Adriano Moreira de Araujo 1 e
Lorene Monteiro Maia 2
12 de novembro de 2020
Levantamento feito pelo Fórum Grita Baixada mostra que nos últimos 60 meses, 25 pessoas ligadas a política na Baixada Fluminense foram assassinadas.
Por meio de análises de reportagens de jornais e sites de notícias, o Fórum Grita Baixada elaborou um levantamento identificando os registros de assassinatos de pessoas vinculadas a política na região desde 2016, período das últimas eleições municipais.
Verificou-se que o número de pré-candidatos, candidatos, gestores públicos e cabos eleitorais assassinados na região chegou a 25 entre 2016 e 10 de novembro de 2020.
I – Metodologia Usada
Foram consultadas reportagens da mídia nacional e estadual sobre o tema da violência política na Baixada Fluminense. Na ausência de algumas informações, como o partido ou o nome completo do político, foram consultadas outras fontes como blogs de jornalistas e analistas políticos e fontes locais. Para este levantamento foram considerados apenas os casos de assassinatos e descartados os casos de atentados sem mortes.
Uma particular atenção deve ser dada a dois aspectos: em primeiro lugar, foram considerados neste levantamento, casos de crimes letais envolvendo quatro categoriasde status político: (1) pré-candidatos e candidatos; (2) políticos empossados, suplentes de vereadores, ex-prefeitos, ex-vereadores); (3) gestores públicos como secretarias municipais ou empresas / fundações públicas; e (4) assessores políticos e cabos eleitorais publicamente reconhecidos.
A segunda atenção deve ser dada ao formato utilizado para determinar a motivação do crime. A maioria das reportagens foi produzida logo após o delito, não sendo possível, evidentemente, ter definida nenhuma conclusão sobre a sua motivação. Entretanto, adotamos aqui as suspeitas apontadas pelos trabalhos de reportagens, priorizando sempre que possível, o argumento do delegado responsável pela investigação. Ou seja, não consultamos nesta fase do estudo as informações e o resultado de possíveis investigações policiais concluídas, embora saiba-se de antemão que são poucos os casos em que houve a determinação do motivo e da autoria dos crimes.
II – Apresentação dos dados e considerações
- A) Anos mais violentos
O ano de 2016 continua sendo o período com o maior número de mortes, 12 no total (48% do total analisado no período). Em 2018 foram 3 mortos, em 2019 foram 5 vítimas fataise em 2020 até 10 de novembro, outros 5 assassinatos, sugerindo uma tendência de alta desse tipo de crime, se observarmos os últimos dois anos. Dos 25 assassinatos, 22 tiveram homens como vítimas. As 3 mulheres assassinadas eram todas de Magé.
- B) Vinculação Partidária e Status Político da Vítima
De acordo com o levantamento, dentre as reportagens em que o partido foi mencionado, a maioria dos assassinatos refere-se a pessoas filiadas a partidos de centro e à direita do espectro político brasileiro, abrangendo um leque amplo de treze partidos, muito embora não se aponte para uma concentração em algum deles3. Já entre os partidos considerados genericamente à esquerda, seis casos referem-se a três partidos, PC do B, PDT e PPS.
Quando a análise se concentra no status político há uma forte concentração de assassinatos de pré-candidatos e não de candidatos ou de vereadores, propriamente ditos. Dos vinte e cinco casos, 12 são de pré-candidatos a vereador(48%), três são de candidatos a vereador (12%); três são de vereadores (12%) e três são de suplentes de vereadores (12%), totalizando 21 dos 25 casos; os demais referem-se a cabos eleitorais (1), ex-candidato a prefeitura (1); ex-vereador (1); e Gerente de Empresa Pública (1).
Assim, se considerarmos aqueles que não eram empossados em cargos eletivos, mas disputavam uma das vagas, teremos 72% dos assassinatos, entre pré-candidatos, candidatos e suplentes de vereadores. O número de assassinatos de políticos empossados ou gestores públicos (4 no total) corresponde a 16% dos casos. Os 12% restantes correspondem a pessoas de apoio (assessores, cabos eleitorais) ou que já assumiram cargos públicos (ex-vereadores, ex candidato a prefeito), mas que não estavam mais envolvidos com a política.
A perspectiva da disputa criminosa e letal pelo territóriocom a expansão das milícias e de grupos tradicionais na política municipal não deve ser descartada, afinal esta é uma prática amplamente utilizada como demonstram diversos estudos dedicados a violência de Estado na Baixada Fluminense, como as produções do sociólogo José Claudio de Souza Alves4.
- C) Concentração Territorial: Nova Iguaçu, Magé, Seropédica e Duque de Caxias
Das treze cidades que integram a Baixada Fluminense, oito delas respondem pelos 25 crimes políticos analisados de 2016 a 10 de novembro de 2020. Nova Iguaçu (com 586,9 mil eleitores5) com sete casos, Magé (193,5 mil eleitores) registrando 6 casos, Seropédica (56,5 mil eleitores) com 4 casos e Duque de Caxias (658 mil eleitores) que apresenta 3 casos. As quatro cidades citadas respondem a 80% dos registros de crimes eleitorais no período analisado. Completam essa lista Japeri com 1 caso, Nilópolis 1 caso, Paracambi 1 caso e São João de Meriti 1 caso.
Chama a nossa atenção o fato de que cidades que possuem altas taxas proporcionais de crimes contra a vida como Queimados, Belford Roxo e Japeri não apresentem, há quatro anos, registros jornalísticos de crimes políticos ou sejam inexpressivas numericamente nesse levantamento. Uma das hipóteses é que já esteja consolidada uma hegemonia de poder nesses territórios, limitando a concorrência; outra possibilidade é que a disputa dos grupos criminosos ainda não tenha se voltado de modo objetivo e vigoroso para os cargos políticos de maior visibilidade do município.
- D) Motivação dos Crimes
De acordo com declarações de delegados responsáveis pelos casos, 36% dos crimes políticos são atribuídos somente a disputa entre grupos milicianos. Os crimes de natureza política em que não foi atribuído a participação inicial de milicianos correspondem a 20%. Os crimes associados ao comércio de drogas referem-se a 12% dos registros. Em 24% dos casos nenhuma linha inicial de investigação foi apontada ou descartada e os 8% restantes referem-se a casos únicos como crime passional, assalto seguido de morte e briga de trânsito.
III – Crimes Políticos e Disputa Entre Grupos Criminosos
Embora tenhamos observado crimes políticos em boa parte do território nacional, a Baixada Fluminense possui em seu histórico, diversos casos que comumente são associados a uma espécie de cultura política local.
A regiãoconcentra a maior parte dos assassinatos, ligados a pauta política, no estado do Rio de Janeiro. O ano eleitoral, principalmente em eleições como a de 2020 em que se disputam cargos locais, tais como os de vereadores e prefeitos, é um período permeado por ameaças, atentados e extermínio a candidatos rivais, numa tentativa histórica de manutenção do poder.
Histórica porque, essa matança política, a política da bala, não é algo recente na região que está submetida a diversas outras violações. Ainda na fase de loteamento do território, grupos matadores já atuavam por aqui, em um contexto que deu surgimento a históricas e emblemáticas figuras de poder, tal como Tenório Cavalcanti, líder político cuja trajetória está associada à violência que marcou em definitivo a região e iniciou na Baixada uma trama de patronagem, com justiceiros exercendo o poder, pela qual projetaram-se “líderes” regionais na política. E o assassinato do primeiro prefeito de Belford Roxo, Jorge Júlio Costa dos Santos, o Joca (assassinado com 11 tiros quando estava a caminho do Palácio Guanabara para uma reunião com o Governo Marcelo Alencar), casos que evidenciam fortes e violentos interesses em disputa na região da Baixada Fluminense.
Assistimos na Baixada, no Estado e no Brasil a ramificação de projeto de hegemonia política reconhecidamente criminoso. Em fevereiro deste ano, por exemplo, o Intercept Brasil já lançava a reportagem “Começou a Temporada de Matar Políticos na Baixada Fluminense” destacando que a região é recordista nesse tipo de crime no estado do Rio de Janeiro e que havia a expectativa de intensificação de assassinatos neste período eleitoral.
Os dados levantados pelo Fórum Grita Baixada reforçam aquilo que outros pesquisadores e ativista sociais apontam: os crimes eleitorais e a violência política na Baixada Fluminense são, na maior parte dos casos, exercidas entre grupos com práticas criminosas6.
IV – Enfrentando a Violência de Estado
Organizações da sociedade civil têm demandado ao Tribunal Superior Eleitoral, Tribunal Regional Eleitoral, Ministério Público Eleitoral, Ministério Público Federal e Polícia Civil ações e estratégias para conter essa escalada de violência que, no extremo, vêm reforçando e ampliando estruturas criminosas de poder, restringindo uma disputa que já é desigual por natureza, dado o uso do poder econômico.
Os dados analisados pelo Fórum Grita Baixada apontam para uma persistente trajetória de violência política na região. Entretanto, tal modalidade não pode ser dissociada da violência letal mais ampla, que deveria fazer desse território composto por 13 cidades, a prioridade para ações de prevenção e enfrentamento da violência letal, o que não se verifica.
Para a maioria dos prefeitos da região o assunto segurança pública fica limitado a implementaçãode uma guarda municipal armada, instalação de câmeras e programas pontuais de convênio com a polícia militar para o patrulhamento nos centros comerciais da cidade.
Práticas internacionais e mesmo algumas experiências em cidades brasileiras apontam para a viabilidade de ações preventivas, calcadas em diagnósticos e mapeamentos objetivos, investigações sobre as manchas criminais, enfraquecimento dos fluxos financeiros dos grupos criminosos, articulação de diferentes setores de inteligência e a adoção de políticas públicas de redução de desigualdades e de enfrentamento ao racismo, valorização do protagonismo juvenil e fortes programas sociais focados nos grupos mais vulneráveis.
Entretanto, a provável participação direta de agentes públicos nos grupos relacionados as milícias ou outras organizações criminosas, combinada com a letalidade produzida pelos agentes públicos de segurança, responsável, em média, por um terço dos crimes contra a vida na Baixada Fluminense, nos apresenta um desafio: como a violência de Estado poderá ser enfrentada pelo próprio Estado? Quais passos precisam ser dados para que a sociedade tenha confiança na capacidade do Estado, em suas três esferas de poder (municipal, estadual e federal) fazer frente a algo que parece estar se consolidando cada vez mais, a ponto de alguns já designarem nossa organização política como uma República das Milícias?
Uma simbólica construção de poder que não podemos mais, portanto, chamar de paralela ao estado, uma vez que preservam em suas composições agentes do próprio estado, que ocupam cargos no executivo e no legislativo. Antes conhecidos como “coronéis”, esses políticos continuam a preservar seus feudos, seja por meio da força ou da associação com o crime.
V – A democracia em debate
Democracia para quem? Não dá pra dizer, diante de todo o exposto, que de fato ocorra um processo democrático na Baixada e nas muitas periferias de nosso Brasil. Os dados apresentados demonstram a ocorrência de uma política majoritariamente dirigida e associada ao crime, que se consolidou e vem se expandindo na Baixada, com a eleição de Bolsonaro, Witzel, e o avanço da extrema direita, com o discurso de execução e higienização como solução para a questão da violência, e que consente a expansão e a atuação de grupos de extermínio e milícias que atuam para resguardar o poder de ação desses sujeitos políticos que controlam territórios.
Matéria do Portal UOL (2020)7traz dados da Polícia Civil que demonstram que 80% das localidades no estado do Rio de Janeiro em que existe suspeita de interferência das milícias no pleito eleitoral ficam na Baixada. E por isso, será a região o principal alvo de uma ação conjunta com o TRE-RJ no primeiro turno das eleições, em 15 de novembro, cuja prioridade é garantir o direito ao voto de forma livre.
Mas será o próprio estado capaz de resguardar a democracia e garantir o pleito de forma democrática? É possível confiar no sistema e nos mecanismos de combate a crimes políticos e eleitorais, se fazem parte desse sistema e coordenam esses mecanismos agentes que compõe os mesmos grupos que precisam ser combatidos? São algumas das muitas perguntas para as quais ainda não temos resposta e solução.
Posto é que não podemos deixar para pensar e cobrar uma nova política apenas nas eleições. Polícias, tribunais eleitorais e demais órgãos reguladores e fiscalizadores, devem estar atentos a esses grupos que consolidam seu domínio territorial ao longo de todo o ano, dia após dia, coagindo e extorquindo moradores, ameaçando liderançaslocais que se opõem ao seu comando e exterminando qualquer um que se coloque como concorrente.
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