Criminalizar as lutas sociais é uma prática que vai de encontro com a Constituição Brasileira. Quando este ato ilegal é praticado com o objetivo claro de prejudicar pessoas específicas, pode ser considerado um crime
Por Mauri Cruz (*), no Sul 21
No dia 25 de outubro do ano passado, fomos todas e todos surpreendidos por uma operação da Polícia Civil gaúcha contra a sede do Instituto Parrhesia. A alegação dos oficiais da Polícia Civil era de que, após longas investigações, concluíram que pessoas se organizavam naquele espaço para cometer crimes políticos violentos.
As alegações que foram oferecidas para a mídia gaúcha era farta. O resumo é que um grupo de estudantes universitários estava organizado para praticar atos terroristas através de atentados a bomba contra concessionárias de carros luxuosos e igrejas. Apreenderam computadores e equipamentos. Fizeram um alarde público alimentando reportagens de rádio, telejornais e mídia impressa. Puseram a pecha de criminosos numa pequena organização da sociedade civil que atua na defesa dos direitos humanos, em especial, no direito dos jovens egressos do Sistema Prisional gaúcho. O Instituto Parrhesia Erga Omnes é conhecido pela defesa dos direitos humanos e já foi premiado em 2013 e 2015 pela Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris). Apesar disto, a Polícia Civil recolheu panfletos e livros que foram levados e catalogados como “provas”.
Após a primeira surpresa constituímos um pequeno grupo de advogados e fomos tomar maiores conhecimento do referido processo, das acusações, das provas ou de fortes indícios, como costumam dizer as autoridades nestes casos midiáticos. Pasmem. Não encontramos nada. O processo sequer havia sido montado fisicamente. Passados quase um ano, o processo segue seu curso normal, ou seja, está parado nas repartições públicas. Após todo alarido é que as autoridades políticas foram realizar as oitivas de testemunhas, ouvir os pretensos acusados, saber se são mesmo aquilo que a Polícia Civil não conseguiu provar até o presente momento. Além disso, uma testemunha, Lorena Castillo, que é secretária de relações da Federação Anarquista Gaúcha – FAG alvo do mandado de busca e apreensão, declarou que a sede do Instituto foi relacionada erroneamente como se fosse a sede da Federação. Tanto a FAG quanto a Parrhesia afirmam não serem relacionadas entre si.
A Constituição Brasileira é pródiga ao garantir, em seu artigo V, incisos XVII ao XXI a liberdade de organização sendo vedada a interferência estatal. A única vedação constitucional é para organizações paramilitares, ou seja, grupos armados. Interessante esta vedação num momento tão crítico de nossa sociedade brasileira quando uma candidatura a presidência defende, abertamente, que a sociedade civil se arme. Contra quem seriam estas armas? Bem, a liberdade de organização está diretamente ligada a liberdade de pensamento. Se um determinado grupo de jovens universitários acredita na anarquia como melhor modo de organização, ou se defende a monarquia. Tudo isso é lícito perante a Constituição Brasileira, sendo vedada, repito, a associação para fins paramilitares porque, pela Constituição Brasileira, o uso da força é privativo do Estado.
O Instituto Parrhesia é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos ou econômicos, foi criado para dar atenção e apoio aos jovens egressos do Sistema Prisional gaúcho e as suas famílias. Faz seu trabalho com pouquíssimos recursos financeiros de apoiadoras e apoiadores. Praticamente não acessa recursos públicos. Tem sofrido para manter seu trabalho em função do recolhimento de seus equipamentos e da criminalização injusta sofrida na mídia por várias semanas.
Criminalizar as lutas sociais é uma prática que vai de encontro com a Constituição Brasileira. Quando este ato ilegal é praticado com o objetivo claro de prejudicar pessoas específicas, pode ser considerado um crime. Espera-se que, passados quase um ano sem que o Ministério Público, a Polícia Civil e o próprio Poder Judiciário tenham colhido provas capazes de sustentar sua tese inicial, melhor seria que os jovens em questão fosse declarados, publicamente, como inocentes. Que fossem devolvidos seus equipamentos de trabalho e que as autoridades responsáveis pelo equívoco pedissem desculpas públicas pelos danos causados às pessoas envolvidas.
(*) Advogado socioambiental, professor de pós graduação em direito à cidade, mobilidade urbana, gestão de organizações sociais. Membro da Diretoria Executiva da Abong e do Conselho Internacional do FSM.
(Foto: Guilherme Santos/Sul21)