As últimas eleições e o clima político ainda deflagrado no país evidenciam o quanto a comunicação é crucial para o desenrolar saudável de uma democracia. A atuação cartelizada e o comportamento partidário da imprensa corporativa brasileira produzem sérias distorções que, num ambiente extremado, dá espaço a soluções antidemocráticas e desrespeitosas ao Estado de direito, tão duramente conquistado no fim do século passado.
A renovação ocorrida no Ministério das Comunicações e na Secretaria de Comunicação da Presidência abre a possibilidade de uma discussão sobre mudanças na política governamental, que visem a fortalecer o debate plural na sociedade. O tema é urgente, dada a ofensiva da grande mídia, que impõe sua agenda e quer a garantia de que as verbas publicitárias estatais sejam somente suas ad infinitum.
Para abordar, com propriedade, esse debate, o Blog dos Desenvolvimentistas entrevistou Beto Almeida, jornalista e conselheiro da rede de TV multiestatal Telesur. Beto constata um ambiente desfavorável para a regulamentação entre os parlamentares. Indica medidas executivas, que independem dos congressistas, com potencial de democratizar a imprensa e questiona, arduamente, qual a razão do PT [Partido dos Trabalhadores] não possuir um jornal de massas.
Confira a íntegra da entrevista.
O atual ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, assumiu a pasta com o entusiasmo dos movimentos sociais. Até agora, sua gestão correspondeu às expectativas? Qual é a linha de atuação do ministro?
O entusiasmo do ministro Berzoini com a regulamentação democrática da mídia não significa que ele tenha condições de alterar a situação adversa que está instalada no Congresso. O ex-ministro Paulo Bernardo, além de ter engavetado as teses da Confecom [Conferência Nacional de Comunicação], chegou a afirmar que os petistas queriam censura por pretenderem a regulamentação midiática, além de ter ido ao Congresso da Abert [Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão] para defender, entre outras coisas, a flexibilização da “Voz do Brasil” [programa radiofônico público e obrigatório], causa preciosa para a patronal midiática. Seguramente, Berzoini vai trabalhar em outra direção, além de voltar a dar prioridade à Telebrás como empresa pública e à expansão da banda larga via presença da estatal, o que o ministro anterior, por razões óbvias, desprezou.
Creio que o ministro Berzoini, muito embora não possa alterar o travamento da democratização da mídia no Congresso, tem muito o que fazer de modo operativo. Pode alterar, via portaria, sem depender do Congresso, portanto, os critérios para a distribuição da publicidade institucional, deixando de discriminar a comunicação comunitária, universitária e educativa. Pode, ademais, acelerar o processo de implantação da TV digital em sinal aberto, incluindo TV’s comunitárias e universitárias. Isso é concreto, não passa pelo Congresso, está em nível de executivo. Pode, além disso, assumir uma posição clara em defesa da “Voz do Brasil”, noticiário radiofônico efetivo, amplo, plural, democrático, que, na prática, é uma regulamentação midiática em favor da diversidade informativa. E utilizá-la, dentro da lei, de modo mais adequado para informar sobre aquilo que diz respeito à vida dos cidadãos, pois é um noticiário de estupenda capacidade de comunicação popular!
Quais as principais propostas dos movimentos ligados a Comunicação Social? Que críticas fazem em relação ao atual modelo de imprensa?
Os movimentos sociais criticam, corretamente, a postura fascistóide dos meios de comunicação comerciais. Entretanto, por não ter sido construída nos 12 anos uma correlação de forças em favor da democratização da mídia, por ausência de iniciativas tanto do governo como do PT, os movimentos sociais não podem apenas apostar todas as fichas na Lei da Regulamentação da Comunicação, pois o Congresso é, atualmente, largamente desfavorável. Há apenas um efeito pedagógico, mas, de concreto, não se avança. Para se ter uma ideia, até mesmo segmentos das esquerdas abraçaram a tese da flexibilização da “Voz do Brasil” proposta pela Abert.
As críticas são justas, pela concentração, pelo elitismo, pelo antinacionalismo, pelo seu caráter antipatriótico, alienante, consumista, aberrante, embrutecedor etc. Mas não há, até o momento, uma consciência clara de que as esquerdas podem e devem fortalecer as TVs e rádios comunitárias. Há exemplos importantes neste sentido, mas a esquerda e o movimento sindical podem ocupar e fortalecer muito mais as TVs comunitárias, chegando a milhares e milhares de brasileiros com suas mensagens.
Porque a imprensa corporativa praticamente opera numa só direção? Qual a origem desse discurso único?
Há algo intocável na história: a luta de classes! Muitos setores de esquerda se iludiram pensando que isto não existe mais. Deixaram, com isso, de aproveitar oportunidades políticas para se construir uma mídia própria, acreditando que, quando necessário, poderiam ter espaços na mídia corporativa. Eis que esta mídia, a cada dia, é mais fascistizante, mais raivosa contra a democracia, contra os partidos de esquerda, os sindicatos. A origem desse discurso é que, quando a burguesia percebe que não pode mais deixar governos populares governando, ela adota o discurso do golpe. Isso é luta de classes. Não há nenhuma chance dessa mídia corporativa tornar-se plural, democrática, diversificada. Por acreditar nisto, a esquerda brasileira, hoje, está desarmada de mídia própria, sob um dilúvio tremendo de mentiras e ataques, e não tem sequer um panfletinho para responder. As ilusões cobram muito caro em história!
Porque o governo é tão imóvel quanto às medidas que democratizam a imprensa? Como explicar essa paralisia?
Medo. Combinado, agora, com falta de maioria parlamentar para mudar a Constituição. Mas, há iniciativas que não requerem mudanças constitucionais. Democratizem a distribuição da publicidade institucional alcançando também as mídias comunitárias, universitárias, sindicais, populares. Parem de reprimir o movimento de rádios comunitárias, pois no governo Lula houve uma onda de repressão, apreensão e destruição de equipamentos de rádios comunitárias, o que não está previsto na lei, que prevê apenas a interdição dos equipamentos. O governo deve indenizar o movimento de rádios comunitárias por esses atos ilegais.
Que medidas práticas e concretas desejáveis dependem somente de Berzoini para a implementação?
Reforçando o já proposto. Por meio de portaria, o governo pode fortalecer outros segmentos de mídia que, até hoje, estiveram preteridos na distribuição de publicidade institucional. Enquanto a Revista Veja já chegou a receber, numa única edição, 14 páginas de propaganda da Petrobras, alvo predileto de seus ataques, as TVs comunitárias estão preteridas, discriminadas, ignoradas, não receberam sequer uma página de publicidade em 12 anos.
Quanto ao novo secretário de comunicação da Presidência, Edinho Silva, o que esperar de sua gestão? Acredita que ele atenderá às reivindicações dos movimentos ligados à comunicação?
Creio que o discurso da presidenta Dilma sobre liberdade de expressão é uma rendição ante um monumental processo de descumprimento da legislação pelos detentores de concessões públicas de comunicação. Chegam a suspender a grade de programação para convocar manifestações que professam a derrubada injustificada do governo e, inclusive, um golpe militar! E esses concessionários seguem recebendo publicidade institucional. É um absurdo. Dilma nunca deu uma entrevista sequer a uma TV comunitária. Mas sancionou uma lei que veda o acesso das TVs comunitárias à publicidade. Como deve sobreviver esse setor, reconhecido legalmente pelo estado, mas preterido e discriminado por não ter o mesmo acesso à publicidade?
Como se dá, atualmente, o investimento das verbas publicitárias estatais? Quais são os critérios utilizados?
Os critérios devem ser pautados pela distribuição democrática, alcançando todos os setores midiáticos envolvidos. Se apenas empresas já muito fortes recebem a maior fatia da verba publicitária, isto significará concentração, o que implica em uma espécie de cartelização e até mesmo na prática de oligopólio e monopólio, proibido por lei.
Consiste em democratizar o uso do espaço público radioelétrico, impedindo que seja privatizado por grupos poderosos e oligopólios. Na Venezuela, na Argentina, no Equador, na Bolívia, o espectro eletromagnético é distribuído entre três modalidades de organização midiática. Um terço para o Estado, um terço para os empresários e o outro um terço para os setores sociais e comunitários. Isto sim é democracia e pluralidade, como reza a Constituição brasileira também. Aqui, no Brasil, em 12 anos de governo com o PT à frente, apenas uma concessão de TV, a da TVT, foi efetivada de fato. Aqui, a única possibilidade é o jornalismo impresso, que poderia e deveria ter sido impulsionado com força pela esquerda, a exemplo do que fez a esquerda na Grécia, que, em apenas um ano e meio, fundou um jornal popular cooperativo, que já se tornou, rapidamente, a publicação de maior circulação em Atenas. Exemplo a ser seguido. Aqui, o PT sequer tem um jornal, uma mídia própria de massas. E quem consegue eleger o presidente da República por quatro vezes seguidas tem condições de montar o maior jornal de circulação nacional! Hoje, o PT está sendo esquartejado em praça pública, midiaticamente falando, e não tem sequer um jornal impresso de massas para se defender! É plenamente viável um jornal de ampla circulação, autossustentável, para defender, como linha editorial, a legalidade democrática e tudo o que foi conquistado nos últimos 12 anos. Esse projeto liderado por Lula e Dilma teve 56 milhões de votos, o PT tem aproximadamente 2 milhões de filiados, como, então, não se pode fazer um jornal sustentável com 1 milhão de exemplares?! A Folha Universal do Reino de Deus tem um jornal com tiragem de aproximadamente 2 milhões de exemplares. O que houve foi a ilusão de que a mídia corporativa daria espaço para a esquerda, mas ela está pregando é o discurso golpista, aliás, como fez em 1954 e 1964.No que consiste a regulamentação da mídia? Na sua opinião, em que sentido deveria se dar essa proposta?
Por que essa bandeira é tão pouco compreendida pela sociedade de forma geral? Como devemos agir pra que a mensagem chegue aos leigos?
Há uma deliberada confusão feita pelos magnatas da mídia, associando regulamentação a censura. Como não existe o contraditório, há apenas esta opinião circulando. Houve um tempo em que se dizia que cigarro não fazia mal, porque não havia o contraditório. Hoje, circulam informações amplamente sobre o malefício do cigarro. Mas não se permite conhecer o modelo de mídia da Argentina, da Bolívia, onde comunidades indígenas acessam uma rede nacional de rádios indígenas.
Regulamentação é como um sistema de sinais de trânsito. Ele organiza a circulação de veículos, parando o fluxo de uma avenida supermovimentada, para que, periodicamente, também circulem os veículos das ruas de menor movimentação. Sem sinais de trânsito, tudo seria um caos, as avenidas de grande fluxo esmagariam as ruas de menor trânsito e haveria desordem, indisciplina, um caos. Na comunicação, também é necessário ter regras para que transitem pelo espaço eletromagnético todos os sinais representativos da pluralidade e da diversidade democrática da sociedade.
Fonte: Adital, por Rennan Martins