Gastos nas campanhas eleitorais triplicaram entre 2002 e 2010 e evidenciam crescente influência do poder econômico. Nova ferramenta permitirá acompanhamento nas próximas eleições.
Por Marco Weissheimer, no Sul 21
O Instituto Justiça Fiscal (IJF) lançou o site Os Donos do Congresso (http://www.donosdocongresso.com.br/), um instrumento que pretende disponibilizar à população, de forma ágil e simples, informações sobre o financiamento das campanhas eleitorais para o Congresso Nacional.
Em um primeiro momento, o site trará informações sobre o financiamento das campanhas nas eleições de 2010 para o Congresso. A partir do início da campanha eleitoral deste ano, o espaço promete disponibilizar os dados de financiamento dos candidatos que estarão concorrendo, na medida em que essas informações sejam apresentadas ao TSE e disponibilizadas pelo tribunal.
O lançamento do site fez parte da programação do Seminário Justiça Fiscal e Tributação, realizado dias 28 e 29 de abril, em Porto Alegre.
Em 2010, informa o site, considerando apenas as campanhas para o Senado e para a Câmara dos Deputados, foram gastos R$ 2.151.999.728,65. Esse foi o custo total das campanhas dos 4.615 candidatos e candidatas que disputaram uma vaga no Congresso (4.391 candidatos a deputado federal e 224 candidatos a senador).
Os candidatos eleitos (81 senadores e 513 deputados federais) utilizaram 34,94% do total de recursos gastos nas campanhas, ou seja, R$ 751.839.942,00. A origem da maioria desses recursos é de doações feitas por empresas: 84% dos recursos vieram de pessoas jurídicas, totalizando R$ 1.806.360.157,44. As doações de pessoas físicas totalizaram R$ 345.639.571,00, representando 16,06% do total de recursos gastos nas campanhas.
CRESCEM CUSTOS DAS CAMPANHAS
O crescimento dos gastos de campanhas eleitorais no Brasil tem sido exponencial, ultrapassando largamente a evolução inflacionária. No período entre 2002 e 2010, esses gastos triplicaram, enquanto que a inflação variou em torno dos 76%.
Considerando apenas os gastos declarados das campanhas para a presidência e a Câmara Federal, os valores passaram de R$ 827.758.454,00, em 2002, para R$ 4.862.952.768.00, em 2010. Na eleição de 2010, 370 deputados federais foram eleitos combinando a condição de candidaturas mais caras (entre as 513 candidaturas mais caras do país).
O valor das contribuições empresariais dobra ou mais do que dobra a cada eleição, chegando a quase 5 bilhões de reais na última campanha. Essa crescente demanda por recursos tende a dificultar cada vez mais a eleição de candidatos sem acesso ou com acesso reduzido a eles.
Os dados e as conclusões são do artigo Gastos em campanhas eleitorais no Brasil (http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/14166), de Ana Luiza Backes e Luiz Cláudio Pires dos Santos, da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados. O estudo consolida informações sobre os gastos eleitorais recentes no Brasil, a partir das declarações prestadas pelos candidatos à Justiça Eleitoral, disponíveis na página do Tribunal Superior Eleitoral na internet.
Os autores mostram a evolução das despesas entre 2002 e 2010 e o detalhamento dos gastos em relação à eleição de 2010. Além disso analisa a relação entre volume de gastos e a possibilidade de sucesso dos candidatos, apontando fortes evidências do crescimento do poder econômico no processo eleitoral e das ameaças que isso representa para a democracia brasileira.
O estudo assinala que os gastos com campanhas eleitorais aumentaram muito no mundo inteiro a partir da década de 1980. Entre as causas desse crescimento, estariam o aumento dos custos em marketing e propaganda e dos custos com transporte, com a expansão do uso de jatinhos.
Nos últimos anos, foram apresentadas algumas propostas no Congresso para limitar os gastos eleitorais, mas elas não prosperaram. “Diante da falta de acordo quanto aos valores dos limites, a legislação adotou uma fórmula inócua, que deixa na prática sua fixação a cargo dos próprios partidos (que elevam ao máximo este valor)”, assinalam os autores.
A análise dos dados coletados, considerando, cabe enfatizar, apenas os gastos declarados, demonstra uma forte relação entre gastos e sucesso eleitoral. A conclusão de Ana Luiza Backes e Luiz Claúdio Pires dos Santos é a seguinte:
“Comparando a média de gastos dos eleitos com a dos não eleitos, observa-se que aquela foi em média 12 vezes maior. Considerando que o número de candidatos é muito grande, e que existem candidatos que praticamente não fazem campanha, o que rebaixa os gastos da média dos não eleitos, fizemos o cálculo da média de gastos dos candidatos competitivos, ou seja, dos não eleitos mais próximos da eleição (que acabaram ficando como suplentes). Ainda assim, a relação continua forte: os eleitos gastaram na média nacional o dobro dos não eleitos competitivos. Em vários estados (Pernambuco, Acre, Sergipe, Piauí, Rio Grande do Norte e Goiás), os eleitos gastaram o quádruplo ou mais que seus adversários competitivos. Dos 513 eleitos para a Câmara, 369 estão entre os que mais gastaram no seu estado”.
REPRESENTAÇÃO POLÍTICA DISTORCIDA
Os autores reconhecem que o dinheiro não é a única variável que explica a eleição de uma determinada conjuntura, mas destacam que “o que parece claramente emergir dos dados é que, sem gastar muito, as chances de eleição estreitam-se enormemente”. “A relação entre a garantia de sucesso e maiores gastos, aliada à inexistência de limites legais, empurra inexoravelmente para cima o custo das campanhas”, acrescentam.
Uma das conclusões mais negativas desse processo para a democracia é a crescente dificuldade para a eleição de representantes dos setores mais pobres da sociedade. “Se a eleição é mais cara, quem tem menos dinheiro tem mais dificuldade; igualmente partidos de pessoas com menos dinheiro ou que representam seus interesses provavelmente terão menos acesso a recursos”, assinala ainda o estudo.
Como, na prática, o grosso das contribuições das campanhas vem de pessoas jurídicas (em especial um grupo de grandes empresas), “a pressão por recursos parece constituir fonte para relações escusas entre empresas e candidatos”.
“As empresas que se interessam em doar em geral o fazem como investimento, para o qual esperam retorno; além disso, muitos dos recursos doados são ilegais, pois vêm de recursos não contabilizados nas próprias empresas, alimentando o chamado caixa 2”, aponta o artigo da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados.
O site Os Donos do Congresso e outros instrumentos que devem ser disponibilizados pela Justiça Eleitoral e por alguns dos próprios candidatos permitirão que a população acompanhe esse processo mais de perto na campanha eleitoral deste ano.