O Brasil tem mais gado que gente. O último Censo do IBGE calculou em 195,2 milhões a população brasileira contra um rebanho de 199 milhões de cabeças. O gado se espalha por todos os biomas, ocupando uma área de pastagem de 220 milhões de hectares, sendo um terço dele só na Amazônia. É um latifúndio correspondente a nove vezes o tamanho do estado de São Paulo e representa a atividade econômica que ocupa a maior superfície do território nacional. A soja, vinculada à pecuária, vem em segundo lugar, com mais 31 milhões de hectares.
Como há um reconhecimento mundial da importância da preservação da Amazônia, medidas protecionistas foram adotadas ao longo dos anos. Passou a ser obrigatório proteger 80% da área de cada estabelecimento rural na região. Já o Cerrado e o Pantanal estão livres, leves e soltos… A legislação é bem mais flexível nesses dois biomas. As áreas de preservação obrigatórias são de apenas 35% e 20%, respectivamente.
O “Atlas da carne – fatos e números sobre os animais que comemos” mostra com riqueza de detalhes, tabelas e infográficos como o consumo de carne faz mal à saúde do planeta. Elaborado por pesquisadores do Brasil, Chile, México e da Alemanha, a versão brasileira do estudo será lançada nessa terça, dia 6.
Enquanto a moratória na Amazônia conseguiu deter o desmatamento na região; no Cerrado, onde está presente dois terços de toda a soja cultivada no país, o desmatamento segue em ritmo acelerado. Calcula-se que mais de dez milhões de hectares de vegetação do Cerrado podem ser legalmente desmatados. Os empresários do agronegócio elegeram “Matopiba” – uma palavra que não existe no dicionário e também não caiu na boca do povo –, como a nova fronteira agrícola para a expansão da soja no país. A sigla é formada pela primeira sílaba de quatro estados brasileiros: Maranhão, Tocantis, Piauí e Bahia.
Se a Amazônia abriga a maior biodiversidade do mundo, o Cerrado é identificado como a grande caixa d´água do Brasil. É lá que nascem as águas que abastecem três importantes aquíferos e seis grandes bacias hidrográficas. O Pantanal é, por sua vez, um patrimônio ambiental único. “As ameaças que a soja e o gado representam para a preservação destes três biomas demonstram a insustentabilidade dos atuais padrões de produção e consumo de carnes”, avalia Maureen Santos, coordenadora do Programa de Justiça Socioambiental da Fundação Heinrich Böll no Brasil, e uma das autores do Atlas da Carne.
Para saciar a fome do mundo é preciso engordar 60 milhões de animais – não está incluído nesse cálculo a parcela da população sem poder aquisitivo para consumir carne e seus derivados, que é uma em cada sete pessoas no mundo. Enquanto na Europa e nos Estados Unidos o consumo está crescendo lentamente ou mesmo estagnando, nas economias emergentes, especialmente na China e na Índia, tende a crescer 80% até 2020.
Se as previsões de crescimento da demanda de carne no mundo se confirmarem, vamos todos pagar o preço do aumento das emissões de gases de efeito estufa. Uma vaca e seu bezerro poluem mais que um carro com 13 mil quilômetros, segundo comparação feita pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) – a comparação feita no relatório “A grande sombra do gado” suscitou, à época, críticas ferozes. A pecuária intensiva gera quase um terço dos gases de efeito estufa em nível global.
O Brasil, que é o maior produtor mundial de proteína animal, emite 7,7 quilogramas de gases de efeito estufa por cada quilograma de soja cultivada, que, na forma de ração, é um dos principais alimentos prioritários da dieta de engorda do gado. Outra parte das emissões – muitas vezes esquecida – decorre das mudanças no uso da terra.
O Atlas da Carne não é uma campanha vegetariana, mas ajuda a pensar: num país onde a crise hídrica já é uma realidade, faz sentido gastar 15 mil litros de água para produzir um único quilo de carne?
Fonte: Espaço