Em Paris, governos e corporações recusam-se a debater mudança nos padrões de produção e consumo, e polemizam sobre questão irrelevante. Sociedade civil busca articulação paralela
Por Iara Pietricovsky de Oliveira, do Inesc*
Quase finda a última semana da COP21, em Paris. Do ponto de vista da negociação oficial, a novidade foi a oferta de dobrar o financiamento para adaptação por parte dos norte-americanos, anunciada pelo secretário de Estado dos EUA, John Kerry, expressando o desejo de ver um acordo em Paris.
Uma das questões importantes nestas negociações é manter os EUA “no barco” junto de todos os outros países. Isso acaba fazendo com que eles definam as regras e os limites do jogo. E assim será: se eles oferecem mais dinheiro e demonstram aparente flexibilidade, acabam dando o tom e os termos do acordo. É claro que o papel da Europa também conta, em especial dos chamados “países guarda-chuva”, dos quais os próprios norte-americanos fazem parte, além da Nova Zelândia, Austrália e Noruega, entre outros.
O novo rascunho, apresentado ontem no meio da tarde, foi reduzido para 29 páginas e ainda contém muitos temas não resolvidos em torno de perdas e danos, diferenciação, finanças e, evidentemente, a ambição desta negociação. É importante dizer que o Brasil vem tendo um papel proeminente nas negociações, sendo responsável por um dos grupos de trabalho que lidam com estes temas contenciosos. Questões que nos são caras, como aquelas relativas aos direitos humanos, estão no preâmbulo, sem força – e a inclusão de gênero, no artigo 2, foi cortada desta última versão.
A falsa polêmica, ou seja, se o texto acabará colocando sua meta abaixo de 1,5º C ou 2ºC, continua na negociação. A questão da temperatura é muito séria e definirá, na verdade, a velocidade da ruptura com esse modelo de desenvolvimento hegemônico e que, ao que parece, ninguém da parte dos governos e muito menos as corporações ativas na COP21 querem romper. Então, discutir se teremos um aumento de somente 1,5ºC ou menos que 2ºC parece ridículo para qualquer ser humano comum.
A continuidade das negociações, a partir de hoje, se dará em um formato de mesa redonda com todos os ministros juntos, como foi feito em Durban, em 2011, além de outros poucos negociadores assistindo. Segundo a imprensa, o clima das negociações é de que ninguém está satisfeito, porém ninguém pretende rejeitar o acordo.
Do outro lado da cidade de Paris, no Centquatre (104), um fantástico centro cultural dentro de um bairro de migrantes, acontecia a Assembleia dos Movimentos Sociais na chamada Zona de Ação Climática (ZAC). Com uma grande presença da Via Campesina, que fez atos bem sucedidos de desobediência civil em frente à Danone, colocando em seus muros uma faixa vermelha, as falas e histórias nos contavam das lutas nos territórios contra a invasão de suas terras e das situações de impacto ambiental produzidas por ações de governo ou de empresas e grandes corporações. A palavra de ordem continua sendo manter a luta em pé por direitos, pela dignidade da vida, por um ambiente saudável e pela soberania alimentar. Foi um momento bonito e mágico para todos que ali estavam.
No lado da sociedade civil, segue a conversa sobre como se dará a continuidade do movimento. Muitos encontros vêm sendo realizados por redes, organizações e movimentos no sentido de dar continuidade a suas lutas nos próximos anos. Grupos ligados ao comércio e clima, sobre a captura corporativa e soberania alimentar, vêm construindo sua agenda e buscando convergência. Se isso vai virar um movimento global, ainda é uma incógnita.
Por fim, seguem também os planos de ações públicas no dia 12 de dezembro, com ações em diferentes momentos e em diferentes partes da cidade. Entretanto, a intenção de realizar um momento comum, para juntos apresentarmos a última palavra, parece inviabilizada. Não há consenso sobre isso e também não há palavra de ordem comum. Será melhor seguir marchando juntos, até que esse ponto de encontro possa se realizar, ou simplesmente cada um seguir seu caminho? A questão está no ar.
Iara Pietricovsky de Oliveira é membro do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos – Inesc.
Fonte: Outras Palavras