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Confira a carta política do Congresso de Agroecologia, que reuniu cerca de 5 mil participantes este mês, em Brasília.

Em Brasília – DF, inspirados no tema: “Agroecologia na Transformação dos Sistemas Agroalimentares na América Latina: Memórias, Saberes e Caminhos para o Bem Viver”, nos dias 12 a 15 de setembro de 2017, durante o VI Congresso Latino-Americano de Agroecologia, o X Congresso Brasileiro de Agroecologia e o V Seminário do Distrito Federal e entorno, semeamos a CARTA AGROECOLÓGICA DO CERRADO. Esta carta sintetiza nossas discussões e expressões de RESISTÊNCIA e LUTA no campo agroecológico e serve de alerta à sociedade para as graves ameaças que hoje comprometem a garantia da soberania e segurança alimentar e os demais direitos da humanidade, dos demais seres vivos e os bens-comuns, incluindo a terra, a água e a biodiversidade, e que, portanto, comprometem o bem-viver. Nesse bonito processo, conseguimos reunir mais de 5 mil pessoas, expressando a diversidade de nossas identidades e saberes através da participação ativa e criativa de 25 países e de todos os estados brasileiros, incluindo pesquisadoras e pesquisadores; estudantes; educadoras e educadores; técnicas e técnicos extensionistas, camponesas e camponeses, agricultoras e agricultores familiares, povos indígenas; quilombolas; povos e comunidades tradicionais;artistas populares; gestores públicos e outras identidades da sociedade civil ligada ao tema da agroecologia e a luta e construção do Bem viver.

Esse congresso expressou a riqueza da agroecologia também no campo metodológico. Um rico cardápio de metodologias participativas foi utilizado. Os 13 temas geradores foram desenvolvidos em diversos formatos que demonstram a vitalidade e o dinamismo da construção e disseminação do conhecimento agroecológico. Pela primeira vez, relatos populares em rodas de conversa foram apresentados pelos protagonistas das experiências; mesas de diálogos foram utilizadas para os relatos de experiências técnicas; consolidou se o “tapiri de saberes”, metodologia utilizada para a apresentação de pôsteres de forma dialogada; o “rio do tempo”, elaborado coletivamente, ilustrou a memória da Agroecologia ao longo das décadas, ilustrado pela arte da facilitação gráfica, o que
contribuiu para honrar o lema do congresso e evidenciou a importância de mulheres e homens na construção histórica da agroecologia; os “caminhos do saber” ampliaram o diálogo com a sociedade; as cirandas trouxeram um debate sobre a importância da responsabilidade coletiva do cuidado com as crianças reafirmando que essa não é uma obrigação apenas das mulheres e; a relatoria colaborativa permitiu um processo de colheita e sistematização das informações em tempo real, integrando a diversidade de perspectivas e olhares de todos os envolvidos com o congresso. A pluralidade da agroecologia se revelou nos 2.227 trabalhos, apresentados e debatidos nas mais diversas formas, linguagens e perspectivas. A beleza e diversidade da feira de troca de sementes, a representação dos biomas na feira da sociobiodiversidade, a presença permanente das instalações artístico – pedagógicas, a alimentação agroecológica de diferentes origens, com destaque para os produtos do Cerrado, foram espaços que enriqueceram e favoreceram intercâmbios culturais e materiais no evento.

Para além do previsto, vários encontros aconteceram nesta grande teia de conversas e interações de construção do conhecimento agroecológico, do reconhecimento dos diversos sujeitos e de fortalecimento das práticas de cuidado, respeito e amizade. Esta disposição ao diálogo e a construção coletiva no Congresso se contrapõe ao momento político que estamos vivendo no Brasil e em grande parte da América Latina com ameaças claras às democracias e as políticas públicas duramente conquistadas pela força dos movimentos sociais e organizações da sociedade civil. Repudiamos o monopólio da mídia nas mãos das grandes corporações e das elites brasileiras e a criminalização das mídias alternativas e populares. Denunciamos a escalada da violência no campo, sobretudo no último ano, onde os níveis de violências de todas as naturezas aumentaram drasticamente. Lideranças camponesas, indígenas, quilombolas e dos povos e comunidades tradicionais, defensoras da agroecologia vem sendo perseguidas e mortas. A violência sexista se junta aos movimentos reacionários, aumentando os casos de assassinato de mulheres lideranças e tentando aprisioná-las novamente nos espaços domésticos. As comunidades estão sendo cercadas e ameaçadas pelo agronegócio e o capital agroindustrial. Denunciamos os grandes projetos do capital e do agronegócio que vem expulsando os povos do campo, das águas e das florestas, destruindo os espaços de produção agroecológica, camponesa e de preservação da vida. Dentre esses processos reforçamos nosso repúdio e preocupação com a região do MATOPIBA1 e a extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados (RENCA) na Amazônia, que consumados representarão um verdadeiro extermínio das populações camponesas, indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais dessas regiões. Por isso reafirmamos que SEM DEMOCRACRIA NÃO HÁ AGROECOLOGIA.

Da mesma forma, é impossível avançar na construção da agroecologia, sem refletir sobre a questão agrária no Brasil, onde terra e território são fundamentais para a materialização do processo de transição agroecológica. Por isso, defendemos a luta por uma Reforma Agrária popular e a defesa dos territórios dos povos do campo, das aguas e das florestas. Repudiamos a política de titulação definitiva proposta pelo atual governo, que vem subordinando os assentamentos rurais aos ditames do mercado nacional e internacional de compras de terras. Repudiamos qualquer tentativa de redução das áreas de usos
sustentáveis de bens naturais, que em grande parte estão sob a guarda dos povos e comunidades tradicionais. Exigimos a demarcação imediata de todas as áreas destes povos e somos veementemente contra o Marco Temporal. Sem Reforma Agrária e respeito aos territórios dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais não há agroecologia.

A luta em defesa da agricultura urbana nos provoca para novos debates e a ampliação do olhar sobre o papel das cidades na reprodução da vida e das práticas agroecológicas. A agricultura urbana é entendida como uma estratégia de garantia da segurança alimentar e nutricional, do direito à cidade, da promoção da sustentabilidade nas cidades e da resiliência dos territórios frente às mudanças climáticas. A agricultura urbana é reconhecida como uma importante ferramenta para romper com a dicotomia campocidade, encontrando nos fluxos, processos e dinâmicas entre o rural e o urbano um espaço de luta e resistências. Agricultura urbana é a luta e resistência da Agroecologia nas cidades.

Em relação à sociobiodiversidade, percebemos que a diversidade biológica, social e cultural dos agroecossistemas é um componente fundamental para a promoção da agroecologia e a garantia da soberania e segurança alimentar e nutricional. Reafirmamos a centralidade dos camponeses e camponesas, agricultores e agricultoras familiares, povos indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais do campo, da floresta e das águas na geração, conservação e manejo da sociobiodiversidade. Identificamos, também, uma série de pressões e cerceamentos ao direito de livre uso da sociobiodiversidade envolvendo dispositivos de proteção à propriedade intelectual, de financeirização da natureza, de promoção das grandes monoculturas, de apropriação privada da diversidade biológica e toda uma série de ações que comprometem a integridade dos territórios e a vitalidade das culturas alimentares. Destacamos, aqui, no caso brasileiro, as ameaças relacionadas às tentativas de tornar o Brasil signatário da Convenção da União Internacional para Proteção das Obtenções Vegetais (UPOV), assinada em 1991, e de inclusão das sementes crioulas no Registro Nacional de Sementes e Mudas. Repudiamos o esvaziamento das compras públicas de sementes crioulas e de variedades não híbridas promovidas através do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Afirmamos a necessidade de garantir a gestão compartilhada e o controle social dos bancos públicos de germoplasmas, com participação das organizações representativas
dos camponeses e camponesas, agricultores e agricultoras familiares, povos indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais. Da mesma forma exigimos reavaliação das decisões da CTNBio por grupo de cientistas independentes, bem como reavaliações periódicas, pela ANVISA, de todos os agrotóxicos em uso no pais. Exigimos, ainda, análise dos danos que os transgênicos e os agrotóxicos estão causando, bem como responsabilização dos que tenham contribuído para tanto. Queremos a implantação de rotulagem e normativas que orientem o consumidor, da presença de transgênicos nos alimentos, bem como o fim do uso de recursos públicos para o estímulo de formas de produção e tecnologias que ameaçam a saúde humana e ambiental. Exigimos que no Brasil seja proibida a pulverização aérea de agrotóxicos, e que não seja permitida qualquer forma de uso de agrotóxicos banidos em outros países. Queremos nossa água sem venenos. Exigimos que sejam retirados do mercado todos os agrotóxicos cujas presenças na água de consumo humano não estejam sendo monitorada. Frente às ameaças de flexibilização de Lei de Agrotóxicos, clamamos pelo arquivamento do PL do Veneno (6299/2002) e pela aprovação da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA). CHEGA DE AGROTÓXICOS, BASTA DE TECNOLOGIAS E MECANISMOS QUE COMPROMETEM A REDE DA VIDA E A SOCIABILIDADE DOS POVOS QUE HABITAM NOSSO TERRITÓRIO.

Reafirmamos a nossa disposição de luta contra os impérios agroalimentares, que buscam controlar a produção, distribuição e comercialização de alimentos com a finalidade de obtenção de lucro. Reconhecemos e reafirmamos a centralidade da agricultura familiar e camponesa para a conquista da soberania alimentar, que mesmo controlando apenas ¼ (um quarto) das terras mundiais, produzem mais de 50% dos alimentos consumidos no campo e nas cidades. No Brasil, os dados oficiais afirmam que mais de 70% dos alimentos produzidos no campo tem origem nas unidades familiares que se constituem, portanto, público aos Núcleos de Estudos em Agroecologia (NEAs), a institucionalização do Marco Referencial de Agroecologia da Embrapa, o apoio à programas de intercâmbio de agricultor/a para agricultor/a e o desenvolvimento de tecnologias sociais representam conquistas importantes nesse movimento de construção de novas formas de produção e socialização de conhecimentos. Repudiamos, ao mesmo tempo, o atual movimento de ameaças, sucateamento e desmantelamento das instituições públicas de pesquisa e ensino, como EMBRAPA, as Organizações Estaduais de Pesquisa, Universidades e Institutos
Federais. Denunciamos e repudiamos o ataque à autonomia das Instituições públicas de ensino. Reafirmamos a importância destas instituições como instrumentos públicos de promoção de uma ciência e tecnologia engajadas, críticas e orientadas por princípios de sustentabilidade e justiça social. Repudiamos ainda os cortes de recursos e o desmonte do sistema brasileiro de assistência técnica e extensão rural. Ao mesmo tempo afirmamos a indissociável vinculação entre o ensino, a pesquisa e a extensão e o protagonismo dos atores sociais do campo e dos movimentos sociais na construção de conhecimentos. SEM
POLÍTICAS DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO NÃO HÁ AGROECOLOGIA.

Estamos convencidos de que a educação em agroecologia tem sua centralidade no diálogo horizontal e permanente entre as Instituições educativas e os verdadeiros sujeitos, já nominados nessa carta, mas historicamente silenciados. Ressaltamos fortemente o protagonismo essencial das nossas juventudes do campo e da cidade. Nossas caminhadas, caravanas e diversos espaços de luta, resistência e aprendizados vêm sendo construídos e consolidados através de Políticas Públicas, de caráter estruturante, gestadas por todos, como é o caso do Programa Nacional de Educação da Reforma Agrária (PRONERA), dos NEAs, das Redes de NEAs, dos Centros Vocacionais Tecnológicos (CVTs) e diversos cursos formais em agroecologia e outros campos do conhecimento. Tais políticas conectam instituições de ensino e pesquisa e inúmeras iniciativas autônomas dos movimentos sociais do campo, em seus territórios. Mesmo com baixíssimos aportes financeiros, a capacidade dos NEAs de promover a efetiva indissociabilidade entre extensão, ensino e pesquisa é uma das marcas de sucesso dessa Política, expressa em ricas experiências, seja em números ou em sentimentos de se construir uma educação realmente cidadã. Nesse sentido, repudiamos o descaso para com as chamadas Públicas voltadas para apoiar as centenas de NEAs, as RNEAs e CVTs, culminando com o não pagamento dos bolsistas de algumas chamadas. Exigimos urgentemente, o financiamento permanente destes espaços de promoção da agroecologia, além da abertura imediata de Edital para a manutenção das RNEAs e para o apoio aos NEAs das instituições de pesquisas. Por fim, entendemos que a educação em agroecologia e a educação do campo comungam dos princípios agroecológicos e, portanto não aceitamos o processo criminoso de fechamento das escolas do campo e o corte de recursos do PRONERA, pois EDUCAÇÃO É DIREITO NOSSO E DEVER DO ESTADO! SEM EDUCAÇÃO NÃO HÁ AGROECOLOGIA!

A solidariedade e a cooperação são características fundamentais para o desenvolvimento humano e devem, no entender da agroecologia, ser estendidas a todos os seres vivos, de maneira respeitosa e em abrangência plurigeracional. Valores éticos e morais exigem visões abrangentes, levando em conta as redes que sustentam a vida e as formas de diversidade que oferecem capacidade de resiliência a estas redes. Em defesa da vida, reivindicamos interrupção imediata de caminhos que ameaçam a solidariedade e a cooperação. Não aceitamos as desfigurações que estão sendo impostas à Constituição Cidadã. Os produtos da ciência dominada por interesses egoístas devem perder o estímulo oferecido por créditos e políticas públicas. A fiscalização de seu uso deve ser ampliada.
Os danos causados devem ser ressarcidos e seus autores devem ser punidos. Exigimos direcionamento de recursos públicos para a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) em todas as suas dimensões. Reafirmamos a ideia de que Agroecologia é ciência, prática e movimento e que é necessária a aliança do campo científico acadêmico com os movimentos sociais, as comunidades rurais e a diversidade de identidades dos sujeitos do campo, das águas e das florestas: essa é a essência da construção política da agroecologia. Somos todas e todos “fiapos que estão embutidos em uma linha, que está em um cordão, que está em uma rede, que é forte e está em movimento”.

Sejamos redes, sejamos todas e todos ABA Agroecologia.

Brasília, 15 de setembro de 2017.

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