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Conferência tem como objetivo criar programas para promover uma transformação nas dinâmicas de consumo e de uso de energia para evitar aquecimento.

Por Marcos Buckeridge * na Plataforma ODS 

Neste domingo, começa em Paris a 21ª Conferência das Partes. É uma reunião coordenada pelas Nações Unidas. Em conjunto, será realizada a 11ª Reunião das Partes do Protocolo de Kyoto.  A chamada COP21 tem uma missão duríssima: mudar os hábitos de milhões de pessoas em todo o mundo rapidamente e ao mesmo tempo. O foco da discussão é o que temos de fazer para evitar que o aumento da temperatura média no planeta não ultrapasse os 2°C. Parece pouco, mas quando falamos de 2ºC como temperatura média global ao nível do mar, isto significa que as temperaturas continentais podem atingir valores bem mais altos, que vão até 8°C ou mais em algumas regiões.

Os cientistas do mundo inteiro vêm trabalhando há anos para tentar entender o que está dando errado com o planeta. O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) já produziu, desde 1997, cinco relatórios. Neles, são compilados os dados científicos mais relevantes produzidos em todo o mundo sobre as mudanças no clima, seus impactos e soluções. A tarefa gigante e sem precedentes na história da ciência é a de tentar prever cenários futuros de aumentos de temperatura e variações na precipitação (chuvas) em todo o planeta. Para isto, o IPCC usa um conjunto de modelos computacionais. Climatologistas usam dados sobre o que aconteceu com o clima e a Terra no passado e tentam projetar diferentes cenários futuros.

Esse sistema de modelos vem sendo aperfeiçoado por décadas, e o fato de que as previsões vêm se concretizando mostra que é uma forma eficiente de prever cenários. A ciência por trás destes números é extremamente complexa e robusta, pois tem como base tudo o que sabemos sobre a física e a química da atmosfera. Com estes dados e baseados numa regra simples de que quando emitimos CO2 e outros gases do efeito estufa estes irão aumentar a temperatura atmosférica, os climatólogos criaram parâmetros que nos auxiliam a entender estes cenários.

Estes parâmetros são as Vias de Concentração Representativa (do inglês RCP, Representative Concentration Pathway) que nos ajudam a prever quais as possíveis rotas que podemos tomar dependendo do nível de emissões de carbono para a atmosfera. São quatro os cenários que marcam a elevação da temperatura (veja o quadro): RCP 2.6, o cenário em que fazemos tudo corretamente e o aumento médio de temperatura na superfície terrestre seria de 1°C até 2050; RCP4.5 e RCP6 são cenários intermediários que elevariam a temperatura média até 1,3°C e 1,4°C, respectivamente, e o cenário mais drástico, RCP8.5, que levaria a aumentos na temperatura média da superfície do planeta até 2ºC. Pelos cálculos atuais, as nossas atividades hoje correspondem a uma rota entre RCP4.5 e RCP6.

Mas apesar de os cientistas virem avisando o mundo por mais de 20 anos que o clima estava mudando como consequência das nossas práticas de consumo e uso de energia e recursos, combinadas com um aumento recorde da população mundial, a força do hábito foi maior. O mundo não conseguiu alterar seus sistemas a tempo para evitar o aumento dos gases do efeito estufa e da temperatura.

O resultado do fracasso em mudar na velocidade necessária é que já aumentamos quase 1°C na temperatura média do planeta entre 1850 e 2012. Para se ter uma ideia do que significa um aumento médio de apenas 1ºC no planeta, vamos a um exemplo concreto. Os anos de 2014 e 2015 têm sido desastrosos no Brasil, com secas recordes no Sudeste e no Nordeste e excesso de chuvas no Sul. Estes são os chamados eventos extremos, que têm sido estudados e descritos pelo IPCC como as principais consequências geradoras de vários tipos de problemas locais que levam a mortes e prejuízos financeiros sem precedentes.

Mas o processo está só começando. Se continuarmos nesta rota de aumento de temperatura, outros efeitos drásticos se somarão aos que já estamos vendo. Os problemas com a falta e excesso de água vão piorar, eventos climáticos drásticos ocorrerão com maior frequência, colocando mais pessoas em risco. O nível do mar pode subir até 25cm até 2050, levando à erosão nas regiões costeiras e afetando a biodiversidade, além de causar impactos diretos na pesca. Um dos efeitos mais graves e caros será o impacto na produção de alimentos. Com as mudanças no clima, culturas agrícolas que crescem hoje em uma determinada região não serão mais viáveis economicamente. Adaptações serão necessárias, mas a um alto custo. Além disto, a produção e a qualidade dos alimentos podem cair em vários lugares do planeta.

AS METAS DE CADA PAÍS

Neste contexto, o que a COP21 pode fazer? Que decisões podem ser tomadas para amenizar os efeitos clima? Pela COP21, passarão cerca de 45 mil pessoas. Há desde jornalistas e membros da sociedade civil até delegados que representam países. Somente 20 mil destas pessoas são credenciadas. As demais são observadoras. Há todo tipo de atividade, como exposições, filmes etc. Por isto, os desdobramentos em termos de comunicação vão se espalhar rapidamente pelo mundo após a reunião.
Uma das partes cruciais da reunião está relacionada com documentos que foram produzidos por mais de 150 países. Estes documentos são as Contribuições Internacionais Nacionalmente Determinadas (do inglês, INDCs). Ainda que somente quatro países (ou blocos de países) representem hoje mais da metade das emissões de carbono no planeta (China com 28%, EUA 11%, União Europeia com 10% e Índia com 7%), os 155 países que enviaram INDCs para a COP21 representam mais de 90% das emissões atuais.

 

As INDCs são submetidas à organização da COP com antecedência. São documentos complexos que listam as ações a serem adotadas por cada país para tentar evitar que a temperatura média do planeta ultrapasse os 2ºC. São estes os documentos que serão discutidos pelos países no sentido de tentar formar um acordo que seja seguido por todos. As INDCs refletem bem as diferentes estratégias nacionais, e as discussões podem propor mudanças importantes, pois há casos em que o esforço prometido não é tão grande quanto poderia. Espera-se que as INDCs tenham força jurídica internacional e que com isto seja possível fiscalizar se os acordos estão sendo seguidos ou não. Mas não há como punir quem não siga e com isto não há, de fato, como controlar o destino do sistema terrestre.

A INDC brasileira propõe uma série de metas. A principal é que o país pretende diminuir em 37%, até 2025, as emissões, em comparação com 2005. Para isto, o país propõe várias ações. Algumas delas são: 1) aumentar a participação de bioenergia na matriz energética para 18% até 2030; 2) fortalecer o cumprimento do Código Florestal; 3) eliminar o desmatamento ilegal; 4) restaurar 12 milhões de hectares de florestas até 2030;  5) ampliar a escala de sistemas de manejo sustentável de florestas nativas; 5) chegar a uma participação de 45% de renováveis na matriz energética em 2030, a partir dos 39% de hoje; 6) expandir o uso doméstico de energias que não sejam de origem fóssil; 7) aumentar em 10% os ganhos de eficiência do setor elétrico até 2030; 8) expandir o uso de energias solar e eólica. O documento propõe métodos de implantação destas metas.

O Brasil tem sido um dos países bem organizados em relação às questões climáticas. Mas será que com a crise econômica conseguiremos alocar as verbas necessárias para atingir as metas propostas? Outro problema é que um dos maiores trunfos que o Brasil tem, inclusive nas negociações na COP21, é o etanol combustível, no qual somos uma país de ponta. Porém, as políticas públicas para o etanol no Brasil têm sido desastrosas na última década, levaram ao fechamento de usinas e afugentaram o capital estrangeiro que queria investir na produção. Portanto, apesar de termos feito uma INDC excelente, com metas claras e bem balanceadas, teremos primeiro que resolver problemas internos muito sérios para que possamos colocar estes planos em ação.

Ainda que o Brasil seja um país importante, principalmente pela sua ação política durante as COPs, se quisermos ter uma ideia mais clara do impacto da COP21 no futuro do planeta, temos que olhar para os grandes emissores. Nesses casos há nuances de estratégias que são importantes entender.

A União Europeia pretende diminuir as emissões em 40% até 2030 com base no que emitiam em 1990. Já os EUA se comprometem a diminuir suas emissões em cerca de 27% até 2025 em relação a 2005. São reduções pouco arrojadas, considerando serem estes os países mais avançados cientificamente e os mais ricos do mundo. A Rússia é um caso curioso. Eles prometem diminuir as emissões em 70% até 2030, o que parece impressionante. Só que esta diminuição seria em relação às emissões que eles tinham em 1990, quando ainda eram União Soviética. Ou seja, as emissões serão menores artificialmente, pois o tamanho do país mudou consideravelmente. Isto denota claramente uma estratégia para evitar, de fato, a diminuição. Já a China, o maior emissor do planeta, se compromete a diminuir as emissões em relação ao seu Produto Interno Bruto (PIB). Dizem que irão diminuir em 60% as emissões até 2030 em relação a 2005, mas por unidade do produto interno bruto. Esta estratégia na realidade quer dizer que a China continuará aumentando as suas emissões até 2030 e depois desta data irá diminuir. Claramente, é uma estratégia que protege a economia e o desenvolvimento e não se compromete de maneira efetiva com a questão climática.

Ao considerarmos as diferentes estratégias vemos que há grande dificuldade nas mudanças de hábito. O que todos prometem é mudar cerca de 30% de seus hábitos.

Não sabemos se será suficiente. Mesmo com a COP21 e considerando a ciência que conhecemos, ainda é possível que passemos dos 2ºC em média no planeta até 2050. No âmbito local, temos que nos preparar para enfrentar este futuro, usando todas as ferramentas para nos adaptar com o menor custo possível. E o Brasil tem várias oportunidades neste contexto, como detentor de uma das melhores matrizes de uso de renováveis do planeta e também como um grande produtor de alimentos.

A questão da mudança de hábito é com certeza o problema mais importante que a humanidade já enfrentou. Será muito interessante acompanhar os desdobramentos do que esta COP irá produzir. Se o mundo passar a ouvir com mais atenção quando os cientistas apontam que algo não está indo bem no planeta, talvez o aprendizado leve a humanidade a um novo patamar de desenvolvimento, mais equilibrado e produtivo.

Isto, claro, se sobrevivermos aos efeitos das mudanças climáticas neste século.

* Professor do Instituto de Biociências da USP, Coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol  e Presidente da Academia de Ciências do Estado de SP. Foi autor do último relatório do IPCC

Fonte: Zero Hora

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