O megaevento coloca em xeque direitos como moradia, cidade, trabalho e a própria vida
Por Marcela Reis, do Observatório
Vinte e duas mil famílias foram removidas de suas casas em decorrência das Olimpíadas 2016, sediadas na cidade do Rio de Janeiro a partir desta sexta-feira (5). Os Jogos, que vão até o dia 21 de agosto, desabrigaram 77 mil pessoas na capital carioca. Os dados são da Prefeitura do Rio de Janeiro.
“O verdadeiro sentido das transformações em curso na cidade: acelerar a “limpeza social” de áreas valorizadas e de áreas periféricas, convertidas em novas frentes lucrativas para empreendimentos de classe média e alta renda. Trata-se de uma política de relocalização dos pobres na cidade para atender os interesses imobiliários e otimizar oportunidades de negócios”. O trecho é de carta do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro, composto por diversos coletivos, movimentos sociais e Organizações da Sociedade Civil (OSCs) que discutem a política urbana da capital carioca no contexto dos megaeventos.
De acordo Júlia Bustamante, economista do Instituto PACS – Políticas Alternativas para o Cone Sul, não são só as remoções das famílias de suas casas que assolam a população durante as preparações da cidade e durante as Olimpíadas. Inúmeros direitos humanos não estão sendo garantidos também. “São diversas violações em relação ao direito à moradia, ao trabalho, à própria vida – por causa da política de segurança pública –, e até ao direito à cidade. Mudanças foram feitas em termos de mobilidade e as próprias pessoas não acessam a cidade”, afirmou.
Em agosto do ano passado, onze operários/as foram encontrados/as em condições análogas ao trabalho escravo em obras para os Jogos Olímpicos. Vindos/as de inúmeros pontos do País, eles/as estavam alojados em local sem nenhuma higiene. A empreiteira Brasil Global Serviços, responsável pelas obras do alojamento dos/as atletas – a chamada Vila Olímpica –, é a responsável pelas condições degradantes em que os/as trabalhadores/as se encontravam.
Em relação à infraestrutura da capital, um exemplo demonstra bem a situação: corredores de BRT (Transporte Rápido por Ônibus, em português) das vias expressas TransOlímpica, TransOeste e TransCarioca foram apresentados à população sem discussão alguma entre sociedade civil e governo. Todas foram criadas com grandes problemas e tiveram muitas críticas dos/as cidadãos/ãs, como atraso, dificuldade de embarque, superlotação e desconforto.
Segurança Pública
Durante a Copa do Mundo FIFA de 2014, que foi sediada no Brasil, operações policiais no Estado do Rio de Janeiro deixaram pelo menos 580 mortos/as. Sob o slogan de garantia da segurança, os homicídios causados por policiais nessas operações só cresceu: em 2014, aumentaram 40% e, em 2015, mais 11%, com total de 645 mortes.
No ano passado, um em cada cinco homicídios na cidade do Rio de Janeiro foi de responsabilidade policial. Só este ano, mais de cem pessoas foram assassinadas por policiais na capital. Os dados são do relatório da Anistia Internacional A violência não faz parte desse jogo! Risco de violações de direitos humanos nas Olimpíadas Rio 2016. “Já estamos vendo qual é o tipo de segurança pública dos Jogos: ainda mais repressão a quem se coloca contra o modelo de cidade proposto e contra a lógica de que megaeventos servem como reestruturação. E os que sentem mais são os moradores das favelas e áreas periféricas. A cidade está militarizada e a violência do Estado decretada pra quem tentar se manifestar”, afirma Larissa Gdynia Lacerda, militante do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro.
Júlia reforça a lógica de militarização do País. “O Rio de Janeiro vem sendo um laboratório de controle militar da cidade e da vida. São 100 mil agentes do Estado deslocados para os Jogos e a nossa polícia é a que mais mata pobres e negros. Uma sociedade não é segura porque o policial aponta uma arma para a população”. Para ela, armas e tanques de guerra não representam segurança, pelo contrário. “Deve-se investir em políticas de acesso aos direitos e políticas que diminuam as desigualdades socioeconômicas.”
Dinheiro público
De acordo com o Dossiê do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro 2015, 62,1% dos gastos com as Olimpíadas vêm dos cofres públicos, número diferente da versão oficial que afirma que apenas 42,6% dos gastos são públicos. “Esses gastos não valem a pena. São gastos feitos de maneira autoritária e com acesso de informações cerceado, para que a população não questione e não seja crítica. É um gasto autoritário e violento”, avalia Larissa. Para ela, existe uma inversão de prioridades. “Esse dinheiro poderia ser gasto com despoluição de baías e lagoas e investimento em saneamento básico, visto que nem 50% da população do Rio de Janeiro tem esgoto tratado.”
Julia acredita que o dinheiro deveria estar ligado ao viver e ao bem estar de todos/as os/as moradores da capital. “É um absurdo e um desrespeito priorizar o evento. Usar recursos e espaços para realizar um evento que dura um tempo curto e que não é voltado para a população em geral.”
Os Jogos da Exclusão
A Jornada de Lutas Contra a Rio 2016, que foi organizada pelo Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro, é uma forma de resistência aos chamados Jogos da Exclusão, que são os Jogos Olímpicos.
Foram cinco dias de mobilizações diversas na cidade do Rio de Janeiro: debates, vigília e ato. A Jornada foi fruto de encontros desde o início do ano e teve a finalidade de denunciar e dar visibilidade às violações dos direitos humanos e disputar um discurso sobre o real significado da Cidade Olímpica. Para Larissa, o ano de 2016 tem uma importância diferente porque encerra dez anos recebendo eventos esportivos (Jogos Pan-Americanos e Copa do Mundo). “A Jornada é uma tentativa de organizar movimentos numa mesma pauta. E o que fica são os brasileiros, principalmente cariocas, mais críticos em relação à gestão da cidade e aos megaeventos.”