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Os investidores sociais têm utilizado, cada vez mais, os incentivos fiscais hoje disponíveis para apoiarem a realização de projetos e programas em diferentes áreas e por todo o país. Cada um, porém, tem escolhido um caminho para atuar e encontrado estratégias diversas para fortalecer as iniciativas no campo da cultura, saúde, infância, entre outras frentes.

Para discutir os vários modelos de governança, assim como as potencialidades e desafios em atuar utilizando as leis de incentivo, a Rede Temática de Políticas Públicas promoveu um encontro tendo como foco essa temática. A atividade aconteceu no dia 8 de setembro, em São Paulo, e contou com a presença de 30 participantes.

O grupo, formado em junho de 2015, reúne diversos associados do GIFE para debater, trocar experiências e aprofundar conhecimentos a respeito da atuação e aproximações do ISP com as políticas públicas do Brasil.

Ana Peliano, consultora da área e parceira da RT, iniciou o encontro destacando a importância deste tema quando se discute a respeito das parcerias público-privadas, tendo em visto o significativo montante de recursos hoje incentivado.

De acordo com o Censo GIFE, o total de recursos incentivados em 2014 foi de R$ 510 milhões em 2014. Porém, apesar de ser um valor relevante, ele corresponde a apenas 17% do volume total do investimento naquele ano. “Esses dados fazem cair por terra aquela tese que circula no senso comum de que as empresas só investem financiadas com recursos fiscais. É possível perceber que ainda predominam os recursos privados para as iniciativas”, comentou a consultora.

Os dados mostram ainda que a utilização dos incentivos é feita, principalmente, pelas grandes empresas e organizações – 69% dos que têm orçamento de mais de R$ 50 milhões usam algum tipo de incentivo fiscal; em várias frentes – três a quatro leis -, mas que os recursos são concentrados. Hoje, 31% das organizações usam a Lei Rouanet (da área de Cultura); 18% para Lei de Incentivo ao Esporte; e 17% para Fundo da Infância e Adolescência (FIA).

Já o estudo BISC (Benchmarking do Investimento Social Corporativo), promovido pela Comunitas, mostrou que, em 2015, o total de recursos incentivado foi de R$ 664 milhões. 75% das empresas usaram algum tipo de incentivo fiscal para a composição do orçamento, principalmente na área de cultura (43%).

Segundo Ana Peliano, ao observar os dados numa perspectiva histórica, é possível perceber que o uso dos incentivos fiscais acompanha o mesmo movimento do investimento total feito pelas empresas. Isto é, aumentando ou diminuindo da mesma forma. Ao observar, no entanto, o crescimento que os investimentos sociais tiveram em 2013 e 2014, percebe-se que quase dois terços se deve ao aumento dos incentivos fiscais.

A área de Saúde, por exemplo, foi beneficiada com a criação de leis de incentivo, como o Pronon e o Pronas. Antes da sua existência, o BISC observou que as empresas investiam R$ 31 milhões no campo. Após as novas leis, o investimento saltou para R$ 114 milhões, sendo que 65% vem do incentivo fiscal.

Compartilhando experiências

Após a apresentação do cenário atual neste campo, três investidores sociais foram convidados a compartilhar suas experiências no uso dos incentivos fiscais: Beatriz Araújo, da área de Marketing Institucional da Natura; Roberto de Castro Guimarães, diretor de Cultura do Instituto Oi Futuro; e Mário Mazzilli, diretor superintendente do Instituto CPFL.

A conversa foi dividida em blocos, a fim de que os participantes pudessem detalhar como se dá hoje em suas instituições a governança do uso dos recursos; a seleção de projetos; o acompanhamento, monitoramento e avaliação; a ativação e comunicação; e os desafios encontrados no processo. Os demais presentes no encontro também puderam falar sobre suas práticas, esclarecer dúvidas e apontar possíveis caminhos.

Governança

A governança para a utilização dos recursos se dá de diferentes formas entre os investidores. Na Natura, por exemplo, a gestão do Natura Musical – principal programa que utiliza a Lei Rouanet – fica sob a coordenação da Diretoria de Marketing, mas é compartilhada com outras áreas como Finanças e Fiscal. Já na Oi Futuro, o responsável pela gestão é o Instituto. Ele utiliza as leis municipais, estaduais e federais, com foco em Cultura e Infância, incentivando, inclusive, a criação de leis nas localidades de sua atuação.

Entre alguns investidores, a gestão é compartilhada dependendo do tipo de incentivo utilizado. Na CPFL, o Instituto é responsável pelo uso do ICMS e a Lei Rouanet e Esporte. Já os incentivos para Pronon, Lei do Idoso e FIA ficam na Diretoria de Sustentabilidade e Meio Ambiente do grupo.

Esse também é o caso da EDP, que compartilha a gestão entre o Instituto, a área de Marketing e Relações Institucionais da empresa. Já no Itaú, a responsabilidade é da Diretoria de Relações Institucionais e Governamentais, mas a análise técnica e acompanhamento é feita por áreas específicas dependendo da lei: a Fundação Itaú Social focada em FIA, o Itaú Cultural na Lei Rouanet e o Marketing Esportivo na Lei do Esporte.

Seleção

As formas de seleção dos projetos também são variadas, com forte tendência a processos baseados em editais públicos, nos quais as organizações, instituições ou determinados públicos específicos podem enviar suas propostas.

“O lançamento dos editais é interessante, pois traz disciplina e organiza os processos. Todos já sabem que esta é a porta de entrada para conseguir o patrocínio para a área de cultura e música. Fazemos isso há dez anos, com aporte entre R$4 e 6 milhões por ano”, comenta Beatriz Araújo. Ela destaca que, entre os critérios de seleção estão excelência artística, inovação, acessibilidade, assim como a diversidade na distribuição dos recursos: artistas mais consagrados (20%); novos talentos (50%) e iniciativas de memória, acervo, pesquisa (30%).

O diretor de Cultura do Oi Futuro comentou que o edital também foi a opção adotada pelo Instituto para a seleção de iniciativas. Uma das exigências é que o projeto já tenha sido aprovado para receber aporte via lei de incentivo ou que esteja em fase de aprovação junto aos órgãos competentes.

Já a CPFL optou por ir em busca de novos parceiros nos diversos campos para selecionar os projetos mais interessantes. A cada ano, um novo tema central é escolhido para direcionar a seleção e os critérios, com a preocupação de apoiar iniciativas de diferentes portes – desde projetos mais consagrados como oferecer oportunidade para novas propostas. “Mas não pulverizamos demais o investimento em todos os territórios que estamos, pois não será possível acompanhar o uso do recurso de uma forma adequada”, comentou Mário.

Acompanhamento, monitoramento e avaliação

Todos os debatedores destacaram a importância de se estabelecer processos de acompanhamento e monitoramento tanto em relação à prestação de contas – que pode variar, inclusive, de acordo com o incentivo fiscal utilizado – quanto para o desenvolvimento das iniciativas.

Alguns optaram por contratar escritórios especializados em acompanhar a prestação de conta financeira ou ainda criaram sistema interno de gerenciamento, como a Oi Futuro. Grande parte dos investidores conta com equipes internas para avaliar tecnicamente as iniciativas e as empresas investem nesta infraestrutura para avaliação e monitoramento dos projetos.

Ativação e Comunicação

Na avaliação dos investidores, é preciso cautela e uma análise cuidadosa em processos de ativação e comunicação da apresentação da marca em projetos incentivados. A transparência também é fator chave, deixando claro de que forma o apoio está sendo estabelecido para o público, clientes e demais interessados.

O que se percebe é uma forte tendência na utilização das redes sociais para ativação da marca. Isso principalmente pelo alcance e custos mais baixos de execução. “A ativação nas redes tem sido fantástica para nós. Um exemplo foi uma ação que fizemos da nossa iniciativa chamada Café Filosófico, em Campinas. Um dos nossos palestrantes criou um evento no Facebook e, em uma semana, tínhamos mais de 4 mil pessoas confirmadas. Tivemos que mudar o local do encontro. O resultado foi a participação de 700 pessoas dentro do teatro, mais 2 mil do lado de fora e 5 mil participações via Facebook”, contou o diretor superintendente do Instituto CPFL.

Ampliação das ações e desafios

O panorama atual mostra que há um potencial de utilização das leis de incentivo ainda a ser explorado pelos investidores sociais. Bruno Barroso, sócio diretor da Nexo, lembrou, por exemplo, que dos R$300 milhões que poderiam ser investidos em projetos via Lei do Idoso, só R$88 milhões estão sendo utilizados.

Na avaliação de Ana Peliano, a tendência é que, cada vez mais, as empresas utilizem o teto estabelecido para cada lei.

Porém, segundo os investidores, há alguns desafios a serem enfrentados para tal, como o desconhecimento das legislações. Há também a falta de projetos qualificados para receber o recurso em determinadas áreas e territórios. “Como não temos editais e vamos em busca dos parceiros, o que acontece é que, muitas vezes, não utilizamos o potencial imenso de ICMS que poderíamos para investir em esporte porque os projetos não são bons. Preferimos não utilizar do que usar mal”, comentou Mário.

Para mudar esse cenário, alguns investidores têm apostado na formação das organizações sociais, como é o caso da Fundação Vale, ou na capacitação dos conselhos municipais, responsáveis por apresentar eles mesmos novos projetos, como tem feito a Fundação Itaú Social. A Natura, por exemplo, já realizou uma caravana pelo interior do Estado da Bahia, em parceria com a Secretaria Estadual de Cultura, para apresentar o edital e explicar a legislação vigente.

Envolver os funcionários nesta jornada, convidando-os a fazerem suas doações utilizando os benefícios fiscais de pessoas físicas, também têm sido uma das estratégias adotadas por parte das empresas para ampliar o engajamento das pessoas.

O Santander, por exemplo, tem mobilizado, além de seus funcionários, as empresas clientes. Para isso, dissemina informações, produz materiais educativos, apresenta cases de sucesso e ensina os processos para a utilização dos benefícios.

A partir das experiências compartilhadas, Rafael Gioielli, gerente geral do Instituto Votorantim e um dos coordenadores da Rede Temática, relembrou também outros pontos que mostram os desafios ainda presentes neste campo, como a necessidade de superar a desconfiança de áreas internas sobre o uso dos recursos incentivados e a possível descontinuidade de apoio aos projetos, devido à flutuação dos investimentos.

“Acredito que um desafio mais coletivo e que extrapola esse âmbito é o de combater a criminalização das leis de incentivo, como tem ocorrido com a Lei Rouanet, por exemplo. Precisamos lembrar que ao desqualificar essas ações fica mais fácil para determinados grupos justificarem aos cidadãos os possíveis cortes. É preciso mudar isso”, ressaltou Ana Peliano.

Ao final do encontro, os participantes da Rede Temática decidiram compartilhar entre si materiais e outros insumos sobre o tema já produzidos internamente nas respectivas empresas, para trazer ideias e inspirar novas práticas.

Fonte: Gife

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