A diferença é que, desta vez, deu tom mais enfático ao pedir que os opositores à política leiam, de fato, o que diz o decreto que a institui. E, também, ao assegurar que os que se posicionam de forma contrária ao decreto querem, na verdade, reduzir a participação da sociedade na formulação de políticas públicas.
Com a afirmação, o ministro se posicionou de modo firme sobre a questão e adotou o tom usado pela base aliada do governo no Congresso, quando trata do assunto (que tem deixado de lado uma postura diplomática para alardear em alto e bom som que a oposição está querendo manobrar para cercear a democracia).
Ao participar de audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado, Carvalho contou, de modo didático, os termos estabelecidos pela norma tão criticada, mas deixou claro que ninguém esperava essa reação ao decreto. Acrescentou, ainda, que enquanto os opositores tentam reduzir a participação social, o que mais o Executivo recebe são pedidos para que tal participação seja ampliada. “A democracia veio para ficar e é preciso que esse pessoal entenda isso”, colocou.
De acordo com Carvalho, o Decreto 8.243/2014, que institui a PNPS, teve o mero objetivo de disciplinar o funcionamento dos meios de interlocução entre governo e sociedade já existentes, uma vez que faltava a esses conselhos, conforme explicou, unidade e disciplinamento. “O nosso objetivo foi arrumar a casa, estimular que esses conselhos se espraiassem em outras áreas do governo, mas em nenhum momento pregamos a formação de um novo conselho, porque o que a sociedade mais reclama é de mau funcionamento de muitos deles. A ideia era e é melhorar e deixá-los mais atuantes para que as propostas apresentadas sejam ouvidas”, afirmou.
Propostas defasadas
O ministro também disse que muitas vezes, as comunidades reclamam que quando os conselhos apresentam propostas e estas chegam até o governo já estão defasadas. Segundo ele, é justamente esse tipo de distorção que o decreto tem o intuito de evitar, daqui por diante. Frisou que nem de longe o Executivo imaginava que o tema, antes tido como trivial, poderia provocar polêmica com tão grandes proporções. E isso se deu em razão de incompreensões diversas, da leitura parcial ou atravessada do texto e, sobretudo, diante de certa postura ideológica ou política de quem não tem interesse em ver a participação social ser ampliada.
“Aconselho os que se posicionam de forma contrária à PNPS apenas com base no que ouviram a respeito a lerem o decreto e não se deixarem levar por informações de quem tem uma postura equivocada. Esse decreto não surgiu de uma gaveta, foi fruto de um longo processo de discussão. Não cria nenhum novo conselho nem invade competências ou obriga alguma coisa a ninguém, apenas faz recomendações. Essa era a razão pela qual entendíamos que não havia sentido em fazer um projeto de lei sobre o tema, e sim um decreto regulamentador de uma realidade já existente”, acentuou.
A audiência pública contou com a participação de poucos senadores, mas teve a presença de representantes de entidades da sociedade civil e representantes de conselhos populares. Um dos presentes, o senador Pedro Simon (PMDB-RS), elogiou a iniciativa e disse que infelizmente esse tipo de resistência tem sido comum no Congresso Nacional.
Simon lembrou que apresentou em 2005 um projeto de lei para instituir o orçamento participativo em nível federal, ideia que teve logo após ver o êxito da aplicação do orçamento participativo no seu estado – uma das primeiras iniciativas do país calcadas na participação social. A matéria, contou, tramitou por várias comissões e está desde o ano passado pronta para ser levado ao plenário sem que tenha encaminhamento.
Momento errado
O senador disse que, a seu ver, o decreto consiste num belo projeto, mas está pagando um preço que não merece por ter sido publicado em período errado por parte do governo. “Esse era um belo projeto para se apresentar no ano passado, que foi ano neutro, normal, tranquilo pra discutir e debater. Agora não foi o melhor momento. Foram oito anos de Lula e dois anos de Dilma, prazo mais que suficiente para implantar a política, mas deixaram para apresentar agora, em pleno ano de campanha e de CPI da Petrobras”, criticou.
Eduardo Suplicy (PT-SP) destacou a iniciativa do decreto e citou um texto de Dalmo Dallari, no qual o jurista salienta que a PNPS é um passo positivo para aperfeiçoar a democracia brasileira.
O presidente de um dos conselhos no Distrito Federal, professor Raul Cardoso, afirmou que no ano passado, quando encontrou vários estudantes nas manifestações das ruas e procurou conversar com eles para entender o que representavam os protestos populares, passou a ter a convicção firme de que o que a população precisa é justamente mais política e participação social. “Os setores que são contrários à PNPS são os que se recusam a abrir mão dos seus privilégios”, acrescentou.
Representante da Via Campesina presente à audiência, o camponês Anderson Amaro, foi no mesmo sentido em seu depoimento. Amaro ressaltou que para o movimento que ele integra, o decreto nada mais é do que a regulamentação do que há muito tempo já ocorre no país. “É uma forma da sociedade participar mais das políticas públicas. Quando vemos setores conservadores se posicionando contra, é porque estes setores continuam querendo cercear o pouco espaço que temos para nos expressar”, disse.
Estrutura já existente
A audiência pública, acompanhada de perto pelos jornalistas, terminou tendo um efeito positivo para a PNPS, mas contou com pouquíssima participação dos parlamentares da oposição que são contrários ao decreto, o que se espera que aconteça a partir desta tarde, quando o assunto é objeto de outro debate no Congresso.
O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), prometeu incluir na pauta o projeto de decreto legislativo (PDC) que tem como objetivo revogar o decreto presidencial que instituiu o PNPS ainda esta semana.
Conforme informações da Secretaria-Geral da Presidência da República, existem atualmente 35 conselhos e muitos passam por dificuldades para funcionar como falta de transparência e fatores como reuniões pouco produtivas e critérios que nem sempre são condizentes com os objetivos para os quais foram instituídos. Destes, sete foram criados durante o governo Fernando Henrique Cardoso e 14 no governo Lula.
O decreto 8.243, que institui a Política Nacional de Participação Social, não cria novas estruturas, mas formaliza esses conselhos e suas atuações na sociedade civil. O argumento da oposição é baseado em dois pontos: o primeiro, relacionado à competência, pois os parlamentares oposicionistas acreditam que a matéria teria que ser apreciada pelo Congresso Nacional e não ser regulamentada por um decreto do Executivo. O segundo é a visão de que, criados desta forma, os conselhos permitem a indicação de integrantes por parte do governo para definir nas políticas públicas que são instituídas pelo Estado.
Fonte: Hylda Cavalcanti, da RBA