Os desafios de doação pela sociedade civil é tema de debate promovido pelo GIFE no Dia de Doar
Quais os desafios de doar no país? O que é preciso fazer para que mais brasileiros e brasileiras doem? Quais iniciativas nesse sentido têm conseguido bons resultados? Essas foram algumas questões que nortearam o debate online promovido pelo GIFE no Dia de Doar, como parte das iniciativas pré X Congresso do GIFE 2018, que terá como tema “Brasil, democracia e desenvolvimento sustentável”.
O debate contou com a presença de Nina Valentini, presidente do Instituto Arredondar; João Paulo Vergueiro, diretor da Associação Brasileira de Captadores de Recursos e articulador do Movimento Por Uma Cultura de Doação; Marcos Kisil, fundador do Instituto para o Desenvolvimento Social (IDIS); com mediação de Mariana Moraes, gerente de Comunicação do GIFE.
Para iniciar a conversa, Marcos Kisil fez um resgate histórico de como a filantropia e o investimento social foram sendo construídos ao longo dos anos. Relembrou o grande fervor no final dos anos 80, com a redemocratização e a elaboração da Constituição de 88, tendo os movimentos populares papel fundamental para a cidadania. Em seguida, os anos 90, foram marcados pela criação de organizações, como o GIFE e o Instituto Ethos, que trouxeram à tona discussões como investimento social privado e responsabilidade social, e o papel e responsabilidade dos próprios indivíduos.
Já em 2000, esse ambiente se torna razoavelmente organizado, mas marcado também pela falta de profissionalização do setor. “As organizações da sociedade civil (OSC) conseguiram sobreviver, mas muito por conta do apoio de voluntários, e não pela capacidade de se profissionalizar. Esse período foi marcado também pelo relacionamento da sociedade civil com governos. Mas, muitas se enfraqueceram, perderam seus líderes para cargos governamentais ou devido à corrupção entre as relações”, comentou.
Por fim o período de 2010 se iniciou com uma crise financeira séria, que se reflete até os momentos atuais. Neste sentido, a sociedade civil organizada começa a desenvolver novos mecanismos para garantir a sua sustentabilidade financeira, seja por meio de serviços, produtos etc. Porém, o desafio, muitas vezes, é conquistar recursos livres e não vinculados a projetos, por exemplo, para garantir a manutenção da própria OSC.
Para Nina Valentini, há uma série de desafios para mudar esse cenário, sendo um deles a transparência. “Temos hoje no Brasil uma crise institucional. As pessoas não confiam nas instituições. Por isso, precisamos investir muito em comunicação e transparência, entender como mostrar o que as organizações de fato fazem”, comentou, destacando que a segunda barreira é a questão tributária.
“Hoje temos que lidar com o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), por exemplo, que é um imposto que incide da mesma maneira sobre as doações e as heranças. Isso sem falar que, apesar de ser federal, cada Estado tem sua própria legislação. Não faz sentido. Nós, por exemplo, para conseguirmos atuar em outros Estados, estamos tendo que fazer um estudo para ninguém estar em risco, nem o parceiro varejista, nem as organizações e nem o Arredondar”.
E, por fim, na sua visão, o terceiro desafio é superar o silêncio dos doadores: hoje, no país, apesar de doarem, as pessoas não falam a respeito. “Em outros países, os filantropos são muito valorizados. E aqui, os brasileiros, têm receio em falar que doam. Essa cultura precisa mudar para que mais pessoas sejam incentivadas a doar. Temos um grande trabalho que precisa ser feito, em parceria e em rede, a fim de descobrirmos como valorizar quem está doando, a fim de que estas pessoas entendam que elas também são coautoras de uma história de transformação”, sinalizou a empreendedora.
Sobre a questão legislativa, João Paulo lembra também os incentivos fiscais. Hoje, por meio da Lei de Isenção Fiscal, todo contribuinte optante pela declaração de Imposto de Renda no modelo completo pode destinar até 8% do Imposto de Renda (IR) devido, sendo 6% para projetos culturais, esportivos ou sociais, 1% para o PRONAS (Programa Nacional de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência) e mais 1% para o PRONON (Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica).
Porém, é o Estado que aprova os projetos que podem ter direito a receber via incentivo fiscal, sendo que as leis não atendem a todas as causas, como por exemplo, meio ambiente, direitos humanos, direitos dos animais etc. “É uma lei de incentivo que não incentiva. No Brasil não temos uma estrutura do ponto de vista formal, tributário que incentive a doação. Veja a questão também da falta de um marco bancário para o setor. Os nossos agentes financeiros não conseguem separar a doação de uma transação financeira. É uma loucura”, ponderou.
Para avançar
Ampliar a doação passa também, apontam os especialistas, pela mudança de cultura. É preciso que o ato de doar seja um hábito a ser cultivado nas pessoas no dia a dia. “Afinal, ser cidadão, também é financiar as causas que a gente acredita, garantir que o que a gente quer aconteça a partir do trabalho das organizações”, comentou João Paulo.
No entanto, como mostrou a pesquisa Doação Brasil de 2015, do IDIS, o ato de doar ainda está vinculado à visão de benefício ao próprio doador, ou seja, ele doa para se sentir melhor. “É interessante esse egoísmo no ato de doar. Ou seja, ainda é questão cultural. O nosso mote é trabalhar para que o indivíduo comece a ter satisfação em compartilhar um bem que tem com o outro. Colocar no outro a razão de ser da doação dele”, ponderou Marcos Kisil.
Ampliar esse hábito passa por facilitar os processos para os doadores, principalmente diante de tantas demandas que as pessoas têm no cotidiano. Outro ponto fundamental é conseguir tangibilizar os impactos provocados pelas iniciativas das organizações. Tanto é que causas como saúde, infância ou educação, por exemplo, são sempre as que recebem mais recursos dos brasileiros, o que não ocorre com direitos humanos.
“Não podemos nos esquecer também que temos um grande trabalho no sentido de fortalecer a capacidade das organizações em pedirem recursos. Elas precisam estar preparadas para captar. Iniciativas como o Dia de Doar, por exemplo, ajudam muitas organizações a darem este primeiro passo, no sentido de se planejarem para pedir doação. Temos casos de organizações que, depois de quatro anos participando da iniciativa, conseguiram criar a sua própria capacidade de mobilização de recursos”, alertou o diretor da ABCR.
Mas, então, o que é preciso fazer para engajar as pessoas e elas se tornarem doadoras? Marcos Kisil acredita que isso passa, necessariamente, por aproximar as organizações dos cidadãos. Em sua opinião, é necessário fortalecer a doação para as instituições que estão nas próprias comunidades.
“Fizemos um projeto junto às Santas Casas no interior do Estado de São Paulo neste sentido. Em oito meses, as 104 instituições conseguiram desenvolver a capacidade de mobilizar R$118 milhões nas suas comunidades. Como isso? É porque o cidadão está vendo as coisas acontecerem ali. Ele vê o benefício. Em seguida, a comunidade passa a apoiar projetos ‘invisíveis’. Acredito que precisamos resgatar a ideia da importância de trazer o indivíduo para o desenvolvimento, resgatar o papel da comunidade, onde as coisas são mais visíveis do que em grandes instituições. É na comunidade que eu fortaleço o vínculo das pessoas com as instituições. A grande dificuldade é como fazer isso em grandes locais”, ressaltou o fundador do IDIS.
Neste processo de aproximação, além da transparência, é preciso estabelecer cada vez mais um ambiente de confiança, que se conquista, lembrou João Paulo, também com uma comunicação efetiva, clara e eficaz. Ampliar a divulgação e a disseminação do trabalho das organizações na mídia, por exemplo, seria importante para engajar novos doadores. Porém, esse é um aspecto que ainda precisa ser ampliado no país, apontaram os especialistas.
Marcos Kisil destacou ainda a relação da doação com a democracia. Ele lembrou que quando falamos de doação estamos dizendo sobre um financiamento para que as ideias, projetos e ações que vão fazer transformação social de fato aconteçam. Assim, a doação é meio e não fim.
“As pessoas vão continuar sendo os principais agentes para captar recursos para essa transformação que queremos. A democracia é um elemento crítico para ter uma filantropia justa e sustentável”, ressaltou.