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Caiçaras, quilombolas, indígenas e pescadores artesanais vindos de todas regiões do estado lotaram nesta segunda-feira (24) o auditório da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). A grande motivação era a Audiência Pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos que tinha como pauta o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) voltado para a garantia dos direitos dos povos e comunidades tradicionais. Proposta pela bancada do PSOL na casa, o principal objetivo da é garantir que as comunidades tradicionais sejam consultadas previamente sempre que previstas medidas legislativas ou admnistrativas que venham a afetá-las diretamente. Além disso, a PEC insere na Constituição Estadual elementos de garantias e direitos visando a a preservação cultural e a integração e adaptação dos serviços públicos às tradições, costumes e formas de organização destes povos e comunidades.

Foto: Rafael Duarte

Presidida pelos deputados Marcelo Freixo e Flávio Serafini (PSOL-RJ) a mesa da Audiência foi composta por representates das comunidades, além do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), Defensoria Pública e pelo antropólogo Ronaldo Lobão. Com o espaço aberto para propostas a serem agregagadas à PEC, o principal ponto levantado pela maioria dos participantes foi com relação à demarcação dos territórios e ao prazo para que esta ação seja realizada.

O primeiro representante a falar foi Jadson dos Santos, Caiçara de Paraty. Ele destacou que grande parte dos problemas enfrentados vem das políticas privatistas implementadas pelo governo do Estado. Ameaçado por empreendimentos imobiliários que avançam na região, Jadson ressaltou a relação de pertencimento ao mar e à terra por parte dos caiçaras. Apontou ainda que a luta em defesa dos territórios das comunidades tradicionais é uma luta contra o capital.

Já a quilombola Ivone Bernardo destacou a importância da titulação e demarcação das terras e dificuldade de acesso a serviços públicos como, por exemplo, a educação. Ela apontou que a PEC é importante por dar um caráter permanente às políticas públicas voltadas para as comunidades tradicionais.

Logo em seguida o indígena Júlio Karaí iniciou falando no idioma de seu povo passando em seguida para o português. Ele destacou a importância da união entre todas as comunidades para fazerem valer seus direitos. Um dos problemas enfrentados pelas comunidades indígenas próximas a Paraty e Angra dos Reis é a relação com as usinas nucleares de Angra. Segundo Júlio Karaí, os postes para a rede de transmissão de energia passam por dentro das terras indígenas. Em um acidente, a queda de um destes postes causou a morte de uma criança da aldeia.

Foto: rafael Duarte

A última comunidade a falar na mesa foi a dos pescadores artesanais de Maricá. O representante Vilson Corrêa relatou os problemas enfrentados por conta do licenciamento para a construção de resort na região. Segundo ele, o Inea liberou a construção sem qualquer diálogo com a camunidade. Vilson ressaltou ainda os riscos por conta das obras do Complexo Petroquímico (Comperj), que, segundo ele, pode levar à contaminação dos peixes e mariscos da região.

Após as falas das comunidades foi a vez do antropólogo Ronaldo Lobão, professor da universidade Federal Fluminense. Lobão trouxe dois pontos que, em sua opinião, precisam ser desmistificados. O primeiro é o de que somos um povo que vive uma mistura harmônica e fraterna. Para ele, esse discurso não condiz com a realidade em que os brancos subordinam os demais povos ao longo de nossa história. O outro ponto seria a relação de tutela do Estado para com os povos tradicionais. Segundo Lobão esta relação faz com que a violência seja invisibilizada e acaba por suprimir o poder de decisão dessas comunidades com relação aos rumos das políticas voltadas para sua preservação, neste sentido a PEC proposta desafia exatamente esta relação de tutela e empodera estes povos.

A defensora pública Lívia Cásseres apontou que a Denfensoria deve se somar a luta dessas comunidades, não cabendo mais uma postura burocrática de se fechar em salas. Lívia destacou que continuamos vivendo num modelo que mata, oprime e afasta negros, indígenas, caiçaras e demais comunidades dos espaços de decisão.

A representante do Inea Geisy Leopoldo foi a última a falar na mesa. Ela disse que estava representando a presidência do órgão que não pode comparecer e que levaria as questões abordadas para ser debatida no Instituto. Geisy falou da importância da audiência pública e apontou que o estado representa uma grande diversidade de interesses que precisam ser disputados.

Em seguida o debate foi aberto ao público e as falas trouxeram os principais enfrentamentos travados pelas comunidades para conseguirem manter seu territóri e a preservação de sua cultura e modo de vida. Conflitos com interesses imobiliários, turísticos e siderúrgicas foram alguns dos problemas citados. Além disso, o próprio discurso que agentes do Estado fazem no sentido de preservação de parques ambientais como pretexto para expulsar os moradores nativos também foram citados. Por conta disso, quase todas as falas apontaram a necessidade de a PEC abordar a titulação de demarcação dessas áreas como prioridade.

Foto: Rafael Duarte

O delegado do Incra Gustavo Noronha presente na audiência também se manifestou e ressaltou a importância da proposta contida na PEC. Gustavo propôs que a próxima Mesa Estadual Quilombola conte com a participação da Comissão de Direitos Humanos da Alerj. Respondendo às críticas feitas pelos participantes sobre processos arquivados no Incra, foi dito que todas as decisões podem ser revistas por meio de recursos e que a própria burocracia da instituição resulta na morosidade dos processos. Para se ter ideia, um processo de reconhecimento de terra quilombola que não tenha nenhum problema em seu percurso dura pelo menos 4 ou 5 anos.

Ao final da audiência o deputado Fávio Serafini listou uma série de encaminhamentos. Dentre as principais ações estão: levar o texto da PEC junto com um questionário para ser analisado e acrescido de alterações das comunidades; realização de uma reunião com o Inea e pelo menos um representante de cada movimento das comunidades tradicionais; realização de novas reuniões até a apresentação do texto final da PEC em novembro.

Fonte: Canal Ibase

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