Por Gife
As organizações da sociedade civil parecem estar, cada vez mais, se apropriando das novas tecnologias para dar mais visibilidade e disseminar as suas causas e manter um relacionamento mais próximo com seus principais stakeholders. Essa é uma das percepções da pesquisa “TIC Organizações sem Fins Lucrativos”, que acaba de ser lançada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), por meio do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC.br). O GIFE, juntamente com outras instituições de atuação no campo social, apoiou a realização do estudo.
A proposta da pesquisa foi mapear a infraestrutura, o uso, as capacidades e as habilidades acumuladas nas organizações sem fins lucrativos sobre as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), visando gerar dados que ajudem a compreender a apropriação dessas tecnologias, os aportes para a gestão das instituições e possíveis benefícios para as comunidades em que atuam. Trata-se da segunda edição da pesquisa – a primeira foi lançada em 2012.
Para a elaboração do estudo, o Cetic.br adotou como referência indicadores mundialmente comparáveis definidos por organizações internacionais, mas buscou também definir indicadores locais que pudessem responder a questões do contexto brasileiro. Ao todo, foram entrevistadas 3.283 organizações sem fins lucrativos nas áreas de cultura e recreação, educação e pesquisa, religião, saúde e assistência social, desenvolvimento e defesa de direitos. As organizações têm, entre seus públicos de atuação, jovens (52%), crianças e adolescentes (50%) e mulheres (45%), e sua atuação acontece especialmente nas comunidades em que estão inseridas.
Iara Rolnik, gerente de Conhecimento do GIFE, destaca a importância do estudo para o campo, tendo em vista a escassez de dados em relação às organizações do terceiro setor. “Apesar de não ser o foco principal da pesquisa, ela acaba contribuindo e muito para desenhar um perfil das organizações como um todo. Com isso, trata-se de uma importante fonte de dados sobre o setor e referência no campo, principalmente por trazer informações específicas que não encontramos em outros estudos”, ressalta Iara.
Um destes dados, inclusive, diz respeito à fonte de financiamento das organizações. A pesquisa demonstrou que são os indivíduos que financiam as entidades da sociedade civil. Essa afirmação foi inicialmente comprovada na edição 2012 e agora é confirmada na versão 2014. Segundo os dados, 54% das organizações brasileiras recebem doação voluntária de pessoas físicas.
Em artigo presente na publicação, inclusive, João Paulo Vergueiro, presidente da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), e Marcelo Estraviz, presidente do Instituto Doar, destacam que o resultado é fundamentalmente positivo, pois esse é o modelo no mundo e agora é observado também no Brasil. “Nos Estados Unidos, país em que talvez o terceiro setor seja o mais desenvolvido do mundo, os indivíduos respondem por 70% do financiamento das organizações, e na Inglaterra não fica muito longe disso, assim como em outros país. Com as pesquisas do CGI.br, finalmente temos fundamentos para concluir que o Brasil não está muito distante dos países desenvolvidos e democráticos quando falamos em financiamento da sociedade civil, ainda que até hoje não tivéssemos instrumentos para comprovar isso”.
Eles ainda completam: “E, para aqueles que atuam com captação de recursos para organizações da sociedade civil, o resultado da pesquisa TIC Organizações Sem Fins Lucrativos é ainda mais promissor, pois reforça algo que é defendido há muito tempo no país, e que já é realidade no resto do mundo desenvolvido e democrático: é a sociedade civil que financia as suas próprias organizações”,afirmam no texto.
Interatividade
Fabio Senne, coordenador de pesquisas do Cetic.br, destaca, entre os dados levantados pelo estudo, o crescimento da presença das organizações nas redes sociais entre 2012 e 2014, passando de 52% para 61% das entidades que possuem conta ou perfil próprio em alguma rede social, bem como blogs e fóruns, sendo o Facebook o canal mais mencionado (53%).
“Precisamos de uma série história para dizer que é uma tendência, mas os números já apontam esse caminho. O interessante é que esse cenário é o oposto do que observamos nas empresas, por exemplo, em que optam por desenvolver e se fazer presentes mais em sites do que nas redes sociais”, explica, destacando que as entidades sem fins lucrativos possuem em menor proporção websites ou homepages próprios (35%).
Segundo a pesquisa, as ações mais comuns realizadas pelas entidades na internet são publicação de notícias (89%) ou temas relacionados à área de atuação das organizações (86%). Atividades envolvendo algum tipo de interação com o público também ocorrem com frequência.
O estudo mostrou que a promoção de campanhas de conscientização e mobilização está entre as principais iniciativas promovidas nesse ambiente: 64% das organizações presentes nas redes sociais fazem esse tipo de ação. Para 77% delas, a presença na internet por meio dessas redes contribuiu ou contribui muito para a efetivação de suas causas.
“Hoje, as organizações conseguem atingir muito mais o seu público com as ferramentas disponíveis na web, dando um alcance maior para sua atuação, do que acontecia antigamente. Trata-se de um espaço importante que elas vêm ocupando”, ressalta o coordenador do Cetic.br.
Por meio da pesquisa, por exemplo, foi possível identificar que o uso das redes sociais tem se disseminado como ferramenta importante para o trabalho de entidades brasileiras: para 51% delas, as TIC contribuíram muito para aumentar a agilidade na realização de suas tarefas, enquanto 45% mencionam melhora na comunicação interna. As organizações citaram em menor medida a contribuição das TIC para a redução de despesas (30%) e aumento de captação de recursos (19%).
Desafios
Em relação à infraestrutura, os resultados do estudo indicam que o computador e a internet ainda não são recursos tecnológicos universalizados no ambiente das organizações sem fins lucrativos: 75% e 68% das organizações os utilizam, respectivamente.
Segundo o levantamento, a falta de recursos financeiros para investimento na área de tecnologia ainda é a principal barreira para adoção das TIC no terceiro setor: 60% das organizações declararam não possuir computador devido ao alto custo de aquisição ou manutenção. Já no caso da Internet, 60% das organizações acusaram o custo de conexão e 42% a falta de infraestrutura de acesso como motivos para não utilizá-la.
O estudo revelou que há uma parcela de organizações que não possui equipamentos próprios, o que sugere, em muitos casos, que o trabalho é realizado com os equipamentos pessoais de seus membros e voluntários. Isso ocorre, principalmente, entre as organizações pequenas. Entre elas o uso de internet também é menor: 48% das organizações sem pessoal ocupado afirmaram utilizar internet, enquanto 87% nas organizações com 1 a 9 pessoas ocupadas e 85% naquelas com mais de 10 fazem uso da rede.
“O universo das organizações sem fins lucrativos é muito amplo e diverso. Isso fica evidente quando olhamos os dados por região. Nas grandes capitais os dados são outros. Mas, como temos muito mais entidades espalhadas por pequenas cidades, verificamos a dificuldade de acesso à internet, principalmente em áreas rurais”, destaca Fabio.
Além dos dados, a publicação traz uma série de artigos de especialistas sobre o assunto. Os interessados em explorar mais os dados da pesquisa, inclusive fazendo cruzamento de dados por região, porte da entidade etc, podem acessar a área de visualização de dados do Cetic.br.