. Destacamos dois casos, que esperamos que sejam solucionados o mais breve possível:
a) Terra Indígena Canela, dos povos Memortunré e Ramkokamekra/Canela, nos municípios de Barra do Corda e Fernando Falcão. A equipe do CIMI-MA esteve na terra na semana passada e constatou a existência de um grande desmatamento dentro da área pretendida por esses povos, que se encontra em processo de nova demarcação desde 2000. Ou seja, essa terra está interditada para qualquer tipo de uso, ainda mais exploração. Não poderia ser concedida licença ambiental para desmatamento e, se não teve licença, o governo deveria apoiar as ações da Funai, que já tem conhecimento do fato, para proibir esse dano ao meio ambiente e ao patrimônio indígena. Segundo as lideranças indígenas, a área está sendo desmatada para plantio de soja e eucalipto, o que já começa a prejudicar os riachos que passa no interior da terra já demarcada. O desmatamento está sendo realizado na serra do Pati, localizada a 6º15´18″S – 45º02´25.24″O. As coordenadas são do Goolge Earth.
b) A Terra Indígena Gamela, do povo Gamela, no município de Viana. O processo de desmatamento, avançando sobre juçarais, guarimanzais, aterrando riachos, foi intensificado, desde agosto de 2015, na área que hoje garante a segurança alimentar daquele povo. Semana passada uma comissão do povo Gamela esteve em vários órgãos (SEJAP, SEDHPOP, SEMA) protocolando um documento denúncia e, até o dia de hoje, nada foi feito. Os que se dizem proprietários daquela área continuam desmatando.
15. Essas problemáticas, embora diferentes, são faces da clara opção governamental por um modelo de desenvolvimento pro Estado como um todo; um modelo que destrói que exclui e que mata nosso povo. No contexto da região metropolitana, queremos externar o nosso repúdio às atuais propostas de alteração do Plano Diretor de São Luís e a forma de construção e de condução desse processo.
16. Entre as tantas ilegalidades, falta de ética humana, negociatas com os interesses do empresariado e desvios da função social da cidade, destacamos: (i) o absurdo de se pretender transformar a maior parte das zonas rurais da cidade em industriais, de porto e logística. Isso em um contexto em que as indústrias e empreendimentos atuais já ultrapassam, em muito, todos os limites de efluentes e emissões permitidos pela legislação; (ii) a falta de demarcação das áreas ocupadas ancestralmente por populações tradicionais e por unidades de criação em vias de criação e, algumas, de interesse da União, como o caso da RESEX de Tauá-Mirim; (iii) a falta de publicidade das audiências, propostas, mapas e planos, bem como do registro dessas audiências em consonância com os regulamentos do Conselho das Cidades; (iv) a tentativa de se promover discussões locais, fragmentadas, que não possibilitam aos munícipes o direito à informação sobre o projeto de futuro que está sendo forjado para a cidade e sobre os ônus sociais, culturais, ambientais, para a produção e abastecimento de alimentos e para a saúde pública que são decorrentes das alterações propostas; e (v) a ausência de planos e debates acerca de aspectos estruturantes e precedentes para qualquer plano de expansão urbana, tais como o Plano de Mobilidade Urbana, o Plano de Saneamento Básico e Ambiental, o Plano de Gestão de Resíduos Sólidos, a problemática do aumento de potencial construtivo sem contrapartida e compensação, a falta de infraestrutura urbana e a localização e acesso aos equipamentos sociais e de serviços urbanos.
17. Manifestamos repúdio e preocupação com o aumento da violência, inclusive da violência institucional muito clara através da ação da polícia, que assola o povo maranhense. Os dados do monitoramento feito por um conjunto de organizações sociais são assustadores; cenas de violência são expostas cotidianamente e vão se naturalizando. Hoje temos como principais agentes e vítimas da violência a nossa juventude, negra, pobre, das periferias e do interior do estado.
18.Percebemos ainda as fragilidades nos sistemas de saúde e de educação, com alto índice de mortalidade em diversos municípios do estado, condições precárias de funcionamento das unidades de saúde, escolas também em condições precárias com redução de dias letivos e carga horária; com especial atenção, à educação indígena que, embora o Estado tenha criado a Lei criando a categoria de Escola e Professor Indígena, permanece a precariedade tanto estrutural como pedagógica.
19. Essas questões que elencamos até aqui são importantes porque atingem um número maior de maranhenses, impactando diretamente em suas vidas e nos biomas que formam a riqueza natural desse estado.
20. Diante de todo o exposto, consideramos imperativos:
a) uma ampla consulta e debates públicos, no âmbito do estado do Maranhão, sobre a implantação do MATOPIBA;
b) que seja revista a autorização de licenças ambientais para o desmatamento e a implantação de atividades agrícolas em terras indígenas, quilombolas, ribeirinhas e assentamentos;
c) a revogação do Decreto 31.109/2015 que regulamenta a Lei 10.276/2015;
d) a investigação e punição de mandantes e autores dos assassinatos de lideranças camponesas, indígenas e quilombolas;
e) a devida proteção e assistência do Estado às 33 famílias da Comunidade Brejinho, que se encontram longe de suas casas, sem o direito de colher suas roças, face às ameaças sofridas pós-assassinato do camponês Raimundo José dos Santos;
f) que atenda o pedido de audiência da Comissão do Conselho Consultivo da Rebio Gurupi, já solicitado anteriormente a SEDHPOP em 11 de maio de 2015, em reunião com a Secretária Adjunta;
g) a expedição de carta de anuência, pelo governo do estado, em relação ao decreto de criação da RESEX de Tauá-Mirim, a qual já possui seu conselho gestor provisório em exercício, se encontra aprovada pelos órgãos responsáveis do governo federal, desde 2007;
h) que o Estado do Maranhão promova a imediata regularização fundiária em regiões de ocupação consolidada em São Luís, reconhecendo, por exemplo, os títulos condominiais concedidos pelo Iterma no passado, combatendo a grilagem na grande Ilha, considerando que o estado recebeu inúmeras glebas à título de aforamento por parte da União, conforme Lei 78.129/76;
i) a efetiva participação do Estado na regularização dos territórios indígenas e quilombolas, na perspectiva de garantia dos direitos dessas populações frente ao avanço do agronegócio, das monoculturas, da extração ilegal de madeira, do desmatamento e exploração dos recursos naturais;
j) a unificação das políticas de fortalecimento da agricultura familiar, hoje fragmentadas em diversas secretarias, priorizando este segmento como importante e estratégico para uma outra opção de desenvolvimento, mais sustentável e inclusivo neste estado, que viabilize a permanência e melhores condições de vida das famílias de trabalhadores e trabalhadoras no campo;
k) a reativação imediata do Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena, apoio do Estado à Licenciatura Intercultural Indígena para a formação de professores, sob responsabilidade da UEMA, e a construção do prédio escolar do povo indígena Awá;
21. Esperamos que, a partir deste diálogo, estas e outras demandas que representam as necessidades mais básicas e os direitos da maioria da população maranhense tenham uma resposta efetiva do atual governo. Que se manifeste, sobretudo numa mudança de rumo, mudança de opção por um desenvolvimento que priorize e respeite a diversidade de povos e culturas que formam esse estado; que garanta os direitos e melhores condições de vida do e para o povo maranhense; que permita a participação democrática na definição das políticas pensadas para o Estado como um todo.
“Tire as sandálias, pois este chão é sagrado” (Ex, 3).
São Luís – Maranhão, 30 de setembro de 2015.
Comissão Pastoral da Terra do Maranhão (CPT)
Cáritas Brasileira Regional Maranhão
Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
Povo Indígena Gamela
Pastoral da Criança – MA
Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)
Centro de Estudos Bíblicos (CEBI)
Diocese de Brejo
Coordenação Pastoral Diocesana de Balsas
Cáritas Diocesana de Caxias
Cáritas Arquidiocesana de São Luis
Pastoral Carcerária
Pastoral da Educação
Comissão Pastoral da Terra de Grajaú
Comissão Pastoral da Terra de Coroatá
Comissão Pastoral da Terra de Balsas
Vias de Fato
Fonte: Tijupá