Travestis e transexuais da cidade de São Paulo poderão contar, até o fim deste ano, com um abrigo municipal feminino exclusivo para elas, no Bom Retiro, Centro da capital paulista. A princípio, serão 30 vagas, sendo que a prioridade é para as participantes do Programa Transcidadania, iniciativa da Prefeitura de São Paulo que promove formação escolar e para o trabalho da população LGBT [Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais].
“Quando começamos a conceber o programa, percebemos que metade das pessoas da fila de atendimento morava em situação de rua ou em ocupações, onde também sofrem preconceito. É mais uma ação para reinserir essa população”, afirma o coordenador de políticas LGBT da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, Alessandro Melchior.
O programa tem 100 vagas. As participantes recebem uma bolsa de R$ 820 para voltarem à escola, realizarem cursos de capacitação profissional e de formação em cidadania. A expectativa é de que o número de vagas seja ampliado a partir do ano que vem. “No fim de julho, faremos a primeira avaliação do programa com o prefeito, sobre os seis primeiros meses de funcionamento. Já temos ótimos resultados: nenhuma evasão e participantes formadas no Ensino Médio. Todas elas vão prestar o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) no fim do ano”, conta Melchior.
O imóvel onde funcionará o abrigo está passando, nesse momento, por uma reforma. Desde outubro do ano passado, os três abrigos municipais localizados na avenida Zaki Narchi, na zona norte da cidade, reservam, cada um, um quarto para travestis e transexuais, que serão mantidos, mesmo com a inauguração do abrigo exclusivo. Para concorrer a uma vaga, os interessados devem passar por uma triagem na Assistência Social.
“Temos que ter a oportunidade de estudar e trabalhar com dignidade, como qualquer ser humano. O que nós queremos é uma oportunidade de trabalho para não voltarmos para a rua. Essa cidade precisa de transexuais nas lojas, nos bancos, nas empresas e em todos os lugares. Nós somos pessoas capazes. Eu provei isso em todos os lugares por onde passei”, afirma Aline Marques, participante do programa. Transexual e vítima de preconceitos na família e na escola, ela parou de estudar na quarta-série e saiu da casa da família. Com o apoio no centro de referência, voltou para a escola e procura emprego. “Está sendo maravilhoso”.
“Aos 20 anos, fui para longe da minha família e vivi muitos anos na escuridão da noite. Vi muitas amigas morrendo, por drogas, nas mãos da cafetinagem e por brigas na rua. Fui enganada para a Itália, com a promessa de ser cabeleireira. Lá, tive que me prostituir e fui presa”, conta Aline. “Quando voltei, procurei a minha mãe, a encontrei em uma situação muito vulnerável e usei o dinheiro que tinha para construir uma casa para ela. Fiz curso de cabeleireira e fui exemplar, mas não conseguia emprego e tive que continuar me prostituindo, porque era a única coisa que podia fazer. Eu já estava desistindo de viver e uma amiga me falou do projeto. Desde que vim para cá, não vou mais para a rua, porque recebo uma bolsa de R$ 820. Não é uma ‘bolsa-travesti’, como criticam. É uma ajuda inicial para que eu possa mudar de vida”.
Unidade móvel
Pela manhã, a Secretaria Municipal de Direitos Humanos de São Paulo inaugurou a primeira Unidade Móvel de Cidadania LGBT, uma van equipada e adaptada para realizar até três atendimentos simultâneos para vítimas de homofobia e para divulgar os serviços do Centro de Cidadania LGBT, localizada na Rua do Arouche, 23, 4º andar, no Centro.
Nos dois primeiros meses de funcionamento, a unidade móvel ficará no Largo do Arouche, de quinta-feira a domingo, das 18h às 23h. Depois disso, ela também ficará na rua Augusta, nas noites de sábado. Os locais foram identificados como os dois principais pontos de encontro do público LGBT na cidade de São Paulo. Além de receber informações sobre os programas da Prefeitura e acompanhamento jurídico nos casos de violência, os usuários também poderão realizar testes rápidos de HIV. Aos domingos, parte da equipe do centro de referência fará plantão na unidade móvel, sendo pelo menos um advogado, um psicólogo e um assistente social.
Até o fim do ano, a cidade ganhará mais duas unidades móveis de atendimento à população LGBT e até o fim de 2016, mais duas. As cinco vans atuarão uma em cada região da cidade. “Na unidade móvel, vamos realizar o atendimento inicial das pessoas que foram discriminadas ou que tiveram seus direitos violados. Os funcionários irão acompanhar as vítimas de violência até a delegacia para registrar o boletim de ocorrência”, disse Melchior, durante a inauguração do equipamento.
“Todos os dias, vemos na mídia e nas estatísticas as travestis sendo assassinadas. Estamos quase em uma caça aos LGBTs. Eu me sinto muito insegura porque amanhã também posso virar uma estatística”, desabafa a travesti Athena Joy da Silva, que trabalha como recepcionista no centro de referência. “Já sofri violência verbal depois que virei travesti e durante o processo tomei um soco no rosto, em plena tarde, na rua Rego Freitas. Não registrei boletim de ocorrência porque fiquei desesperada, mas essa violência ficou gravada em mim para sempre”.
“Toda pessoa que sofrer uma violência por homofobia ou mesmo se sentir constrangida na rua poderá agora procurar essa unidade móvel. Isso já é um grande avanço para nós. Além disso, acho que só a presença de equipamentos como esse em regiões estratégicas faz com que o preconceito e a violência contra a população LGBT sejam inibidos, ao menos nesses locais”, afirma Athena.
“É inaceitável alguém sofrer violência por ser mulher, negro, por ter determinada religião e pela sua orientação sexual. O mundo está caminhando para aceitar a diversidade e o respeito mútuo. É assim que se constrói uma cidade. Em São Paulo, somos 12 milhões e temos que lidar com a diversidade”, disse o prefeito Fernando Haddad. “A unidade móvel é uma demanda do público que deseja mais presença do poder público para coibir ou inibir qualquer forma de violência na cidade.”
Fonte: Adital, por Sarah Fernandes