Em uma época de proliferação intensa de câmeras nas mãos da população, tem aumentado o uso de vídeos em casos de defesa de direitos humanos. Para avaliar o quanto este recurso tem influenciado nas decisões judiciais no Brasil, as organizações Artigo 19 e Witness lançaram o estudo “Vídeo como prova jurídica para defesa dos direitos humanos no Brasil”. O informe analisa, em detalhes, sete casos judiciais, nos quais as imagens de um ou mais vídeos tiveram papel preponderante para o desfecho, além de fornecerem orientações sobre como filmar violações de direitos humanos.
Entre as principais conclusões do relatório, constata-se que há um hiato entre a captação das imagens de violação e a responsabilização dos violadores, ou a reparação das vítimas. Mas o horizonte é promissor e o vídeo tende a ser uma ferramenta essencial para a garantia dos direitos humanos, no Brasil, via sistema de justiça.
A utilização do vídeo como prova influencia no desfecho dos julgamentos, principalmente, em casos de violência policial. Na imagem, trecho do vídeo do caso da Favela Naval. |
A pesquisa também observou que embora os juízes, desembargadores e ministros, não transcrevam, em suas decisões, detalhadamente, as questões sobre a filmagem e o conteúdo do vídeo em si, verificou-se que, em casos de violência policial, por exemplo, a tendência é que um vídeo gere repercussão e influencie o modo como são conduzidas as investigações. Além de alterar o resultado comum que, geralmente, tende ao arquivamento dos casos.
Para a advogada da Artigo 19 Camila Marques, por mais que a pesquisa tenha mostrado que ainda falta reconhecimento formal por parte de magistrados em relação ao vídeo como prova jurídica, claramente, se verifica um número expressivo de casos em que, se não fosse o vídeo, o desfecho seria outro. “Isto, certamente, aponta uma tendência, sobretudo, em uma sociedade em que mais e mais cidadãos lançam uso de câmeras de celulares para registrarem violações”.
A utilização do vídeo como prova jurídica ainda é um fenômeno relativamente novo, de acordo com as organizações, constituindo-se em um caminho importante a ser trilhado por defensores, advogados, comunicadores, videoativistas e qualquer cidadão que possa vir a testemunhar e filmar uma violação de direitos humanos. Segundo Priscila Neri, da Witness, quando as vítimas de violência pelas mãos do Estado são pobres, negras e moradoras da periferia, em muitos casos, o vídeo tem servido como a única esperança para que os processos por justiça funcionem como deveriam. “Vídeos vêm conseguindo desafiar e romper nossa enraizada cultura de impunidade e arquivamento de inquéritos”.
A pesquisa se baseou em uma análise qualitativa de acórdãos do Supremo Tribunal Federal (STF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dos Tribunais de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) e do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ). Entre os sete casos emblemáticos analisados estão o da Favela Naval, ocorrido em 1997, em Diadema [São Paulo], que levou à prisão de um policial; e o de Cláudia Ferreira, filmada sendo arrastada presa a uma viatura, no Rio de Janeiro, e que resultou em reparação financeira à família pelo governo estadual. De acordo com o estudo dos casos, observou-se que, quando ocorreu algum tipo de responsabilização, em geral, existiu algum vídeo da violação dos direitos humanos.
As organizações esperam que a publicação sirva de orientação para videoativistas, ativistas, advogados e defensores de direitos humanos, para pensarem suas técnicas de coletas de vídeo e estratégias de utilização deles no sistema judiciário, a partir de experiências bem sucedidas e das lições e entendimentos que delas podem ser tiradas.
Legalidade
De acordo com o relatório, há consenso em afirmar que a gravação de vídeo em domicílios é ilegal, já que a própria Constituição Federal garante a inviolabilidade do domicílio (art. 5o, XI). Por sua vez, nos ambientes privados, que não sejam domicílios, os indivíduos também gozam de proteção à privacidade e à intimidade. “Por isto, nestes casos, qualquer gravação de vídeo, que não seja consentida, dependerá de autorização judicial e somente poderá ocorrer em casos excepcionais, de maneira semelhante ao que ocorre na Lei de Interceptação Telefônica (Lei no 10.217/2001)”, destaca o informe.
Já a filmagem em locais públicos independe de autorização judicial, uma vez que, pela própria natureza do espaço público, não há violação da intimidade dos indivíduos. Portanto, é lícito e amplamente aceito o uso do vídeo em espaços públicos como prova jurídica.
Fonte: Adital, por Cristina Fontenele