“O gigantesco poder das finanças (do qual as políticas de criação monetária quase ilimitada dos bancos centrais dos grandes países do mundo nos dão uma ideia) deve ser posto a serviço de objetivos como a transição energética, a luta contra a poluição química de terras aráveis, uma renda decente para todos. Chegaremos lá, pois não há outra solução”, afirma o economista.
Yann Moulier Boutang analisa a necessidade de se compreender as funções da financeirização. Para ele, a esquerda não conseguiu isso por estar com a cabeça no passado e, logo, não foi capaz de superar a financeirização.
Imagine uma casa antiga, cheia de móveis de madeira maciça do início do século passado. Apesar de belíssimos, sofrem com a ação do tempo e hoje se tornaram pouco funcionais para a família que vive ali. A família pensa em adquirir móveis mais modernos e funcionais, mas não o faz por achar que não vão durar como os anteriores. Só que é inevitável fazer a compra. Gasta-se com os novos, não se desfaz dos velhos, e circular pela casa se torna impossível. O ‘causo’ serve de analogia para que compreendamos a perspectiva de Yann Moulier Boutang, professor de Ciências Econômicas na Université de Technologie de Compiègne, na França.
Para ele, é fundamental que se encare a financeirização não como a doença do nosso tempo, antes disso, é preciso compreeder sua lógica. “É difícil lutar contra ela e tolice imaginar que se poderá decretar sua supressão total. Será necessário reconquistar os espaços que ela conquistou, ocupando-se prioritariamente de toda a economia, inclusive de sua parte subterrânea ou imersa”, aponta.
Boutang explica que a financeirização assume diversas funções. “Em seu aspecto revelador das transformações profundas do capitalismo num sentido cada vez mais cognitivo e globalizado, ela serve de governança por default de tudo o que a velha economia e a velha ciência econômica não levam em conta”, exemplifica. Ele completa, ainda, lembrando que “ela constitui o principal auxiliar da perpetuação de um sistema capitalista muito injusto e destrutivo do planeta”. Daí a importância de apreender essa lógica para então pensar em reações. “O gigantesco poder das finanças deve ser posto a serviço de objetivos como a transição energética, a luta contra a poluição química de terras aráveis, uma renda decente para todos. Chegaremos lá, pois não há outra solução”, analisa.
Entetanto, o professor pondera que só realmente chegaremos lá se vencermos algumas distopias. A partir das experiências recentes em países da América Latina, Boutangdemonstra como a esquerda não buscou entender a financeirização. “Enquanto a esquerda arrastar as velharias do socialismo e do comunismo industrial, fazendo delas referências puramente ideológicas, ela trairá as esperanças de igualdade, liberdade e fraternidade que tanta gente depositou nela”, afirma, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.
Para ele, tal postura acaba apenas “se deixando enganar por um neoliberalismo doravante puramente conservador e cínico. Nesse sentido, o impeachment institucional a que assistimos no Brasil nada tem de uma tragédia semelhante aos muitos golpes de Estado que abalaram a América Latina no último século”, pontua.
Yann Moulier Boutang é professor de Ciências Econômicas na Université de Technologie de Compiègne – Sorbonne Universités, na França, membro do laboratório Connaissance, Organisation, Systèmes Techniques – COSTECH EA 22 23, Trivium CNRS. Leciona também na China, na Universidade de Shanghai – UTSEUS, na Ecole Nationale Supérieure de Création Industrielle – ENSCI, Paris, no curso Master Innovation by Design. É um dos fundadores e coordenadores da revista Multitudes. Trabalha com o tema das migrações internacionais, a escravidão, as transformações contemporâneas do capitalismo, a economia digital, os direitos de propriedade intelectual, a inovação. Entre suas obras mais recentes, estão Cognitive capitalism (2012, Polity Press, Cambridge, UK) e L’abeille et l’économiste (Paris 2010).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como compreender o processo que leva o atual modo de vida pós-moderno a ser tão atrelado ao paradigma do cálculo, reduzindo potências a bases numéricas e a binariedade entre positivo e negativo? E quais os impactos da lógica da financeirização em nossa sociedade dos dias de hoje, desde as perspectivas das gestões pública e privada e vida em sociedade como um todo?
Yann Moulier Boutang – Dois elementos principais ajudam a explicar a algoritmização do mundo, isto é, a realidade posta em cálculo preditivo. Em primeiro lugar, a globalização revela e acentua em todos os níveis as múltiplas interdependências (é o que chamo de peso crescente das externalidades). O resultado disso é um desafio crescente para a ação humana, o desafio da complexidade. Ora, o complexo não pode ser tratado por operações analíticas básicas, como bem representam as quatro operações básicas (adição, subtração, multiplicação e divisão), nem pelo sexto princípio enunciado por Descartes nas Regras para a direção do espírito , começar dividindo as coisas complicadas em partes simples e tratá-las de forma sucessiva, nem pela lógica aristotélica em seus três princípios (identidade, contradição e terceiro excluído).
No entanto, no projeto racionalizador da ciência, sempre há a vontade tenaz de “reduzir” a complexidade (diante dos defensores do segredo, do mistério, do sagrado). E se, por um lado, as regras do complexo lembradas por Edgar Morin emergem progressivamente, desvencilhando-nos de um cientificismo neopositivista, por outro lado, a ferramenta da informática e dos computadores trouxe um novo frescor à contabilização do mundo. O que antes dizíamos incontável e que desafiava a capacidade do cérebro humano (muito ruim em cálculo, essa parte menos importante da matemática) torna-se agora operável por robôs, os quais são incapazes de cumprir muitas funções cerebrais (sentir, reconhecer formas, perceber o contínuo), mas calculam milhões de vezes mais rápido. Bastando que seja binarizada, uma informação pode ser armazenada, conservada e combinada com bilhões de outras.
Diante do complexo, o pensamento que mede e calcula pode, graças às próteses digitais, orientar-se, efetuar operações que estavam fora de nosso alcance e seguir um programa de execução (implementação) que dá conta de informações geradas por sensores (em circuito feedback) e que, portanto, autorregula-se. Aristóteles e, mais tarde,Vaucanson sempre ficaram fascinados diante dos autômatos (para o primeiro, o vivente e, para o segundo, o mecânico, que parece vivo). Hoje, estamos deslumbrados diante dos autômatos mentais da inteligência artificial e das máquinas que aprendem, diante de robôs movidos pela primeira. É verdade que, no que diz respeito à complexidade, o pensamento calculador ainda não fez tudo. Ele acumula sucessos no processamento de problemas que envolvem um imenso número de variáveis. Conseguimos pensar em 2, 3, 4 dimensões, certos cérebros chegam a 8 dimensões, mas isso é excepcional, e, acima disso, o cérebro individual atinge seus limites.
Simplificação binária e as inúmeras possibilidades
Assim, de certa forma, a revolução computacional, graças à simplificação do binário (verdadeiro/falso, conectado/desconectado), pode calcular em tempo recorde o que antes teria levado uma vida inteira. Do ponto de vista lógico, isso quer dizer que a fronteira entre o universal e a maior generalização empírica disponível se embaralha. Se, graças ao Google, podemos dispor de mais de um bilhão de ocorrências para uma expressão linguística qualquer, não precisamos mais das competências dos linguistas nem das regras de gramática para traduzir textos.
Em seu célebre artigo de 2008, Anderson dizia que não eram mais necessárias leis científicas cuja universalidade é demonstrada por inferências rigorosas. Por certo, não se dispõe assim de n+1, mas se está tão perto disso que se torna desnecessário buscar a precisão n+1. É verdadeiro aquilo que é operatório. A humanidade pode então esquecer grande parte da ciência e contentar-se com uma precisão de 99,8%. Essa concepção puramente operacional da verdade e do preditivo que opera na maior parte dos algoritmos repousa nas estatísticas. Será que está perfeitamente adaptada a todas as formas de complexidade? Podemos ter dúvidas.
No mundo do Extremistão, como diz Nassim Nicholas Taleb em A Lógica do Cisne Negro, os acontecimentos não se distribuem segundo uma curva de Gauss(curva unimodal em forma de sino), mas são bipolarizados nos extremos, de modo que raciocinar conforme as regras da estatística (média, variância, desvio-padrão) é muito enganador, pois os valores médios obtidos não existem. No mundo dos “mil tons de cinza” em que o ser humano tem de se orientar, e não no mundo das médias (no Mediocristão), é preciso mudar de lógica e enfraquecer o sistema lógico, suprimindo o princípio do Terceiro Excluído (Tertium quid non datur). Era o que os estoicos já opunham a Aristóteles.
Governamentalidade algorítmica
Uma das grandes questões morais e políticas que se apresentará nos próximos anos será justamente a questão do que Thomas Berns e Antoinette Rouvroy ou Dominique Cardon chamam de “governamentalidade algorítmica”. Desde a “pastoral”, nos séculos XVI-XVII, que introduziu o governo das almas no núcleo familiar, nenhuma transformação tão profunda havia ocorrido. De fato, entre o “profiling” do consumidor conectado e a definição abdutiva (indução a partir de médias constatadas transformadas em leis) dos comportamentos, tudo o que se distancia das médias já passa a ser vigiado.
É grande a tentação de uma nova racionalização da tomada de decisão que se torne cada vez mais exata e operacional. Aquilo que se apresentava como a infinita variedade do gosto individual oposto à padronização industrial, como a multiplicidade das racionalidades pós-modernas, não passa de uma encenação. O hiperindustrial que formata o indivíduo, os recursos cognitivos e afetivos se mostram por detrás do entretenimento leve. O filme Minority Report revelou-se profético sobre o discurso que o poder oferece de sua ação: prevenir os crimes de todas as ordens antes que sejam cometidos.
Com a alimentação dos autômatos por milhões de dados por segundo sobre qualquer tema, a resposta ganha em velocidade, em eficiência e em legitimação-justificação. As questões de sigilo na composição dos algoritmos para os governos, do respeito das leis (ver o escândalo da Volkswagen na fraude do controle da emissões de poluentes) e dos pressupostos lógicos nessa nova metafísica da contabilidade de tudo, da digitalização e da colocação de tudo em planilha de cálculo (a “excellização” do mudo) são as novas fronteiras da ética em matéria de políticas públicas industriais, ambientais, sanitárias.
Para além das utopias da catástrofe
Todavia, é preciso opor às utopias da catástrofe duas coisas que se revelaram cruelmente nos últimos episódios terroristas. A primeira se deve à possibilidade de outra lógica em matéria de complexidade, diferente daquela do terceiro excluído. Nassim Nicholas Taleb, em seu livro Antifrágil, explica justamente que a complexidade, como a incerteza, diferentemente do risco, não pode ser reduzida à probabilidade estatística objetiva: as catástrofes e as criações radicais são possíveis, mas não sabemos nem o dia nem a hora. A única solução é nos tornarmos menos frágeis à sua ocorrência. A lógica nebulosa , baseada na matemática do mesmo nome, permite-nos enunciados que não são binários, mas aproximativos, próprios justamente para resolver situações sutis e mais ou menos cinzentas. A metáfora, a metonímia e todos os tropos (figuras) do discurso.
Ao contrário do reducionismo calculador que não pode representar ambiguidades, a linguagem é o instrumento de resolução das contradições que as mantêm como tais. A dialética contra a lógica binária. Em matéria de informação, todos os dispositivos automatizados altamente sofisticados, sem a informação humana, se esvaziam e causam danos colaterais desoladores. Em matéria de sociedade, linguagem, cultura, história, a complexidade é a regra, a repetição é a exceção e a renovação e a criação, a única lei, uma lei que desafia a modelização matemática. Podemos usar modelos matemáticos para explorar a complexidade humana, mas é somente o que Kant chama de esquematismo da imaginação que permite a aplicação da regra ao caso específico. Da mesma forma, só pode ser automatizada e traduzida pelas máquinas a linguagem plana e sem estilo, uma vez que esta é um desvio inventivo relacionado ao uso mínimo da língua.
Segundo elemento da revolução digital
O segundo elemento da revolução digital que muda a orientação monista e binária das soluções puramente calculadoras é a rede humana das interações que será chamada de inteligência coletiva conectada. O cérebro individual, confrontado com um cérebro auxiliado pela prótese automatizada do digital, será vencido. Porém, cérebros em rede, comunicando-se através do digital e de suas ferramentas, sempre vencerão os autômatos comandados por algoritmos. Os dados alimentados pelos sensores que incorporam tags humanos serão sempre superiores a sensores puramente físicos . Um programa de um novo tipo de democracia em rede pode e deverá, então, controlar os excessos da governabilidade algorítmica. Assim será, ainda mais que as diversas formas de desvio incorporaram rapidamente a ferramenta informática: o hack, a pirataria, a criptografia, o sequestro digital.
Notemos que ainda não falamos da financeirização, pois esta, longe de ser o deus ex machina, a ultima ratio (deus ou demônio, conforme a opinião), tem sua fonte na base material que acabamos de descrever: globalização, complexificação, digitalização. O surgimento daquilo que chamamos de financeirização atual (ou seja, a hegemonia do capital financeiro nos momentos de mudanças do capitalismo) está estreitamente relacionado com o fortalecimento da cadeia constitutiva do valor econômico, das externalidades, como veremos na questão seguinte.
IHU On-Line – A que tipos de mudanças o capitalismo é submetido a partir da perspectiva da financeirização? Quais as consequências?
Yann Moulier Boutang – Como expliquei longamente na entrevista anterior que concedi à revista IHU On-Line , o sucesso fulgurante e duradouro das finanças vem do peso crescente das externalidades. A crescente complexificação do mundo construído pela intervenção e pela interação contínua dos homens em sociedade põe em crise os instrumentos clássicos de medida do valor econômico. Marx venceu as dificuldades deSmith e de Ricardo de explicar o valor pelo valor trabalho. Os marginalistas neoclássicos superaram as aporias do valor trabalho pelo valor utilidade. Num grau de socialização bem mais avançado que aquele alcançado na economia industrial, a não consideração das externalidades negativas e positivas pelo fato de que o mercado é incapaz de integrá-las corretamente cria um fosso crescente entre a economia real (sua base material incorpora sua base espiritual ou imaterial) e o mundo míope e muito limitado em seu ângulo de visão da economia tradicional, que ignora o continente das externalidades.
Propus avaliar a distância entre a nova economia e a velha economia recorrendo ao paradigma (analogia proporcional) da polinização das abelhas. A diferença entre o valor econômico (de mercado) do mel e da cera e o valor global da polinização é da ordem de 1 para várias centenas, até mesmo milhares . A crise da economia política é, portanto, uma crise de proporção. Ela mostra a urgência de mudar o paradigma teórico da economia política. É nessa distância que surge o papel que se tornou determinante das finanças. As finanças substituem atualmente a falsidade da medida da economia verdadeiramente real por uma pseudoeconomia real. As finanças de mercado, que funcionam inventando todos os tipos de regras que entram em choque violento com a economia tradicional, é o governo por default (como se diz em informática) da esfera das externalidades. Elas são o meio de integrá-las. Mesmo que o façam de forma muito imperfeita e de acordo com seus vícios específicos.
No entanto, enquanto a governança mundial se obstinar em manter as velhas categorias, as finanças continuarão a reinar como um “tapa-buraco”. Na verdade, do que são acusadas as finanças de mercado? De terem desenvolvido o multiplicador de crédito em até 32 vezes os fundos próprios, ou seja, mais de seis vezes os índices habituais. Essa capacidade que se exerceu através dos produtos derivados permitiu cobrir o risco de câmbio que se ampliou muito desde o regime de câmbio flutuante e os riscos sistêmicos. Assim, as finanças de mercado levaram a especulação a níveis nunca alcançados. Os economistas tradicionais ou críticos denunciaram (com pouco sucesso) os novos riscos trazidos por essas finanças ou, mais exatamente, pela financeirização de tudo. Alguns preveem, desde 1997, uma crise geral. Esse não é nosso diagnóstico. É antes a resiliência das finanças desde 2008 que espanta. Por quê? Porque o crescimento aparentemente desmedido do crédito só é desmedido se relacionado à velha economia.
Polinização
Se o relacionarmos à economia de polinização, percebemos que as finanças de mercado não fazem senão explorar uma parte do continente das externalidades. Se a diferença entre o valor tradicional e o valor de polinização é de centenas de vezes, as finanças de mercado, aumentando em até dez vezes as transações financeiras (700 trilhões de dólares por ano para 70 trilhões do Produto Interno Bruto – PIB), permanecem muito aquém do que as velhas finanças faziam na velha economia. Eis a razão pela qual as finanças de mercado não entram em colapso e as injeções gigantescas aplicadas pelos bancos centrais (quantitative easing e índice de juros nominal quase nulo, portanto, índice real negativo) não têm os efeitos catastróficos previstos tanto pela direita como pela esquerda.
Um keynesiano observaria que o aumento de liquidez só estimula a inflação se o aparelho produtivo for plenamente utilizado, o que está longe de acontecer. Mas, então, por que, ao contrário dos anos 1935-1940, a política dos bancos centrais não estimula o crescimento? Talvez se deva fazer aqui uma crítica arrazoada às finanças de mercado e às políticas monetárias que não são mais monetaristas. Dissemos que as finanças de mercado eram um “tapa-buraco”, e de modo algum a melhor solução possível. Considerando-se as péssimas soluções monetaristas ou neoliberais, que repousam em uma visão muito limitada da economia e do valor, um governo por default das externalidades e da economia global não traz nenhuma solução inovadora. As finanças continuam veiculando os mesmos velhos estereótipos da economia tradicional. Em vez de usar a liquidez, portanto, a criação monetária, para consolidar a nova economia emergente, elas fabricam sucedâneos para preencher os desequilíbrios mais aparentes. Adiam indefinidamente as crises.
Imateriais de segundo grau
A essa dimensão financeira corresponde uma transformação de igual amplitude da cadeia do valor. A automação das operações rotineiras do cérebro analítico desvaloriza os serviços humanos e faz surgir o valor daquilo que é não é codificável, é o que denomino os imateriais de segundo grau. Combinados com as externalidades positivas, esses novos recursos aparentemente muito abstratos (o relacional, a confiança, a cooperação, o cuidado) são capitalizados. É a atividade cognitiva inovadora e viva do cérebro em interação com outros cérebros em rede que se torna a medida do valor econômico. A isso dou o nome de capitalismo cognitivo. Não foi por acaso que os GAFA (Google, Amazon, Facebook e Apple, especialmente) se tornaram as figuras de proa desse capitalismo que compreendeu onde o valor se situava realmente: na polinização humana.
IHU On-Line – Em que medida a dependência cada vez maior da tecnologia ancora as relações com as perspectivas financeirizadas? Como romper com essa lógica mantendo relação estreita com as ferramentas tecnológicas?
Yann Moulier Boutang – A revolução digital, como vimos, abre novas possibilidades para multiplicar muito rápido as reações a transformações do sistema financeiro. Uma das mais impressionantes são as negociações de alta frequência (High-frequency trading). Os autômatos que regulam o comércio e os mercados dia e noite, trabalhando com algoritmos que aprendem em função de dados relevantes e contínuos, são outro exemplo. Combinadas com o perfil dos clientes dos comércios, dos bancos, das companhias de seguro, essas máquinas aprendizes são encarregadas de um número crescente de operações: concessão de empréstimo, gestão de patrimônios imobiliários, escolha de um sistema de seguro, gestão de carteiras financeiras.
A geração dos dados pessoais que são revelados durante a navegação torna-se a nova mola propulsora dos modelos econômicos das plataformas colaborativas gratuitas para o usuário, mesmo que este aceite, em contrapartida, cedê-los. A noção tradicional de espaço privado individual, oposta ao espaço comercial, cede seu lugar a uma categoria enganadora, de falso comum, muito intrusiva: os aspectos mais pessoais da vida privada, rastreados de forma digital e explorados em grande escala, possibilitam que o marketing entre enfim nos domicílios sem ser sob a forma de objetos.
No entanto, seria errôneo apresentar essa colonização do Novo Mundo das externalidades como um desdobramento inevitável de uma lógica de valorização financeira, um novo bezerro de ouro. É preciso ressaltar o caráter contraditório desse desdobramento. Se, por um lado, o digital permite subjugar, ele também permite, por outro lado, libertar das grosseiras tentativas de apropriação da vida das pessoas, da cultura, do imaterial, que constituía um espaço menos submetido às regras de mercado. Tomemos três exemplos: a questão da criptografia das mensagens, o anonimato na web (com o Tor, por exemplo) e as block chains, cujo desenvolvimento é tão rápido, que perdemos a conta de quantos congressos os bancos e os seguros dedicam a elas.
Não é à toa que o conceito de block chains surgiu em torno do bitcoin, essa moeda eletrônica muito ligada às tentativas de criar moedas locais alternativas e, ao mesmo tempo, possibilitar sua equivalência sem passar pelos bancos centrais nem pelos bancos secundários. As técnicas da informática são capazes de certificar as contas de uma unidade econômica (inclusive de um indivíduo) e reforçar a confiança entre os agentes sem a intermediação clássica. Trata-se de um importante desafio, e, desta vez, instrumentado pelas técnicas mais modernas em todo o sistema de intermediação financeira. Vemos que as finanças fazem crescer as tentativas de alternativas.
IHU On-Line – A ideia de crise na esquerda em todo mundo, de perspectivas mais socialistas e progressistas, se constitui também pelas lógicas da financeirização? Por quê? Como pensar noutra esquerda a partir do paradigma da financeirização?
Yann Moulier Boutang – Um dos elementos essenciais da crise de perspectivas que a esquerda sofre em escala mundial se deve à sua incompreensão das raízes da financeirização acelerada da economia no mundo. A esquerda teima em ver no capitalismo e em sua forma financeira atual o fator essencial de desordem e anarquia. Ora, como nos ensinou o operaísmo italiano nas décadas de 1960 e 1970, o único elemento de anarquia no capitalismo é a combatividade das pessoas que não se satisfazem com as condições que lhes são dadas e que, por diversos meios, tentam pôr em xeque os equilíbrios econômicos que favorecem essencialmente os ricos e os dominantes. Mas é preciso acrescentar a essa análise uma outra dimensão: a socialização crescente da produção da sociedade e do mundo inclui, agora, as externalidades nos funcionamentos de reprodução do poder. Inclusive, de forma perversa e extremamente bipolarizante.
Isso quer dizer que as finanças de mercado reagem constantemente em nível mundial para cercar, superar e tornar inoperantes os meios de que dispunham os explorados e os dominados para fazerem ouvir suas vozes. As lutas são isoladas e até mesmo, às vezes, contradizem-se violentamente. A defesa do emprego torna-se muitas vezes a defesa das multinacionais que expropriam os índios ou poluem em grande escala o planeta. As noções de interesse geral ou interesse público, em cuja definição repousava o cerne do político, perderam sua substância. Os jornais, as mídias audiovisuais, que forneceram, nos últimos dois séculos, espaços de crítica e liberdade e alimentaram os desejos de transformação social, foram recolonizados pelas potências do dinheiro. A própria internet, que ainda permite revelar escândalos, sofre, por parte do poder dos Estados e dos grandes grupos de pressão, uma tentativa de retomada do controle. No entanto, não passa um dia sem que a atenção democrática se volte para revelações.
Falências das grandes ideologias
O elemento da crise atual dos projetos de transformação em prol de um mundo de justiça, liberdade e amor é provavelmente a falência constatada das grandes ideologias progressistas que dividiram o planeta, inclusive, travando uma guerra surda e fria. O socialismo realizado nos Estados comunistas foi declarado clinicamente morto. O mercado, geralmente desvairado, o suplantou, à custa de uma progressão das desigualdades no seio das unidades nacionais ou imperiais e à custa de uma renegação dos ideais de igualdade e fraternidade, sem os quais a liberdade acaba no vazio.
Por fim, sem nada solucionar, as ideologias centristas (um pouco mais de igualdade, um pouco mais de liberdade e uma pitada de fraternidade), essa áurea mediocritas, dissimulam geralmente uma ignorância total dos imperativos ecológicos de respeito ao planeta. Enquanto deveriam construir um novo projeto de interesse coletivo, em função da urgência de transformar radicalmente os modelos de consumo e produção, as democracias médias são extremamente temerosas, abúlicas e procrastinadoras. “Amanhã de manhã”, no Brasil, pode significar muitas vezes “nunca”. As reuniões de cúpula sobre a transição energética se sucedem, mas, para algumas poucas resoluções celebradas em grande pompa, quantos novos projetos de centrais hidrelétricas gigantes, quantos milhões de toneladas de carvão, gás de xisto ou, pior, areias betuminosas, sãos extraídos, quantos milhões de automóveis poluentes são fabricados, os quais, pelo simples número, absorvem e aniquilam as melhorias obtidas em relação à emissão de partículas?
As finanças de mercado compõem essas tensões, elas as administram. Recolhem uma parte das externalidades, compõem e recompõem para evitar que estas explodam. Tornaram-se, portanto, a própria matriz da governamentalidade. Porém, ao prestarem esse serviço, cobram um preço muito alto, tendo progressivamente esvaziado de seu conteúdo o Estado de bem-estar social de F. D. Roosevelt. O socialismo morreu, mas a democracia ocidental está em estado de pré-coma. As instâncias internacionais, oFundo Monetário Internacional – FMI em particular, mudaram de tom nos últimos 15 anos. Advertem que um mundo sem emprego, digno desse nome para os indivíduos de menos de 40 anos, sem aposentadoria normal e decente para os que têm acima de 60 anos, oferecendo, para completar o quadro, perspectivas de automação maciça na manufatura e nos serviços, tanto para os empregos simples como para os empregos que até então eram qualificados, está exposto a uma crise radical de legitimidade.
Essas tensões exacerbam a xenofobia em relação aos migrantes, a tudo aquilo que é diferente. Surgem apetites insanos de ordem, de autoridade imposta, casados com diversas formas de radicalismo de uma religiosidade que se torna ainda mais niilista por ser menos educada e menos racional, mesmo na velha Europa, que acreditaríamos ter sido vacinada pelos horrores do século XX. A insistência, presente mesmo nos discursos políticos, na vontade, na liderança como tal, em uma vontade e um poder vazios, sem projetos além daqueles reativos, em um pessimismo identitário, nacionalista, são sintomas de que o pós-comunismo e o socialismo tardio não são portadores de um mundo novo. Destruindo a cada dia, da forma mais inexorável, as velhas combinações produtivas, as alianças centristas, a financeirização põe lenha na fogueira, ao mesmo tempo em que fornece um bode expiatório sonhado. Tudo está ruim? As finanças. O emprego diminui? As finanças. “As finanças, as finanças, digo-lhe”, como em O doente imaginário de Molière, se tornam o “pulmão” responsável por todos os males. Só falta acrescentar: as finanças estão nas mãos das minorias, aqui, são os judeus, ali, aquela comunidade que está na mira, e pronto.
Suprimir as finanças é certamente uma palavra de ordem que seria votada num referendo. Vimos, contudo, que as transformações trazidas pelas finanças de mercado mostram claramente a terra nova das externalidades, as imensas possibilidades para a sociedade mundial de retomar um caminho de libertação, solidariedade e justiça. Mas, para isso, os Estados ainda precisam tirar lições disso, retomar o controle do potencial. E tudo indica que só o farão sob a pressão tenaz e racional de uma democracia de cidadãos responsáveis em escala planetária.
Outro mundo é possível
“Um outro mundo é possível”, mais do que nunca. O gigantesco poder das finanças (do qual as políticas de criação monetária quase ilimitada dos bancos centrais dos grandes países do mundo nos dão uma ideia) deve ser posto a serviço de objetivos como atransição energética, a luta contra a poluição química de terras aráveis, uma renda decente para todos. Chegaremos lá, pois não há outra solução. A última cúpula deDavos e a elite do capitalismo mundial percebem perfeitamente que todas as transformações do capitalismo podem ser em vão e levar a um confronto maior (já se fala de extinção de civilizações como a dos Maias) se não for criado um novo conteúdo para o Estado do bem-estar social. Este conteúdo, que se tornará o único New Deal possível, constituir-se-á em torno da renda universal, dos planos de investimento de urgência na qualidade da educação, da saúde.
IHU On-Line – Como tem observado esse momento de retomada de perspectivas neoliberais, na volta de uma da direita, em países da América Latina? Nesse sentido, é possível afirmar que a direita e o neoliberalismo apreendem melhor os meandros da financeirização do que a esquerda e o socialismo? Existes alternativas, políticas, econômicas e sociais, de resistências à lógica financeirista?
Yann Moulier Boutang – Os movimentos de libertação das décadas de 1960-1970 responderam com atraso ao fracasso dos movimentos desenvolvimentistas naArgentina, no México ou no Brasil, ou mesmo ditatoriais nos países andinos. Sempre que era preciso estabelecer uma ordem econômica nacional compatível com o contexto internacional, esses movimentos de libertação, fossem de inspiração comunista ou cristã, destacavam o papel das multinacionais (essencialmente americanas e europeias) e a falência das oligarquias locais em assegurar o desenvolvimento econômico e a justiça social. Porém, subestimaram a capacidade das classes dominantes de construir um projeto autoritário com as multinacionais e os Estados Unidos.
As ditaduras brasileira, chilena e argentina, nas duas décadas seguintes, fizeram um desenvolvimento econômico e industrial muito marcado por desigualdades, sem o povo. Elas fracassaram, aliás, em garantir uma independência real, como demonstrou a crise recorrente do endividamento internacional. O ciclo de lutas que se iniciou no quadrilátero paulista marcou a emergência de uma verdadeira classe operária, comLula. Assistiu-se a uma inversão da balança para a esquerda, por toda parte na América Latina. As ditaduras foram varridas, e dirigentes progressistas ameríndios, na Bolívia, na Venezuela e no Equador, chegaram ao poder.
Para a esquerda, o desafio era consolidar um desenvolvimento econômico emergente, resultados em matéria de luta contra as desigualdades e um posicionamento na divisão mundial do trabalho. O Brasil pareceu ter cumprido esse contrato. A política vigorosa doBolsa Família tirou da pobreza 35 milhões de pessoas, o crescimento fez emergir uma nova classe média. Mas a crise de 2008 teve impactos brutais sobre a China e, por tabela, sobre a América Latina. As fragilidades do modelo de desenvolvimento dos países maiores já haviam se revelado brutal em 2003-2004. Na Argentina, o neoperonismo do casal Kirchner e, no Brasil, a política de crescimento rápido do segundo mandato de Lula e, mais ainda, do primeiro mandato de Dilma mostraram-se frágeis.
A incompreensão da esquerda
A esquerda posta à prova do poder não compreendeu as transformações sociológicas profundas que ocorreram no trabalho, na mobilidade, a exasperação das questões ecológicas, de saúde pública e urbana, de educação superior. Erros de cálculo na complementaridade com a China (importadora de energia, matérias-primas, produtos agrícolas, mas também exportadora de bens de equipamento), as múltiplas formas de corrupção que se serviram da redistribuição social por falta de um verdadeiro sistema de proteção social universal, o baixo custo do petróleo e a crise financeira de 2008 puseram fim nesse deslocamento generalizado da América Latina para a esquerda.
Neoliberalismo
O que vale o retorno às velhas sereias do neoliberalismo? Não grande coisa, pois tanto as políticas de centro-direita quanto as de centro-esquerda, assim como no mundo inteiro, não têm mais nada a oferecer além de um programa de austeridade, no melhor dos casos, ou então um programa austeritário, isto é, reduzindo ao máximo as margens da democracia conquistada anteriormente. Por certo, esse neoliberalismo é menos cego que a esquerda tradicional em relação às possibilidades que traz a economia de mercado. Sabe utilizar sem pudor os déficits públicos ou privados abissais para consolidar os privilégios das classes abastadas, mas a revolta ecológica nas favelas, privadas de saneamento básico, que se tenta comprar com estádios, jogos, equipamentos públicos, que fazem funcionar sobretudo o edifício tão corrompido quanto na China, a extensão dos escândalos florestais, da poluição química, e o aumento generalizado das desigualdades dentro dos conjuntos nacionais estão em sintonia com o resto do mundo.
A contrarrevolução thatcheriana naufragou em 2008, segundo Milton Friedman. Nos países emergentes, o ritmo de crescimento parou de flertar com os dois dígitos. Ora, sem esse ritmo (aliás, devorador de recursos não renováveis), as desigualdades são cada vez menos suportadas. As novas classes médias, iniciadas no consumo de massa, passam agora a ter medo de cair novamente no velho buraco da pobreza endêmica. As igrejas evangélicas, que pregavam o individualismo, a ascensão social pela educação e pelos negócios, não têm mais grande coisa a oferecer. Deve-se esperar uma defesa ideológica em reflexos de ordem e fabricação de bodes expiatórios.
Futuro e a esquerda
Se a esquerda latino-americana não renovar totalmente seu projeto em torno de umNew Deal da proteção social alicerçada numa renda universal individual, em torno de um programa de investimento maciço na qualidade do ambiente urbano, na educação, na saúde, na proteção dos espaços naturais ameaçados por projetos faraônicos e obsoletos, símbolos de um desenvolvimento industrial do século XIX e, além disso, genocidas dos povos ameríndios, ela não conseguirá reconquistar as multidões do século XXI. Ela corre o risco de competir com a direita em ilusões ideológicas e, nesse joguinho, pode perder ainda mais sua alma. A luta contra a corrupção travada na China ou no Brasil, sem instauração de uma verdadeira proteção social e sem luta contra as insolentes desigualdades de patrimônio, conduzem apenas a revoluções palacianas e a grosseiras imitações em alternância.
IHU On-Line – Que espaço a financeirização ocupa na perspectiva da crise sistêmica? Em que medida superar esse estado de crise consiste em compreender a financeirização da vida e em que medida se trata de pensar – e constituir – noutra lógica?
Yann Moulier Boutang – Como apontei anteriormente, a financeirização de tudo tem várias funções. Em seu aspecto revelador das transformações profundas do capitalismo num sentido cada vez mais cognitivo e globalizado, ela serve de governança por default de tudo o que a velha economia e a velha ciência econômica não levam em conta. Sua segunda função é adiar indefinidamente para o futuro a operação de saldo de quaisquer desequilíbrios. Nesse sentido, ela constitui o principal auxiliar da perpetuação de um sistema capitalista muito injusto e destrutivo do planeta. É difícil lutar contra ela e tolice imaginar que se poderá decretar sua supressão total. Será necessário reconquistar os espaços que ela conquistou, ocupando-se prioritariamente de toda a economia, inclusive de sua parte subterrânea ou imersa.
Dou um exemplo: os princípios fiscais que regem os recursos fiscais dos Estados, e, portanto, sua possibilidade concreta de conduzir as políticas que esboçamos, datam do nascimento da economia política e não mudaram, nem mesmo em suas últimas concretizações, como a TVA (taxa sobre o valor agregado dos produtos). Numa economia em que o essencial do valor econômico se obtém pela circulação de bens de informação, de serviços, e não mais pelo simples comércio de mercadorias materiais, o imposto sobre as pessoas, o capital e os lucros visa saldos entre fluxos e estoques, nunca sobre os fluxos.
Para somar 70 trilhões de PIB mundial em 2015, eram necessárias dez vezes mais transações, ou seja, 700 trilhões. Tributando toda e qualquer transação financeira e monetária em um índice não confiscatório de 2% a 5%, obtemos entre 14 (um pouco menos que o PIB americano) e 35 trilhões (a metade do PIB mundial). É o suficiente para suprimir o velho sistema dos impostos, financiar a proteção social, em que um sistema de renda universal garantiria o direito à vida e à atividade útil para a sociedade, pois a economia social e solidária poderá desenvolver-se plenamente e reinventar o que a humanidade tem em comum, algo que tanto nos falta. Isso possibilitará também financiar a educação, a saúde e, last but not least, a transição para um modelo econômico ecológico.
IHU On-Line – De que forma é possível conceber uma sociedade cujos referenciais e parâmetros rompam com a lógica da financeirização?
Yann Moulier Boutang – A instauração de uma taxa pólen, e não simplesmente ambiental ; um sistema de proteção social organizado em torno de uma renda universal elevada (próxima do salário mínimo nos países em que este existe); a exoneração dos déficits públicos dos Estados em despesas de saúde, educação e transição energética; a canalização das políticas de quantitative easing dos bancos centrais para essas necessidades essenciais. São esses, a meu ver, os quatro elementos de uma cadeia para um crescimento socialmente justo e ecologicamente sustentável.
Enquanto a esquerda arrastar as velharias do socialismo e do comunismo industrial, fazendo delas referências puramente ideológicas, ela trairá as esperanças de igualdade, liberdade e fraternidade que tanta gente depositou nela. E acabará se deixando enganar por um neoliberalismo doravante puramente conservador e cínico. Nesse sentido, o impeachment institucional a que assistimos no Brasil nada tem de uma tragédia semelhante aos muitos golpes de Estado que abalaram a América Latina no último século; parece mais uma citação pós-moderna no carnaval ou uma farsa sinistra. Sinistra porque temo que o parvo seja justamente o povo dos pobres ou dos antigos pobres, as classes médias ou as multidões produtivas, para não empregar os termos tão batidos por toda parte de “povo” e “democracia”.
Fonte: IHU Unisinos